Sociedade
29 março 2023 às 21h31

Comunidade Ismaelita. Marcelo e PJ esvaziam ideia de atentado

Um crime de "delito comum" resultante de um "surto psicótico" provavelmente causado por um problema de guarda dos filhos. E nem "único sinal" de radicalização religiosa no homem que matou duas mulheres no Centro Ismaili.

João Pedro Henriques

Luís Montenegro e André Ventura ficaram esta quarta-feira sem argumentos para continuar a agitar o papão do terrorismo islâmico no caso do homicídio de duas mulheres por um refugiado afegão ocorrido terça-feira de manhã no Centro Ismaili de Lisboa, sede mundial da religião ismaelita, um ramo do Islão.

Também para evitar dar gás ao assunto, o PS (e o BE) chumbaram no Parlamento um requerimento do Chega - secundado pelo PSD e pela IL - para que o ministro da Administração Interna (MAI) fosse falar sobre o assunto. Os socialistas também não querem abrir o precedente de ter o MAI no Parlamento sempre que alguém é assassinado em Portugal.

O primeiro a falar foi o diretor nacional da PJ. Luís Neves disse não haver "um único sinal" de que no ato homicida de Abdul Bashir, de 29 anos, se esteja perante "a radicalização religiosa de uma pessoa". Depois das averiguações que a PJ fez nas 24 horas seguintes ao crime, o que se concluiu é que terá ocorrido um "surto psicótico do agressor" - a "somatização de um descontentamento" em "relação a esta ou aquelas pessoas".

Por outras palavras: está-se "perante um crime de natureza comum" e a conclusão de que não houve ato terrorista "muda tudo" em termos do que poderia ser o grau de ameaça e a cooperação policial exigidas para fazer face à situação. Adbul, a viver em Portugal desde finais de 2021, tinha "um modo de vivência ocidentalizado", distante de qualquer ato de radicalização, disse ainda o diretor da PJ.

À tarde, o Presidente da República foi um pouco mais longe. Marcelo Rebelo de Sousa disse que o crime pode estar ligado a um problema de exercício do poder parental (Abdul vivia em Odivelas com três filhos. Chegou a Lisboa depois de ter perdido a mulher e uma filha num campo de refugiados na Grécia).

Citaçãocitacao"Se houve reação pessoal - vamos ver se é essa a explicação -, pessoal, familiar, é precisamente porque houve da parte da comunidade [ismaelita] a preocupação com aquela família, com o enquadramento familiar e o comportamento no quadro da família. Mas isso, sabem, acontece com muitas famílias em que as reações perante a intervenção de instituições quanto ao exercício do poder parental suscitam reações."

Segundo o chefe de Estado, "aquilo que foi apurado até agora parece confirmar" que se trata de "um caso individual, que era um caso psicológico, pessoal e familiar que ocorre em muitas circunstâncias com muitas pessoas". Marcelo mencionou que no meio jurídico "especialistas em direito da família falavam dessas situações, que são sempre muito complicadas, do exercício do poder parental e com tudo o que tem por trás e as consequências que tem no comportamento das pessoas".

Interrogado se este caso deve constituir um alerta para um melhor acompanhamento dos refugiados em Portugal, o Presidente respondeu: "Aqui não podia ser mais atento esse acompanhamento. Mesmo precisamente se houve problemas foi por ser muito atento". "Se houve reação pessoal - vamos ver se é essa a explicação -, pessoal, familiar, é precisamente porque houve da parte da comunidade [ismaelita] a preocupação com aquela família, com o enquadramento familiar e o comportamento no quadro da família. Mas isso, sabem, acontece com muitas famílias em que as reações perante a intervenção de instituições quanto ao exercício do poder parental suscitam reações."

Do que se sabe, Abdul estava numa aula de português no Centro Ismaili, terça-feira de manhã, quando recebeu um telefonema que o terá deixado exaltado. Munido de uma faca de grandes dimensões, matou duas assistentes sociais, Farana Sadrudin, de 49 anos, e Mariana Jadaugy, de 24. Esta estaria a tratar-lhe do processo de naturalização.

joao.p.henriques@dn.pt