Como a medicina de precisão está a revolucionar o tratamento do cancro em Portugal
No Centro de Medicina de Precisão do IPO do Porto abre-se aquela porta de esperança que se fechou em toda a parte para os cancros raros. É lá que decorrem os ensaios clínicos e se testam novos medicamentos e tratamentos. Não é o fim da quimioterapia mas há outros caminhos.
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No início do século os custos eram "absolutamente estratosféricos", admite Júlio Oliveira, investigador e oncologista. Atualmente, por poucas centenas de dólares ou euros, consegue fazer-se a sequenciação do genoma, não em qualquer sítio, mas em Centros como o que existe no IPO do Porto. É assim que apresenta a Medicina de Precisão.
Em Portugal, o processo está ainda muito focado na identificação de doentes em contexto de ensaio clínico. "E destina-se sobretudo àqueles casos que tenham visto esgotadas as opções de tratamento convencionais, e que tenham feito testes genéticos, se for encontrado algum destes biomarcadores (TRK, NTRK...) os doentes podem entrar no estudo e serem tratados. Isto não é ficção científica, está a acontecer mesmo", afirma ao DN Júlio Oliveira, pouco depois de ter admitido no IPO do Porto um doente do Algarve. Porque é ali, no Centro de Medicina de Precisão da cidade invicta que se concentra neste momento toda a investigação nacional neste domínio. Dias antes, a equipa recebera um rapaz de 30 anos, com um cancro igualmente raro, que faz parte dos cinco doentes que estão neste momento em tratamento naquele estudo específico, e que desde dezembro está também à população pediátrica.
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"Já tivemos muito mais doentes noutros ensaios, mas a particularidade deste estudo é que o desenho é fora da caixa", sublinha o investigador. "Isto vai permitir acelerar muito o tratamento, mas não só. Por exemplo, doentes com tumores raros, seria virtualmente impossível terem um ensaio clínico para eles. Porque demoraria dezenas de anos para termos uma amostra suficiente para o conseguirmos". Ou seja, assim se percebe que "ainda mais impacto tem e mais importante é para doentes com tumores raros, onde as opções de tratamento são habitualmente muito mais escassas, porque é muito mais difícil desenhar ensaios clínicos para conclusões raras".
"Isto implica equipa muito bem treinadas; alguns destes medicamentos ainda estão em fase relativamente inicial de desenvolvimento, outros aprovados para determinados tipos de patologia mas estão aqui a ser abordados de forma agnóstica e outros que ainda não estão aprovados", explica Júlio Oliveira, justificando assim a exclusividade de um único local no país. Estes estudos estão a ser desenvolvidos em grandes centros a nível mundial, sendo que em Portugal é o IPO do Porto tutela os ensaios, ao passo que em Espanha e França há dois ou três centros, à proporção dos países.
Entre 2010 e 2019 estima-se que tenham sido incluídos cerca de 2.300 doentes em vários tipos de ensaios (a fatia da medicina de Precisão é muito pequena) mas o investigador acredita que a equipa está a fazer história. Uma das conquistas mais recentes foi criar uma unidade dedicada aos ensaios de fase precoce. "O principal objetivo é trazer ensaios de maior valor para os doentes oncológicos dirigidos por biomarcadores para aumentarmos a probabilidade de expetativa de benefício para os doentes. Para isso era necessários implementar uma estratégia de medicina de precisão, permitindo que os doentes tenham acesso à sequenciação genómica", revela Júlio Oliveira.
Uma doença de genoma
Atualmente, sabe-se que o cancro é uma doença do genoma. "O cancro com fusão TRK é resultado de uma fusão anormal de dois genes, um deles o gene NTRK e outro não relacionado, que leva à criação de proteínas de fusão TRK. Essas proteínas, por sua vez, são conhecidas por causar o crescimento celular em múltiplos tipos de tumores tanto em adultos como crianças e são consideradas drivers tumorais para o aparecimento, crescimento e manutenção do tumor. O cancro com fusão NTRK ocorre em vários tumores sólidos em doentes adultos e pediátricos com frequência variável, incluindo pulmão, tiróide, cancros gastrointestinais (cólon, colangiocarcinoma, pancreático e do apêndice), sarcoma, cancros do SNC (glioma e glioblastoma), cancro da glândula salivar (carcinoma secretor da glândula salivar) e cancros pediátricos (fibrossarcoma infantil e sarcoma dos tecidos moles)".
Todos os diagnósticos de cancro são diferentes mas as terapêuticas tradicionais não estão preparadas para abarcar essas diferenças. Assim, os testes genéticos e os testes genéticos podem ser parte da solução. E esses podem ser úteis para perceber se um determinado cancro tem origem genética, nos casos em que o cancro não responde à cirurgia, quimioterapia ou radiação, continuando a crescer e espalhar-se, o que pode exigir uma resposta terapêutica mais personalizada. Neste sentido, os testes genómicos são neste momento uma arma à disposição dos doentes que ajuda também a perceber se há alterações de DNA que possam estar a potenciar o crescimento de um determinado tumor.
Por outro lado, os testes genéticos têm como função definir o risco de desenvolver determinada doença, determinar se somos portadores de mutações genéticas associadas a risco aumentado de cancro ou ainda se os familiares de um doente devem ou não ser também testados.
Os testes genéticos têm o potencial de personalizar o tratamento do cancro (medicina de precisão), ajudando a uma melhor perceção do diagnóstico e a antecipar tratamentos; informar os médicos acerca das terapêuticas adequadas tendo em conta a especificidade do cancro em questão e reduzir o número de tratamentos de que os doentes podem necessitar.
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