Sociedade
04 junho 2023 às 22h01

Energias renováveis são a melhor face de Portugal. Lixo é a pior

No Dia Mundial do Ambiente, a Pordata lança um olhar sobre o desempenho do país. As renováveis representam já mais de 30% do cabaz energético, mas a política de resíduos deixa muito a desejar.

Rui Frias

Um país com duas faces, a oscilar entre o verde e o negro, é o que mostra o relatório da Pordata - portal estatístico da Fundação Francisco Manuel dos Santos - sobre a situação ambiental de Portugal. Os dados a que o DN teve acesso, e que são divulgados neste Dia Mundial do Ambiente, demonstram a posição e a evolução do país na construção de uma sociedade mais sustentável. Na face boa do Portugal climático, temos a redução dos gases de efeito estufa em 35% desde 2005 ou quase um terço do cabaz energético a provir já das energias renováveis (31,6%). Mas há também uma face má que mostra um país cada vez mais atolado em resíduos urbanos (1,4 kg diários por cada português) e sem lhes dar o melhor tratamento: só 13% do lixo é reciclado, muito abaixo da média da União Europeia (30%).

O levantamento feito pela Pordata reforça um cenário que tinha sido destapado já pelo mais recente relatório da OCDE sobre o desempenho ambiental de Portugal, em março passado, no qual o país recebeu nota positiva sobre a evolução na última década, mas também alguns alertas. "O consumo de materiais, a produção de resíduos municipais e as captações de água doce estão a crescer ao mesmo ritmo, ou mais rapidamente, do que o PIB", avisava então a OCDE.

Agora, o relatório da Pordata detalha alguns desses parâmetros e acrescenta outros para análise. É possível perceber, por exemplo, que os setores da Energia e dos Transportes têm sido responsáveis por cerca de metade das emissões de gases de efeito estufa (GEE); que apesar da aposta crescente nas renováveis o país demonstra ainda um grande contributo da energia fóssil no seu cabaz energético; que em 2022 se registaram as temperaturas médias mais elevadas dos últimos 50 anos em Bragança, Castelo Branco, Lisboa e Beja; ou que, desde 1995, a produção de resíduos per capita tem vindo a aumentar, num total de 46%, face a apenas 12% na União Europeia.

No capítulo I, dedicado à Energia e ao Clima, realça-se que Portugal tem estado, desde 1990, no grupo dos nove países que se mantiveram sempre abaixo do global da União Europeia no que respeita às emissões de GEE per capita. "Face a 2005, registou-se um decréscimo dessas emissões tanto em Portugal como na União Europeia: Portugal reduziu 35% e a UE27 reduziu 24%", lê-se no relatório.

Quanto ao cabaz energético do país, apesar de em 2021 Portugal ainda demonstrar um grande recurso à energia fóssil (40,6% advinha do petróleo e 23,6% do gás natural), as energias renováveis representavam já quase um terço (31,6%), num crescimento de 17 pontos percentuais face ao ano 2000. De resto, o contributo das renováveis em 2021 significava 64,9% do total da produção de energia elétrica - e desde 2018 que esse rácio é de pelo menos metade.

No capítulo II, Economia e Ambiente, os dados não são tão abonatórios. Em relação ao Consumo Interno de Materiais (CIM), "que apresenta a quantidade de recursos naturais consumidos por uma economia, bem como a produtividade desses materiais em termos de PIB", Portugal terá consumido cerca de 174 milhões de toneladas, num rácio por habitante de 16,9 toneladas, "acima da média europeia (14,1 toneladas) e 86% superior ao consumo de materiais na vizinha Espanha (9,1 toneladas)". No balanço entre crescimento económico e consumo de materiais, Portugal atingiu, em 2013, uma melhoria de 23% na produtividade dos recursos, face a 1995, mas desde então tem estagnado.

A situação melhora, de novo, no capítulo III, dedicado à Água. "Praticamente toda a água disponível atualmente na torneira do consumidor é segura (99%), uma evolução progressiva desde meados da década de 1990, quando apenas metade da água canalizada era de boa qualidade", destaca a Pordata. A qualidade das águas também se verifica nas praias costeiras: em 2021, 92% apresentavam qualidade de água excelente, o que fica acima da média da UE, de 88%.

Em relação ao Solo e Biodiversidade, retratados no capítulo IV, no ano de 2021 Portugal tinha 21 mil km2 de área terrestre protegida, extensão correspondente a 22,4% do território português, "colocando o país na 16.ª posição face aos seus congéneres europeus e abaixo da média da UE27 (26%)". Quanto à área marinha protegida, mais do que quintuplicou entre 2012 e 2021, de 14.196 para 76.975 km2 - a terceira maior área marinha protegida da União Europeia, a seguir a França e Espanha. Esta área corresponde, no entanto, a apenas 4,5% da Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal.

O cenário mais agravado surge então no capítulo V, dedicado aos resíduos. Em Portugal, cada pessoa produziu, em média, 1,4 kg de lixo por dia em 2021 (ao nível da média da UE27), num aumento de 46% face a 1995, enquanto na UE o acréscimo foi de apenas 12%. Metade dos resíduos urbanos foram ainda depositados em aterros, mais do dobro da média europeia (23%), colocando Portugal entre os países com maior proporção de resíduos urbanos depositados em aterros. Na UE27, o principal destino dos resíduos urbanos é já a reciclagem (30%), valor que em Portugal atinge apenas 13%.

rui.frias@dn.pt