Sociedade
22 outubro 2021 às 20h41

Instituto de História Contemporânea desmente Universidade Nova

Currículo de Raquel Varela continua na berlinda. Depois de um comunicado da Universidade Nova garantir que as "imprecisões" que detetou não lhe "comprometem a integridade", o Instituto de História Contemporânea refuta, enumerando todos os erros que identificou e acusando a Nova de errar.

Fernanda Câncio

Afinal quantos artigos com validação científica, publicados em revistas indexadas, tem Raquel Varela no currículo? Esse número foi ou não por ela empolado no resumo que fez do seu CV na candidatura a um concurso de acesso a fundos públicos da Fundação para a Ciência e Tecnologia, caso em que se colocou ilegitimamente em vantagem face a outros concorrentes?

Quem é que tem razão no conflito que opõe a historiadora ao Instituto de História Contemporânea, a que esteve vinculada até setembro, e que envolve também a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e agora até a reitoria da Universidade Nova?

Segundo a própria, no resumo em causa, tem 67 artigos publicados em revistas indexadas, 38 dos quais nos últimos cinco anos e de autoria individual. Segundo o Instituto de História Contemporânea, no segundo comunicado que faz sobre o CV da historiadora, enviado no fim da tarde desta sexta-feira ao DN, são, na primeira categoria, menos de metade - 30 - e nove, ou seja, quase um quarto, na segunda. Tratar-se-á então dos números exatos que levaram o IHC a solicitar a Varela que corrigisse o CV e, na ausência de correção, a determinar que o instituto se desvinculasse da candidatura desta ao referido concurso da FCT, invocando agora, para sustentar essa decisão, "os deveres que nos são atribuídos pela 'Lei da Ciência'" e "o Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação."

Essa desvinculação foi noticiada a 21 de setembro pelo Público​​​​​​, o que levou o IHC a exarar um primeiro comunicado, no qual era algo vago em relação aos erros detetados (falava de "aproximadamente metade" e "aproximadamente um terço" em relação a, respetivamente, o número total de artigos indexados que Varela indicava no resumo do CV e os que dizia ter publicado nos últimos cinco anos).

No meio está a análise do Conselho Cientifico da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova (efetuada na sequência do posicionamento público do IHC), que por sua vez, diz uma nota enviada esta quarta-feira pela Universidade às redações, enumera "82 artigos listados, dos quais 36 publicados entre 2016 e 2021 e 30 publicados em revistas indexadas na ISI Thompson, na Scopus e na CAPES Qualis A".

Mas, apesar de admitir "imprecisões", duplicações (ou seja, entradas repetidas do mesmo artigo, que não contabiliza) e até o facto de não "serem sempre identificados todos os coautores ou coeditores" - ou seja, haverá artigos e edição de publicações a várias mãos que não são apresentados por Varela como tal - a nota da Nova, que nada refere quanto ao resumo do CV sobre o qual incidiu o escrutínio do IHC, informa que "a avaliação realizada conclui que os alegados erros identificados pela Direção do IHC não comprometem a integridade da componente bibliométrica do CV em apreço." (A redação desta conclusão torna impossível perceber se foram identificados os mesmos erros que o IHC aponta e mas não são valorizados tão negativamente, ou se o termo "alegados" deve ser lido como "não confirmados").

Daí o novo comunicado do IHC: é uma resposta a esta nota que o IHC atribui, curiosamente, não à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas mas à reitoria da Nova - "A respeito do comunicado de imprensa da assessoria de comunicação da Reitoria da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA) a direção do IHC tem a dizer o seguinte" - e apresenta-se como uma correção à informação apresentada pela Universidade, explicitando detalhadamente os "erros" que levaram o instituto a tomar a decisão de se desvincular.

O IHC começa por sublinhar que desde 6 de outubro "a Reitoria da NOVA teve acesso a um relatório detalhado e documentado com os erros que o IHC identificou no currículo que a investigadora em causa apresentou ao concurso promovido pela FCT."

