Como se compatibiliza rentabilidade e atração de investimento com uma política pública para população de baixos recursos?
ADC - Gostava de dar uma nota de algum otimismo, porque nos últimos anos avançámos. Falta apenas aquele clique, e a minha esperança é de que a pandemia tenha assustado a generalidade dos governos e dos países, e bem, porque demos conta de que a saúde, afinal, tinha precedência sobre a economia. E isso modificou na própria União Europeia a perceção de que a saúde era algo que até nem tinha dignidade para estar na conjugação de interesse comum dos tratados, que devia ser gerida a nível de cada Estado-membro, e, além de se terem criado estruturas como a Agência de Resposta Rápida, foi criada recentemente a Emergência de Saúde Pública em sede da Comissão Europeia. Mas começou a haver uma maior atenção à investigação, quer privada, quer pública, ao investimento, também à autossuficiência da Europa, porque nos demos conta de que não somos apenas dependentes de terceiros do gás - como vemos agora, infelizmente, a propósito da guerra na Ucrânia -, mas também do ponto de vista de alguns produtos e serviços. Isso transformou muito a mentalidade dos países, incluindo em Portugal, em que basta comparar o meu tempo no governo com o atual - são quase quatro mil milhões de euros de diferença. E isto provavelmente ainda não será suficiente, pois é óbvio que este dinheiro tem de ser gerido com efetividade, mas é um sinal de que toda a Europa e todos os países perceberam que o investimento em saúde acrescenta valor, mesmo tendo sempre o aspeto da despesa. Por outro lado, Portugal este ano provavelmente fechará com crescimento do produto interno bruto, que o aproxima de um recorde histórico absoluto desde a sua fundação e desde que há registos para o PIB. Significa que hoje as projeções da Comissão Europeia apontam para 5,8%, mas algumas vozes mais otimistas dizem que talvez possa ser 7% ou até 8%. Portugal está a crescer com mérito da sua economia, dos seus agentes económicos e da sua condição geográfica. O que gostaria muito é que a saúde entrasse neste caminho, neste balanço, porque Portugal beneficia da circunstância de ser um dos países mais seguros do mundo, de ter uma reputação de qualidade de vida. O que não ganharíamos, e a isto chamo a intangibilidade do valor da saúde, se Portugal passasse a ser percecionado como um dos países que tem um dos melhores sistemas de saúde no seu conjunto entre a componente pública estruturante e a componente privada? Também um país que é muito atrativo para a investigação de primeira categoria, aquela que traz verdadeiramente valor e que depois pode gerar exportação e competitividade no mercado. E também retomarmos o esforço iniciado há alguns anos de fazer de Portugal uma primeira opção para centros de investigação, nomeadamente relacionados com novos medicamentos e novos produtos farmacêuticos. Mas falta aquele clique porque o sistema de saúde em Portugal é muito fragmentado, porque tem a dimensão pública, a dimensão social e a dimensão privada, que cresce vertiginosamente. Temos dos melhores médicos, enfermeiros e outros técnicos, que formamos muito bem, o nosso ensino é muito bom, assim como a nossa prática formativa e experiencial. Portanto, falta o clique de pensar o Health Cluster, que foi pôr o conjunto das exportações da área da saúde a ultrapassar o vinho do Porto, e hoje estamos a falar de um valor muito significativo, 1,8 mil milhões, e isto é trazer para a discussão estratégica da economia e do desenvolvimento estratégico do país não apenas o mar, mas uma nova ambição: fazer de Portugal um país que é seguro, mas que é uma referência em termos europeus. Portanto, com um pouco mais de organização, mais recursos e com um sinal estratégico quer do governo quer do Parlamento, no sentido de dizer que a saúde vai ser um caminho e um trilho para o desenvolvimento, podemos atrair ciência. A ciência é hoje o ingrediente mais poderoso para a transformação dos países. Apesar de tudo, estou bastante otimista e à espera desse clique para ver se um dia a saúde entrará também no barco do desenvolvimento.