Sociedade
25 julho 2021 às 22h17

Faculdades públicas portuguesas já são lideradas por vozes femininas 

Clara, Maria de Fátima, Mariana e Maria de Lurdes. Quatro nomes do grupo de mulheres à frente de faculdades do ensino superior público presencial. Nas 120 escolas, faculdades ou institutos de ensino universitário do Estado, apenas 35 são lideradas por senhoras, segundo informações recolhidas pelo DN nos sites oficiais dos estabelecimentos. Em destaque está o ISCTE: além da reitora, três das quatro escolas têm chefias femininas. Pelo contrário, na Universidade de Coimbra nenhuma faculdade tem uma mulher à frente.

Foi a primeira mulher a candidatar-se à liderança do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG) e em 2018 foi eleita presidente da instituição, que celebrou 110 anos em maio. "Nunca tinha pensado nisso até há uns anos, no efeito da discriminação entre homens e mulheres, mas percebi que isso era importante para muitas pessoas, que isso teve um efeito psicológico importante. Até em estudantes, nós pensamos que para os mais novos já é absolutamente igual, mas na verdade não o é. Tive muitas alunas que me disseram que ficaram muito surpreendidas e agradadas ao perceberem que era possível uma mulher desempenhar determinadas funções", lembra.

Sobre a questão das mulheres em cargos de liderança no ensino superior, Clara Raposo diz que vão aparecendo, mas defende que há mais limitações na progressão da carreira académica, lembrando que foi a primeira mulher catedrática do Departamento de Gestão do ISEG. "Há muitas mulheres que acham que lhes cabe a elas a gestão do lar e da dinâmica da família. Tradicionalmente, parecia mal um homem não progredir na carreira, enquanto uma senhora é normal, "pronto, se for professora auxiliar uma vida inteira, é normal", e as mulheres estão psicologicamente mais preparadas para aceitar isso do que os homens. Mas acho que hoje as mulheres estão mais ativas e mais despertas para esses fatores discriminatórios e espero que a próxima geração consiga resolvê-los", prossegue a presidente do ISEG.

Economia e Gestão são as áreas de eleição do ISEG, e em termos de alunos existe uma ligeira maioria do sexo feminino. "Às vezes encontramos algumas diferenças consoante as áreas específicas. Por exemplo, temos normalmente mais mulheres em mestrados na área de Gestão de Recursos Humanos e mais homens em mestrados em Finanças. Pode haver aqui uma apetência natural, de acordo com a formação que cada um foi fazendo ao longo da vida ou até com as experiências dos exemplos que eles vão vendo, em que normalmente vemos mais homens a trabalhar em Finanças e mais mulheres a trabalhar em Recursos Humanos, mas não é uma fatalidade. E vamos divulgando tudo o que são competições e concursos e atividades que têm a ver com tecnologia e com estas áreas mais masculinizadas historicamente, para que as raparigas participem", refere.

"Isto é um caminho que ainda tem de ser feito, porque há uma discriminação que às vezes não é deliberada. É simplesmente porque as pessoas não se lembram das mulheres para determinadas funções ou áreas profissionais. Ou as próprias mulheres se coíbem de se candidatar a determinadas funções ou de aparecerem em determinadas atividades. E isto tem de passar a ser rotina, normal", remata.

A direção da Escola de Ciências Sociais e Humanas do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - Instituto Universitário de Lisboa, cargo que ocupa desde 2019, foi um "processo muito natural" para Maria de Fátima Ferreiro. É o culminar de outros cargos que já tinha ocupado na instituição e "um sentido de responsabilidade, mas também muito gosto, e também muita alegria, por perceber que posso contribuir de alguma forma com o meu trabalho". Em sua opinião, a progressão das mulheres na carreira académica é uma questão de mérito. Quanto à questão dos cargos de liderança, tem a ver com esse mérito, mas não só. "Tem a ver com a disponibilidade e com o gosto destas mulheres em assumirem esses cargos. Espero que não tenhamos de esperar muito tempo e que as mulheres vão assumindo estes cargos, sendo também um processo normal. É essa a minha esperança. Que o ISCTE seja um primeiro exemplo, em que existe essa participação feminina mais forte, mas que seja um caminho, uma evolução natural".

Um entrave para esta maior participação poderá ser, na sua perspetiva, o peso que a vida familiar ainda tem nas mulheres. "A pandemia é um ponto de observação muito interessante a esse nível. As mulheres continuam, de facto, a ser mais solicitadas ao nível dos cuidados, das tarefas domésticas, e provavelmente isso pesa na altura de escolherem uma carreira. Mas já estamos numa altura em que isso não deve acontecer."

Na Escola de Ciências Sociais e Humanas, 52% dos alunos são do sexo feminino e é nos cursos de Psicologia e Antropologia que a presença das raparigas se destaca. Em Economia, o rácio entre os dois sexos é mais equilibrado. Maria de Fátima Ferreiro reconhece que existe uma maior apetência das mulheres para as ciências sociais e áreas como o serviço social e do sexo masculino para as tecnologias. Mas não consegue encontrar explicação científica para que tal aconteça. Situação que pretende mudar. "Tenho a ideia de criar um curso em Estudos do Género, que fará diferença em Portugal. Há mestrados sobre mulheres, há doutoramentos, agora ao nível do segundo ciclo [mestrado] não há um curso, e aí o ISCTE poderá fazer a diferença. Irá permitir perceber porquê, por exemplo, haver mais raparigas nas ciências sociais em detrimento das tecnologias, e percebendo porquê é depois mais fácil desenhar instrumentos de política e melhorar aquilo que houver para melhorar", adianta Maria de Fátima Ferreiro, revelando que espera que o curso avance a médio prazo.