A seguir, em tom cortante, enumera os erros detetados, começando por aquele em que a sua análise se encontra com a veiculada na nota da universidade: "O comunicado agora emitido pela assessoria da Reitoria afirma que a investigadora publicou 30 artigos em revistas indexadas na ISI Thompson, na Scopus e na CAPES Qualis A - foi este mesmo número que o relatório do IHC apurou, por contraste com a informação veiculada no currículo, onde se referia a publicação de 67 artigos em revistas indexadas naquelas três bases de dados."

De seguida, refere duas outras matérias em que o IHC e a nota da Universidade estão de acordo - "O comunicado afirma também que o currículo apresentado a concurso apresenta omissões em matéria de atribuição de autoria e de edição de publicações, omissões estas que foram igualmente identificadas pelo relatório do IHC, que sinalizou 18 casos de omissão. O comunicado afirma, ainda, que existem duplicações de entradas em matéria de publicações sendo que, a este respeito, o relatório do IHC identificou 23 situações."

Depois, o IHC passa a apontar aquilo que refere como um erro da nota da Nova: "O comunicado erra ao afirmar que a investigadora em causa é autora de 36 artigos publicados entre 2016 e 2021, número este a que o comunicado da Reitoria da NOVA não subtrai os efeitos de duplicação de entradas referidos no ponto anterior - de acordo com o relatório do IHC, entre 2016 e 2021, a investigadora foi autora, sim, de 24 artigos."

E prossegue: "Relativamente a estes 24 artigos, o relatório do IHC identificou 13 artigos publicados em revistas indexadas na ISI Thompson, na Scopus ou na CAPES Qualis A, 9 dos quais sendo de autoria individual - estes números diferem do que é afirmado no currículo em causa, em que a investigadora diz ter publicado, como autora individual, em revistas indexadas nas três bases de dados já mencionadas, e nos cinco anos anteriores à submissão da candidatura, 38 artigos."

Para concluir: "Neste contexto, atendendo à indisponibilidade da candidata para proceder à verificação e correção do currículo em causa, aos deveres que nos são atribuídos pela «Lei da Ciência» e ao Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação, o IHC mantém a decisão de deixar de ser instituição de acolhimento científico da candidatura em causa."

Refira-se que no Direito de Resposta que Raquel Varela enviou ao Público na sequência das primeiras notícias sobre o caso e do primeiro comunicado do IHC, a contabilidade de artigos apresentada é diferente da constante no resumo do CV enviado à FCT: fala em "41 artigos indexados nos últimos cinco anos" e "68" publicados ao longo da carreira, "dos quais 17 só no índice Scopus". E diferente ainda daquela que agora, menos de um mês depois, se encontra no resumo público do seu CV no site ORCID: "Publicou como autora 70 artigos em revistas com arbitragem científica, na área da história, sociologia, educação, economia, serviço social e ciência política indexados no ISI Thompson, CAPES Qualis A, Scopus, entre outros."

Nem o IHC nem a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, aos quais o DN enviou uma série de questões sobre os casos de autoplágio ou reciclagem de texto que o jornal identificou na listagem de artigos constante no CV público da historiadora, mostraram até agora interesse em verificar essa componente "não bibliométrica" do CV em causa. Isto apesar de os artigos nos quais o DN constatou esse problema terem sido publicados em revistas indexadas, e portanto estarem incluídos na lista considerada "válida" por ambas as instituições. A FCSH recusou até agora esclarecer como qualifica o autoplágio e a reciclagem de texto em publicações académicas.

Como o DN noticiou, a Critique, revista britânica na qual Raquel Varela é sub-editora e publicou alguns dos textos constantes do seu CV, num dos quais o DN constatou reciclagem de texto não assinalada, considera o autoplágio e a reciclagem de texto eticamente condenáveis, classificando-os como "má conduta" ou "comportamento impróprio", que deve levar os editores a contactar os autores a pedir explicações e até a avisar as instituições a que estão vinculados.

Em reação à investigação do DN, que qualificou de "ignóbil" e "difamação", Raquel Varela anunciou que a revista iria fazer um comunicado sobre o assunto. Mas quando o jornal a contactou a perguntar quando iria ser o comunicado publicado, respondeu: "O desmentido dos editores da Critique está na minha posse e será entregue apenas a instituições oficiais. Não tenho mais comentários a fazer."