Sociedade
13 maio 2021 às 10h16

Cardeal Tolentino fala aos jovens: "Em vez de medo, tenham sonhos"

Num discurso tão emotivo quanto esperançoso, D. José Tolentino foi a Fátima deixar palavras de esperança aos jovens, que em 2023 são o alvo da Igreja Católica em Portugal, com as jornadas mundiais. O Santuário já prepara esse momento e a vinda do Papa Francisco.

Paula Sofia Luz

O Santuário de Fátima voltou a esgotar na manhã desta quinta-feira (13 de maio) a lotação de 7500 pessoas, deixando do lado de fora do recinto centenas de peregrinos. Ao contrário de há um ano - em que a pandemia obrigou a celebrações sem público - desta vez os peregrinos esgotaram o (ainda diminuto) limite. Vieram de toda a parte do país, e apenas um dos 22 grupos inscritos era estrangeiro - da Áustria. Apesar disso, do altar do mundo foram saudados todos os peregrinos, com direito até a uma mensagem do Papa Francisco, num momento bastante emotivo. "Este é o momento de pedir à mãe pelo mundo inteiro", disse o Santo Padre, rogando para que consiga debelar a pandemia, em nome "dos que perderam o seu trabalho e os seus ente-queridos". E foi sempre o vírus que, afinal, deu o mote às intervenções dos diversos responsáveis da Igreja Católica neste 13 de maio, em que se comemoram 104 anos das aparições de Fátima, mas também se assinalam outras efemérides: 40 anos do atentado ao papa João Paulo II, em Roma, e 75 anos da coroação da imagem de Nossa Senhora, ao tempo do papa Pio XII.

Na homilia desta manhã, o cardeal José Tolentino Mendonça voltou a encher de esperança a peregrinação internacional aniversária a que presidia, como de resto já fizera ontem à noite.

"Numa hora de encruzilhada da história como esta que vivemos não podemos fazer coincidir o relançamento da esperança unicamente com o cuidado pela expressão material da vida. Sem dúvida que é urgente garantir o pão e esse trabalho exigente - fundamentalmente de reconstrução económica - deve unir e mobilizar as nossas sociedades", disse D. José Tolentino. Mas o arquivista e bibliotecário do Vaticano foi mais além, nas suas palavras, ao considerar que "as nossas sociedades precisam também de um relançamento espiritual. Sem o pão não vivemos, mas não vivemos só de pão. Os maiores momentos de crise foram superados infundindo uma alma nova, propondo caminhos de transformação interior e de reconstrução espiritual da nossa vida comum". Para o cardeal, não há dúvidas de que "é essa a mensagem de Fátima, naquele longínquo 1917, com o mundo mergulhado na primeira guerra química da história e uma das que maior mortandade infligiu". "O que é que a Virgem pediu à humanidade, através dos pastorinhos? Oração, penitência e conversão, isto é, meios concretos de reconstrução interior", recordou.

À sua maneira, Tolentino Mendonça fez uma homilia que tocou em vários pontos da contemporaneidade, no plano filosófico, poético, e espiritual, nos eu todo: "É curioso que no mesmo ano das aparições, um grande filósofo europeu, Max Scheller, pensava na necessidade de reconstrução civilizacional da Europa e propunha ferramentas muito semelhantes àquelas de Fátima. Dizia ele que a reconstrução cultural da Europa só seria possível se as diversas nações assumissem face à tragédia da guerra a necessidade de "uma penitência comum, um arrependimento comum, um sacrifício comum", que favorecesse depois uma renovada capacidade de entreajuda solidária e recíproca", disse.

E depois fixou-se em 1943, através das palavras de Simone Weil, que então perspetivou a necessidade de um projeto espiritual que permitisse a Europa renascer da devastação da Segunda Guerra mundial. Foi quando redigiu o "Prelúdio para uma Declaração dos Deveres para com o Ser Humano", insistindo em que "as necessidades humanas são físicas (necessidade de pão, de proteção social, de habitação, de cuidados de saúde...), mas são também morais e espirituais", escrevendo que "constitui um atropelo à vida humana privá-la do "alimento necessário à vida da alma"".

