Sociedade
12 maio 2021 às 21h58

Centenas de peregrinos ficam à porta do Santuário

D. José Tolentino de Mendonça quis sentir por dentro o caminho até Fátima. O cardeal que preside às celebrações deste 13 de maio chegou a pé ao Santuário, desde Porto de Mós. No recinto, cabiam apenas 7.500 pessoas. A lotação esgotou ao princípio da noite, deixando centenas de peregrinos nas imediações.

Ao princípio da noite de ontem havia centenas de peregrinos nas imediações do Santuário de Fátima, que não conseguiram entrar no recinto. A lotação estipulada pelas autoridades de Saúde era de 7.500 pessoas, o que deixou de fora muitos dos que se deslocaram à Cova da Iria. Nos cafés e nas entradas dos hotéis havia também muitos peregrinos, que assistiam pela televisão às celebrações e à procissão das velas.

Lá dentro, no recinto, as preces do Cardeal José Tolentino Mendonça ouviram-se com grande profundidade. "Queremos hoje pedir que ilumines a dor de todos, sem fronteiras nem distinções, de crentes e não crente, como se fosse uma só. Para que a crise que vivemos não se torne numa crise de esperança", rogou, perante um recinto muito mais vazio do que era suposto, mas cumprindo distanciamento e todas as regras de segurança sanitárias. No momento em que celebrava a primeira homilia desta peregrinação internacional aniversária (a que preside), o arquivista e bibliotecário do Vaticano aludiu ao último ano, desde aquele 13 de maio de 2020 em que as celebrações não contaram com a participação dos peregrinos. "Precisamos da esperança para olhar mais para diante, para ganhar confiança e repartir; para transformar os obstáculos em caminhos e os caminhos em novas oportunidades; para nos unirmos mais, para construirmos sociedades eticamente qualificadas, que concretizem a justiça social e a fraternidade entre todos os homens".

"Em Fátima temos levado a sério esta responsabilidade solidária de uns para os outros. São as mesmas autoridades...mas aqui não é preciso ter o corpo de polícia e da GNR". O cardeal António Marto, bispo de Leiria-Fátima, remete para as mesmas autoridades nacionais a responsabilidade sobre o descontrole nos festejos do Sporting, terça-feira à noite, quando confrontado pelos jornalistas sobre a sensação de dualidade de critérios que impõe ao Santuário de Fátima um limite de 7.500 pessoas no recinto. Antes da pandemia, eram centenas de milhares os que ali cabiam em dias de peregrinação aniversária. Desta vez não houve apelo objetivo para que os peregrinos ficassem em casa, e por isso serão seguramente mais do que esses aqueles que estão em Fátima, por estes dias, na esperança de conseguir um dos círculos desenhados no chão, para poder assistir às celebrações.

Tal como o DN tem vindo a acompanhar nos últimos dias, os peregrinos fizeram-se à estrada, embora em grupos pequenos, e sabendo do constrangimento da falta de postos de apoio ao longo do caminho. Na verdade é o próprio Santuário que acaba por dissuadir essa intenção, e por isso não articula com outras entidades a instalação dos postos. O reitor, Carlos Cabecinhas, sublinha mesmo que "nem no Santuário estamos a fazer o tradicional acolhimento".

E foi na conferência de imprensa que antecedeu as celebrações da noite que D. José Tolentino Mendonça revelou que, também ele, fez uma parte do caminho a pé. "Quis vir como peregrino. Com algumas famílias amigas de Porto de Mós, vim a pé. Quis sentir aquilo que sentem os peregrinos", revelou o cardeal, que preside a esta peregrinação aniversária.

Ao início da noite, já metade das oito entradas do Santuário tinham fechado, por atingir a lotação máxima. Por volta das 20h30, o Santuário deu como esgotada a lotação prevista. José Baptista, um dos peregrinos que o DN acompanhou durante o dia de ontem, foi dos últimos a entrar pela porta 2. Ele e o grupo de amigos vindos do Porto. Pouco antes entrava pela porta 3 um grupo de 11 seminaristas, acompanhado de dois padres. Demoraram sete dias a fazer o percurso entre o Seminário de São José de Caparide, no Estoril, até à Cova da Iria. O padre Filipe Santos contava ao DN da importância que tem Nossa Senhora no percurso dos jovens seminaristas, todos no ano propedêutico. E do significando de uma peregrinação, como a fazem, dormindo nas paróquias, pelo caminho. A observar o grupo - que dá nas vistas, ajoelhado frente à imagem de Nossa Senhora - está Jorge Oliveira, 58 anos, natural e Valbom, Gondomar. Segura na mão quatro velas maiores que ele, e outras mais pequenas. "É uma por cada um de nós, lá de casa, outra pelo meu neto, e ainda estas pequeninas pelos amigos que não puderam vir". Habitualmente era ele que organizava o grupo de 40 pessoas e a peregrinação, mas a pandemia voltou a deixá-los no norte. Só ele acabou por vir, sozinho.

À medida que a lotação do Santuário se ia completando, mais de 500 pessoas da Obra do bem fazer, de Paredes, acompanhavam à distância as cerimónias onde queriam estar. Luís Almeida, tesoureiro da associação, falou ao DN na véspera para lamentar "mais um ano sem a peregrinação". Chegou a ter 200 pessoas inscritas, no início do ano. Gente que se foi juntando, a partir de Famalicão, Póvoa do Varzim, entre outros concelhos. "Muita gente nos perguntou, mas não podíamos arriscar. E enquanto houver pandemia também não podemos dormir em pavilhões, como dantes, por isso cancelámos", revela.

Já Maria José Ferreira decidiu num ímpeto rumar a Fátima, com o marido. Não há como não reparar na pequena mulher no meio do recinto, vestido a rigor com as cores do Sporting. "Tinha prometido que se fossemos campeões vinha aqui agradecer à Senhora de Fátima. Não podia deixar de vir". Ela e o marido (benfiquista), partiram de Águeda manhã cedo, de carro. Ficam para hoje, para assistir à totalidade das celebrações". Porque há 19 anos que Maria José esperava por este momento: de boné e cachecol, agradecer à Senhora de Fátima este quase-milagre.