Sociedade
20 janeiro 2022 às 00h16

Abertura das escolas faz disparar casos. 500 mil em apenas duas semanas

A Ómicron mudou a realidade portuguesa em apenas uma semana. E, agora, diz o professor Carlos Antunes, que faz a modelação da evolução da doença, vai ser necessário "reformular as projeções que foram feitas com base na onda gerada pela Delta ainda em dezembro". Na faixa etária dos 0 aos 5 anos, casos aumentaram 236%.

Ana Mafalda Inácio e Pedro Sequeira
Ana Mafalda Inácio e Pedro Sequeira

Portugal ultrapassou ontem a barreira dos dois milhões de infetados pelo SARS-CoV-2. Ao todo, há agora 2 003 169 de pessoas atingidas pelo vírus, desde o dia em que se registaram os primeiros casos no país, 2 de março de 2020, e que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia.

Ao fim de quase dois anos, e quando muitos já falam de se começar a olhar de outra forma e com outras regras para a covid-19 (encarando-a como uma doença infeciosa normal, a exemplo da gripe), a nova variante Ómicron, identificada na África do Sul a 21 de novembro, faz disparar os casos nas primeiras duas semanas de janeiro. Em 13 dias, o país registou 500 mil casos, quando precisou de um ano e cinco meses até atingir um milhão de infetados (o que aconteceu a 14 de agosto de 2021), de cinco meses para chegar aos 1,5 milhões, no dia 6 de janeiro de 2022, e só deste dia até ontem para alcançar os dois milhões. Tudo por culpa da Ómicron, a variante que tem três linhagens - a BA.1, BA.2 e a BA.3 - e que já foi considerada o vírus mais contagiante de toda a História.

Até agora, os estudos realizados e a própria realidade já demonstraram que o seu grau de contagiosidade é muito superior ao da Delta, mas que é menos severa na sintomatologia. No entanto, na terça-feira, o alerta em relação a esta narrativa surge do próprio diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, ao pedir ao mundo "que não se deixe enganar pela narrativa de que a Ómicron é uma variante mais leve", porque, mesmo assim, "continua a tirar vidas". "Que todos se continuem a proteger da infeção, porque a pandemia ainda está longe do fim", apelou.

Os números revelam isso mesmo. Em dois meses, esta variante conseguiu tornar-se dominante no mundo. Em Portugal, em menos tempo do que isso, à conta da linhagem BA.1. Atualmente, e de acordo com o mais recente relatório sobre o estudo das linhagens no país elaborado pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, a variante BA.2 começa também a aparecer em alguns casos. Na Dinamarca, o número de infeções provocados por esta variante está a superar os da BA.1, e quando isso acontece, explicou o microbiologista do INSA, João Paulo Gomes, quer dizer que a BA.2 é ainda mais contagiante que a BA.1. Mas, por enquanto, tudo o que temos estado a viver e a observar, nomeadamente um número de casos nunca antes registados, como os 52 549 de ontem, as incidências de milhares de casos por 100 mil habitantes, como a desta semana (4490,9 por 100 mil habitantes a nível nacional e 4437,4 por 100 mil no continente), tem a ver com o impacto da BA.1.

O certo é que, e como explicou ao DN o professor Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que integra a equipa que faz a modelação da evolução da doença desde o início da pandemia, "a Ómicron está registar números surpreendentes e não imaginávamos que pudesse atingir esta dimensão", argumentando mesmo que o país pode estar a passar de uma onda epidémica, gerada pela variante Delta em dezembro, para outra provocada pela Ómicron, sem ter acontecido o pico da Delta. "A situação está confusa, podemos não atingir agora um pico, porque há uma nova onda a sobrepor-se à que já existia, com casos da Delta", referiu. Aliás, o aumento abrupto de novos casos provocado pela Ómicron em apenas uma semana de aulas, já que as escolas abriram no dia 10 de janeiro, "vai fazer com que tenhamos de reformular as projeções que tinham sido feitas tendo por base a onda gerada pela variante Delta e as duas semanas de contenção".

De acordo com o professor, e olhando para os números que o país tem vindo a registar desde 10 de janeiro, data em que deixou de ser obrigatório o isolamento de uma turma inteira quando detetado um caso (agora só o infetado fica em casa), há um "crescimento abrupto de casos nalgumas faixas etárias e uma estabilização de casos noutras".