Numa espécie de viagem no tempo, D. José Tolentino Mendonça recordou depois o momento em que "há 39 anos atrás, o Papa São João Paulo II presidia a esta eucaristia "para agradecer à Divina Providência, neste lugar, que a Mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão particular", ter sido poupada a sua vida ao atentado na Praça de São Pedro em Roma. E o apelo de João Paulo II é que se reconhecesse em Fátima a preparação de um tempo espiritual novo´".

Mas a experiência da pandemia - sempre presente - " e a crise poliédrica e global que ela instaurou representam igualmente para a contemporaneidade um imenso desafio a renascer", disse o cardeal, sublinhando que "a consciência das cinzas deve responsabilizar-nos ainda mais na procura do fogo. Pois não basta voltarmos exatamente ao que éramos antes: é preciso que nos tornemos melhores. É preciso um suplemento de alma. É preciso que desconfinemos o nosso coração", disse.

Ao longo de toda a homilia, o cardeal prendeu a atenção dos peregrinos que o escutavam por todo o recinto, alheios à chuva miudinha que caiu nos minutos iniciais da missa deste 13 de maio, com destaque para a leitura do Livro do Génesis. Exortou os fiéis a este "momento de revisão crítica do caminho que realizámos até aqui, de fazer uma espécie de balanço interior que avalie os nossos estilos de vida, os modelos de desenvolvimento e a natureza das opções que nos têm conduzido. Como referiu o Papa Francisco, no inesquecível momento extraordinário de oração na Praça de São Pedro vazia, «a tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade". Por isso, o cardeal considera que "estamos a tempo de transformar a crise em oportunidade e a calamidade em esperança".

Porque D. José Tolentino Mendonça não tem dúvidas: "a reconstrução pós-pandemia depende do modo como encararmos a fraternidade. É isso que afirma o Papa Francisco na Encíclica Fratelli Tutti que se propõe como bússola à Igreja e ao mundo para relançarmos a nossa viagem comum".

O cardeal guardou para o final o momento que diz muito sobre o caminho que a Igreja e o Santuário de Fátima já estão a preparar: as Jornadas Mundiais da Juventude em 2023, em Portugal, que incluem a vindo Papa Francisco a Fátima. De resto, já ontem o bispo de Leiria-Fátima, cardeal António Marto, revelara, em conferência de imprensa, o momento em que, há dias, a 29 de abril, em Roma, o papa lhe transmitiu que viria ao Santuário, aproveitando a vinda às Jornadas de 2023. "Disse-me que não faria sentido ir a Portugal e não ir a Fátima", transmitindo-lhe mesmo que "Fátima é a alma de Portugal".

E por isso, foram também os jovens um dos alvos de D. José Tolentino Mendonça, num mundo "fatigado por esta travessia pandémica que ainda dura, e que pede a cada um de nós vigilância e responsabilidade". E que "não tem apenas fome e sede de normalidade: precisa de novas visões, de outras gramáticas, precisa que arrisquemos ter sonhos. Em especial aos jovens, e aos jovens portugueses que se preparam para acolher em 2023 as Jornadas Mundiais da Juventude, eu quero dizer a partir de Fátima: em vez de ter medo, tenham sonhos. Descubram que Deus é aliado dos vossos sonhos mais belos. Ousem sonhar um mundo melhor. Sintam que o futuro depende da qualidade e da consistência dos vossos sonhos".

No recinto, havia alguns que o escutavam, entre os 7.500 peregrinos. Depois, D. José Tolentino dirigiu-se a todos, colocando-se no papel de um deles. Afinal, também ele fizera o caminho a pé, a partir de Porto de Mós, como revelou na véspera.

"A Fátima, nós peregrinos, chegamos sempre de mãos vazias. Mas de Fátima levamos, acordado dentro de nós, um sonho. Fátima ensina, assim, como se ilumina um mundo que está às escuras. Seja o pequeno mundo do nosso coração, seja o coração do vasto mundo", concluiu.