Sociedade
07 agosto 2022 às 05h00

Desafios perigosos nas redes sociais não são novidade, mas podem matar

Especialistas falam da importância de regular os conteúdos das redes sociais. Foi um desafio lançado no Tik Tok que levou à morte cerebral de Archie.

Mais do que diabolizar a utilização de redes sociais, importa sobretudo regular os conteúdos que nelas circulam, defendem especialistas como o investigador Álvaro Reis Figueira, professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e membro do INESC-TEC, o perito em identificação automática de desinformação nas redes sociais garante que "a deteção deste tipo de desafios é muitíssimo mais simples do que a deteção de desinformação e totalmente viável com a tecnologia atual". Da mesma forma que é possível bloquear conteúdo racista ou sexual, também desafios como o "Blackout Challenge" podem ser rapidamente censurados por plataformas digitais como o TikTok. Terá sido este o desafio levado a cabo pelo jovem Archie Battersbee, de 12 anos, que culminou na sua morte. Mas não é caso único.

Nos EUA, duas meninas de sete e oito anos foram também vítimas mortais deste desafio que consiste na privação de oxigénio até à perda da consciência por asfixia, tendo levado a um processo judicial interposto pelos pais. Outras polémicas registaram-se ainda antes do surgimento desta plataforma, como o desafio da "Baleia Azul", que incentivava crianças e jovens a mutilarem-se e até a cometerem suicídio através do Facebook ou do WhatsApp; mas também o "Benadryl Challenge", que desafiava adolescentes a consumir elevadas quantidades de anti-histamínicos para provocar alucinações.

"As pessoas interessam-se por estes desafios porque obtêm visibilidade, seguidores ou uma combinação dos dois", aponta o investigador. A psicóloga Caroline Martins sublinha que as crianças e jovens atravessam uma fase de desenvolvimento do seu "eu social" e que, nesse sentido, "é natural existirem necessidades sociais de pertença, aceitação e integração face aos pares e grupos" que podem levar à adesão a este tipo de desafios. Defende que pais e cuidadores estejam atentos a "alterações significativas no dia-a-dia das crianças e dos jovens", como mudanças de humor, apetite, dos padrões de sono ou tendências de isolamento. A investigadora e professora catedrática na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, que acompanha de perto os fenómenos das redes sociais, diz ao DN que "mais do que interditar [a utilização destas plataformas], importa conversar". Cristina Ponte vê ainda na "intervenção de crianças mais velhas junto das mais novas" um método eficaz para "tratar destes e outros assuntos sobre o estar online".

De acordo com a especialista, estima-se que um terço dos utilizadores da internet e das suas plataformas tenha menos de 18 anos. No TikTok, a idade mínima para o registo está fixada nos 13 anos, embora essa seja "uma barreira facilmente contornável" com datas de nascimento falsas, explica Álvaro Reis Figueira. "Essa interdição funciona mais como proteção da própria plataforma contra possíveis ações legais do que propriamente para proteger os seus utilizadores", critica. Apesar de recusarem responsabilidade nestes casos, é através destas aplicações que são divulgados e alcançados por milhões de jovens - hoje, o TikTok tem mais de mil milhões de utilizadores em todo o mundo. "Estas plataformas não podem continuar a evocar a sua neutralidade" nos conteúdos que nelas circulam, afirma Cristina Ponte, que pede "uma regulamentação internacional do espaço digital". O investigador do INESC-TEC garante que o controlo destes conteúdos é possível e desejável, ainda que nem sempre aconteça. "Se não controlam é porque não querem. Temos de fazer mais. Seja em legislação, seja em auditoria às auditorias", conclui.