"Há faixas etárias que triplicaram o número de casos. O maior aumento ocorreu nas faixas dos 0 aos 5 anos, onde é mais fácil o contágio, porque o uso de máscara não é obrigatório e o contacto é mais próximo. Depois foi na dos 6 aos 11 anos e a seguir na faixa dos 30 aos 49 anos". Isto quer dizer que "a transmissão está a ocorrer nas faixas mais jovens e depois a passar para casa, para a faixa etária dos pais ou educadores", esclareceu.

Carlos Antunes confessou ao DN que o impacto da abertura das escolas no aumento abrupto de casos por covid-19 surpreendeu a sua equipa, reforçando: "Não esperávamos um aumento tão significativo. As projeções que tínhamos feito até agora tinham por base a dinâmica das duas semanas de contenção, escolas abertas, mas bares e discotecas fechados e teletrabalho obrigatório, que era muito diferente do que se está a viver agora". "Nas próximas semanas também se vai sentir o impacto da diversão nocturna e do regresso ao trabalho", acrescentou.

Por agora, e apenas em sete dias, e após análise dos números divulgados diariamente no boletim da Direção-Geral da Saúde, o professor diz que só na faixa dos 0 aos 9 anos houve um aumento de 241% em termos de novos casos, especificando: "Se olharmos os números, observamos que, do dia 10 até ao dia 17, na faixa dos 0 aos 5 anos, o aumento de casos foi da ordem dos 236%, na faixa dos 6 aos 11 anos foi de 197% e na dos 12 aos 17 anos de 68%. Os dados nesta última faixa etária talvez possam ser explicados por os jovens estarem mais protegidos com a vacinação e serem obrigados a usar máscara e a estar mais distanciados". Em números absolutos, disse, "o total de casos na faixa dos 0 aos 11 anos foi de 61 375, sendo que o maior número se registou na faixa dos 5 aos 11 anos, 41 mil". Em relação às faixas etárias dos 18 aos 29 anos e dos 50 aos 79 anos, Carlos Antunes conclui que "a infeção está estável, não se observando um aumento abrupto como nas outras".

Mas a Ómicron está a mudar os números e a realidade. Entrou no país no início de dezembro e começou a espalhar-se pela altura do Natal e da passagem de ano. Tornou-se a variante dominante e assim que as escolas abriram começou a infetar a comunidade escolar. Para Carlos Antunes, o percurso da variante é simples de traçar: "Já se percebeu que é uma variante que infeta pessoas vacinadas com as duas doses e até já com a terceira dose. Infeta também pessoas que já tiveram a Delta. Portanto, no caso das escolas começou pelos mais novos, que estão mais expostos, e depois ao fim de três a cinco dias infeta os pais ou os cuidadores, que vão acabar por trazer o vírus para o resto da comunidade".

A questão é que "não havendo medidas à vista, o crescimento de casos será ainda mais acentuado. E se olharmos para o fim do mês, dia 30, data das eleições legislativas, podemos atingir um número mais elevado de pessoas em isolamento", destacou o professor, que confessa que inicialmente não achava possível atingir-se um dos cenários referidos que era de haver entre 300 mil a 700 mil pessoas isoladas. "Achava que era um intervalo muito grande, mas agora, perante estes números, tudo indica que nessa data estaremos até mais próximos dos 700 mil isolados".

Quando se passa para as regiões, a do Norte é a que tem há m ais de uma semana o maior número de casos - só ontem registou 22 455 e dez óbitos. Depois segue-se Lisboa e Vale do Tejo (16 192 e 15 óbitos) que, segundo o professor, "ainda não está no planalto, mas vai lá chegar". Mas é o Centro que coloca algumas preocupações, pois "em sete dias duplicou o número de casos, estando a aumentar a infeção no grupo de pessoas com mais de 80 anos". Esta região registou ontem 7744 novos casos.

Quanto a internados, são ao todo 1959 pessoas (mais quatro que na véspera), 153 delas em unidades de cuidados intensivos (menos sete que no dia anterior).

Já em reação ao R(t) - índice de transmissibilidade - está nos 1.13 a nível nacional e a 1.10 no continente. Carlos Antunes explica que ainda está numa fase descendente, mas que quando for atualizado irá refletir a tendência de casos.

O professor reforça: "Temos de continuar a monitorizar a evolução da doença. A Ómicron está mudar a realidade e "vamos entrar numa nova fase".

anamafaldinacio@dn.pt
pedro.sequeira@dn.pt