Foi um desafio do reitor da Universidade Nova e dos colegas que levou Mariana França Gouveia a candidatar-se à sucessão de Teresa Pizarro Beleza como diretora da Faculdade de Direito, em 2018. "Era preciso passar o testemunho para a minha geração e naquela altura acho que eu era a pessoa talvez com mais motivação e mais vontade de assumir esta mudança e também com algum consenso entre os colegas. Não foi assim algo muito difícil de decidir, de escolher e até de eleger", conta.

Sobre o facto de ainda não existirem tantas mulheres em cargos de liderança no ensino superior, a professora catedrática acredita que "vai haver cada vez mais oportunidades de igualdade de oportunidades para homens e mulheres. Eu sinto que a partir da minha geração, que está neste momento a chegar aos 50, nós sentimos isso já como algo que é perfeitamente possível e natural, o que eu acho que não acontecia até agora".

Casada e mãe de quatro filhos, Mariana França Gouveia diz ser "o exemplo de que é possível" conciliar a vida familiar e a profissional. "Agora, não deixam de ser cargos muitíssimo exigentes e para a pessoa lá estar tem de querer muito, porque há muito sacrifício aqui envolvido, muito trabalho, muita resiliência, muito esta coisa de andar a correr porque são muitas pessoas para um único lugar ou dois lugares."

O domínio feminino já se sente na Faculdade de Direito em número de alunos, com Mariana França Gouveia a notar que quando começou a dar aulas, há mais de 20 anos, "às vezes tínhamos raparigas muito inteligentes mas muito tímidas, ou não queriam afirmar-se, e isso está a mudar completamente. Neste momento há uma clara noção de que são iguais, que não há diferença nenhuma". Diferença ainda vai havendo na altura em que rapazes e raparigas escolhem a área de Direito que vão seguir. "Eu diria que ainda há um cariz social no lado feminino e depois o lado masculino, mais do lado dos negócios e da riqueza, da criação da riqueza. O problema disto é que o poder, a influência muitas vezes está do lado da criação da riqueza", diz a diretora da Faculdade de Direito da Nova.

Mas será que o caminho da igualdade na advocacia ou na academia ainda é longo? "Acho que está a mudar. Cada vez que uma mulher assume um papel de relevância público e notório, cria impacto em 100, 200, 300 ou 500, e se calhar não muda as 500, mas vai fazendo caminho. Acho que vamos no bom caminho e acho que, neste momento, é algo que passa sobretudo pelas mulheres e por quererem seguir esse trilho, as que querem. Se não quiserem ter uma vida exigente, ninguém é obrigada, o sucesso mede-se pela felicidade, não se mede por mais nada."

"A mulher tem, por natureza, mais capacidade de cair e levantar-se logo a seguir, e isto faz com que depois os resultados apareçam, e quando conseguimos chegar é para fazer, e não aceitamos um não como resposta." As palavras são de Maria de Lurdes Cristiano e podem definir os seus primeiros anos à frente da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade do Algarve. A atual FCT é a fusão de três antigas faculdades e Maria de Lurdes é a sua primeira diretora, cargo que ocupa desde 2015. "Ser mulher ajudou nalguns aspetos, noutros não. Internamente as pessoas conheciam-me. Mas era um pouco estranho em reuniões de diretores, em que era a única mulher, e às tantas tínhamos os diretores a falarem só uns com os outros... Há situações dessas, mas garanto-lhe que não foi por ser mulher que deixei de defender os interesses da faculdade. Tive de ser muito mais incisiva, mas não correu mal."

Em sua opinião, as questões da família e da maternidade contribuem para que ainda não existam tantas mulheres em cargos de liderança. Mãe de três filhos, conta: "Tomei as rédeas quando os meus filhos já estavam todos fora. Um trabalho destes implica dedicação e disponibilidade, difícil quando se tem crianças pequenas."

Química de formação, diz que a maternidade também afeta a carreira das mulheres enquanto investigadoras. "Posso dizer-lhe que consigo, a nível da minha produção científica, do meu currículo, identificar perfeitamente as alturas em que estive mais envolvida como mãe, com o nascimento dos filhos, etc. Agora não se pode é desistir. O que acontece é que na academia, especialmente ao nível da investigação, não dá para parar cinco anos e voltar. Ou se está constantemente ativo ou se perde o comboio."

Numa faculdade de ciências e tecnologia o rácio de alunos pende ligeiramente a favor das raparigas, mas existem dois cursos em que existe marcadamente uma diferença de géneros. "Na Engenharia Informática são quase só rapazes, nas Ciências Farmacêuticas são quase só raparigas", diz. Em Bioquímica também existe uma maioria de raparigas, enquanto em Matemática Aplicada à Economia e Gestão há um equilíbrio, com ligeira vantagem para os rapazes.

O resultado da edição deste ano do prémio Aluno de Excelência da FCT mostra um mundo em mudança. "Ganharam três raparigas. Uma é de Engenharia Informática. Temos mais rapazes, mas elas são boas", declara, com orgulho.

ana.meireles@vdigital.pt