Sociedade
22 junho 2021 às 22h46

Lares exigem ao Estado que defina regras para funcionários que não querem ser vacinados

Seis surtos, 54 infetados e três óbitos. O vírus está a entrar pelos funcionários que não se vacinaram. Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, diz que Estado tem de decidir o que fazer nestes casos.

Nos últimos dias, o país voltou a ouvir falar de surtos em lares. A Direção-Geral da Saúde (DGS) já confirmou a existência de seis, envolvendo 54 casos de infeção, entre utentes e funcionários, e que a maioria já estará recuperada. No entanto, dois dos casos, uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), em Mafra, e outra da Misericórdia, em Faro, registaram óbitos (dois no primeiro e um no segundo). Novamente uma situação que muitos achariam não ser possível voltar a viver ou a ouvir falar, mas afinal não, "era previsível que acontecesse", disse ao DN o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos.

O que se sabe até agora é que o vírus parece estar a voltar a entrar nos lares através de funcionários que recusaram a vacinação. Segundo explicou Manuel Lemos, isso mesmo aconteceu no único lar da Misericórdia envolvido nestes surtos, o de Faro, onde, diz, "três ou quatro funcionários não quiseram ser vacinados e, segundo sei, na IPSS de Mafra também havia funcionários nesta situação" - a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo esclareceu que, no caso de Mafra, dos 13 funcionários, seis ficaram infetados, quatro tinham vacinação completa e um a primeira dose, os restantes oito não tinham querido a vacina.

Uma situação que Manuel Lemos diz perceber, porque o Estado decidiu que seria voluntária, sustentando esta decisão no direito individual de cada um de liberdade e garantias, mas salvaguardando que "a questão aqui é que estes profissionais trabalham com pessoas de risco, muito debilitadas, estando esta sua opção a colocar em perigo a vida dos outros". "Não é fácil compatibilizar as duas situações, mas cabe ao Estado definir o que deve ser feito. Ou define regras para estes funcionários ou aceita as consequências", argumenta.

Manuel Lemos afirmou ao DN que esta questão tem vindo a ser colocada pelo setor às autoridades de saúde, mas até agora não houve respostas nem qualquer esclarecimento, e "é uma situação que deve ser resolvida, porque acarreta consequências. Não é uma situação que tenha a ver com o setor, mas com direitos individuais, e, desse ponto de vista, cabe ao Estado resolver, definindo regras para sabermos todos como lidar com a situação, ou não resolver, mas assim ficamos todos cientes das consequências".

Destaquedestaque1020. Este é o número de infeções registado no dia de ontem. Portugal soma agora 866 826 infetados, tendo neste momento 28 378 casos ativos e 41 659 contactos em vigilância, mais 1140 do que no dia anterior. Ontem houve a registar seis mortes e 450 internados, dos quais 101 em cuidados intensivos.

O presidente da UMP admite não ser fácil a compatibilização das duas situações, de um lado o princípio de direito de liberdade e garantias, que permite a cada um ser ou não vacinado, e do outro o limite em que se configura o interesse da saúde pública e a morte de terceiros. "Não podemos esquecer que a profissão que estas pessoas desempenham pode colocar em risco terceiros, como terá acontecido em Mafra e em Faro. Portanto, esta decisão só compete ao Estado, e a mais ninguém."

Esta é uma das questões que têm vindo a ser colocadas no setor desde que teve início o processo de vacinação, mas há outras, como o facto de haver ainda milhares de utentes e de funcionários que não estão vacinados.

Ao todo, refere ao DN, são cerca de oito mil pessoas. A maioria foi infetada pelo SARS-CoV-2, desenvolveu doença, recuperou, mas ainda não foi vacinada. "Há uma divergência enorme entre os especialistas sobre se estas pessoas devem ser vacinadas ou não e em que intervalo de tempo. É mais uma situação que temos pedido à DGS que esclareça e que defina uma norma, porque o que está a acontecer é que as instituições estão dependentes do que pensa cada delegado de saúde regional. Há uns que acham que os recuperados só devem ser vacinados ao fim de seis meses, outros ao fim de 90 dias e já há alguns que defendem que tal poderia acontecer logo ao fim de 60 dias, e a DGS deveria esclarecer a situação para que seja igual para todos."

No entanto, alerta para o facto de "se tratar de uma população idosa e vulnerável e que deveria ser equacionada a possibilidade de os vacinar o mais rápido possível, na tentativa de os proteger em relação a novas reinfeções." Há países, como o Reino Unido e Israel, em que esta situação não se coloca, porque, apesar da infeção, os utentes são vacinados assim que se encontram recuperados.

Ontem à tarde a DGS e a task force para a vacinação fizeram saber que o processo de vacinação de funcionários e de utentes de lares que foram infetados vai ser antecipado para os 90 dias, para prevenir situações de reinfeção, deixando de ser aos 180 dias. Segundo a DGS, esta situação é considerada uma exceção para recuperados, mas "prudente face aos novos surtos em lares".

Destaquedestaque2 947 718.Este é o número de pessoas vacinadas com duas doses até ao dia de ontem, mais 381 498 pessoas do que na semana anterior, 29% da população. Com uma dose há já 4 688 551, mais 338 623 do que na semana passada, 46% da população.

Por agora, diz Manuel Lemos, o importante é que todas as instituições, funcionários, utentes e visitas mantenham as regras de proteção básicas para a transmissão, como o uso de equipamento de proteção individual (EPI), máscaras, higienização das mãos e distanciamento. "Isto é fundamental que se mantenha. É o que temos vindo a dizer aos provedores das Misericórdias e às IPSS. Não somos adeptos de voltar a proibir as visitas aos nossos utentes, o que é preciso é que não haja nenhuma alteração nos cuidados. Confio nas equipas que estão à frente das instituições para decidirem o que fazer em relação às visitas. Cada caso é um caso."

A ministra da Saúde também afirmou ontem estar atenta aos surtos em lares, defendendo não ver necessidade de limitar visitas a idosos. "A limitação das visitas a pessoas institucionalizadas em estruturas residenciais para idosos não parece ter neste momento necessidade de ser estabelecida", sublinhou Marta Temido, até porque, sustentou, "os vacinados que estão a ter casos de transmissão de doença têm uma doença muito mais moderada".