Sociedade
03 junho 2023 às 05h00

Financiamento e recursos humanos são entraves à adaptação climática no Alentejo

Projeto financiado pelos EEA Grants permitiu a 14 municípios da região criar estratégias integradas para enfrentar as consequências das alterações climáticas. "Os desafios são grandes para o poder local, daí a importância destes planos de ação", considera o presidente da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central.

Francisco de Almeida Fernandes

Nos próximos 30 anos, a região do Alentejo corre o risco de perder entre 28% e 40% dos recursos hídricos disponíveis. Este é o cenário que ajuda a enquadrar a urgência da resposta aos desafios levantados pelas alterações climáticas, em particular numa zona do país especialmente afetada por longos e intensos períodos de seca. Apesar das estimativas, Carlos Pinto de Sá, presidente da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (CIMAC), não tem dúvidas de que será possível ultrapassar estes obstáculos. Para isso, porém, é preciso ação. "Em Portugal não nos faltam diagnósticos, o problema está na concretização", considerou, esta sexta-feira, durante uma conferência promovida em Évora.

O também autarca da capital de distrito foi um entre mais de uma dezena de oradores que participaram no encerramento do Adapta.Local.CIMAC, uma iniciativa desenhada para criar Planos Municipais de Adaptação às Alterações Climáticas em 14 concelhos do Alentejo Central. "Os desafios são grandes para o poder local, daí a importância destes planos de ação", disse ainda Pinto de Sá. Além de preparar a região para os efeitos das mudanças do clima com documentos que identificam áreas de ação prioritária em cada município, o projeto financiado pelos EEA Grants promoveu a capacitação dos recursos humanos das autarquias e sessões de sensibilização com a população.

"Foi um processo participativo em que a comunidade contribuiu para a definição dos planos de ação", destacou João Sardinha. O técnico superior da CIMAC lembrou o sucesso alcançado através da realização de 14 conselhos locais juniores e 14 seniores, que reuniram mais de 900 pessoas dos 14 municípios, durante os quais foram sugeridas medidas de adaptação a adotar. João Sardinha quer ver este modelo de participação cívica a ser mantido ao longo dos próximos anos, de forma a assegurar o envolvimento e a auscultação das comunidades. "Para se ser bem-sucedido na implementação de medidas climáticas é preciso ter o apoio dos munícipes", acrescentou ainda Malgorzata K. Rudnicka, da consultora International Development Norway (IDN) que acompanhou o processo desde 2021.

Na análise realizada pela IDN aos desafios enfrentados pelas autarquias na adaptação climática, Rudnicka assinalou a dificuldade em "contar com instrumentos financeiros e subsídios" que apoiem este trabalho, mas também a falta de recursos humanos disponíveis para endereçar esta missão. "Os pequenos municípios em particular precisam de apoio em termos de conhecimento e de orientação", apontou. Foi precisamente a pensar na capacitação dos técnicos e dos agentes políticos que este projeto contou também com a consultoria do CEDRU - Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano. "Em cada um dos municípios foi desenhada uma estratégia de adaptação e um plano de ação, que identifica as atividades que é preciso implementar até ao final da década", explicou o presidente Sérgio Barroso. Foram ainda organizados 12 eventos, entre webinares e workshops temáticos.

As metas a atingir - desde a gestão da água à eficiência energética, entre tantos outros domínios ligados à sustentabilidade - são "brutalmente exigentes em termos de investimento", pelo que Sérgio Barroso defende maior apoio do Estado central para estes objetivos. No entanto, lembra ainda que os compromissos assumidos por cada autarca nestes planos de ação não podem ficar apenas no papel e devem, "o mais rapidamente possível, ser implementados" no terreno. "Temos de manter uma dinâmica de monitorização da implementação destes projetos", reforçou o responsável.

Sendo esta uma iniciativa financiada pelos EEA Grants - que junta fundos da Islândia, Liechtenstein e Noruega para diminuir as disparidades sociais e económicas na Europa -, esteve presente no seminário de encerramento João Telha, conselheiro económico da embaixadora da Noruega em Portugal, Tove Bruvik Westber. "Com a conclusão destes planos, estes municípios têm agora um caminho adaptativo a percorrer. Concluímos o tempo de planeamento e entrámos no tempo da ação", considerou.

A cerimónia que se realizou na sede da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA), em Évora, contou ainda com um painel dos presidentes das câmaras municipais de Arraiolos, Borba, Montemor-o-Novo e Vila Viçosa, que partilharam a sua visão sobre a importância da adaptação climática na região. Em Montemor-o-Novo, o líder autárquico Olímpio Galvão assegurou, na sexta-feira, que o concelho tem já diversos planos relacionados com a resposta à mitigação das alterações climáticas, incluídos numa estratégia ambiental "que está na fase final" e que "estará, em breve, em consulta pública".

Inácio Esperança, líder em Vila Viçosa, criticou o que acredita ser "um país a muitas velocidades" em que os municípios mais pequenos e com menor orçamento estão em desvantagem na luta contra o tempo para tornar os territórios mais resilientes. "Aquilo que temos para investir não é suficiente para fazer tudo o que o município precisa. Precisamos de mais investimento", lamentou.

António Anselmo, presidente da Câmara Municipal de Borba, sublinhou a importância de estabelecer uma estratégia local para uma melhor gestão da água, cada vez mais escassa no Alentejo, e defendeu que "temos de fazer tudo o que podemos para prevenir as consequências das alterações climáticas". "Temos uma agricultura que precisa de água para ser competitiva", alertou. Perspetiva semelhante tem Sílvia Pinto, governante eleita na Câmara Municipal de Arraiolos, que espera que "o próximo quadro comunitário tenha em conta que estes municípios precisam de investir" na prevenção de questões tão determinantes, a nível social e económico, como a seca. "O Alentejo precisa muito de pensar na sua água, como reter a água da chuva, como aproveitar a água não potável e sensibilizar os seus munícipes para a forma como utilizam o recurso", acrescentou.

dnot@dn.pt