Pequenas grandes histórias

Cansada das incertezas do jornalismo, Sandra Nobre lançou-se a escrever livros à medida de cada cliente. Pode ser uma biografia, uma história de amor, uma viagem. Realidade ou ficção. Short Stories é o nome do projeto que lhe ocupa os dias e a deixa feliz.

Escrever, para Sandra Nobre, é co­mo as cerejas: atrás de uma his­tória vem sempre outra, a pedir-lhe páginas em branco a que se agarrar. Gosta de livros e de es­crita, duas das coisas que mais prazer lhe dão. Há muito que tem o hábito de fazer fotonovelas para as amigas, reunindo fotografias de telemóvel num caderninho, com legendas manuscritas, que lhes oferece de presente. «Perdi a conta às vezes que me disseram "Ah, está tão giro" ou "Devias es­crever a minha história de amor".» Juntando isso à realização que sente quando os entre­vistados acham que fez um trabalho honesto sobre eles, lá se decidiu a vasculhar o baú pes­soal de ideias e tirar de lá as Short Stories, his­tórias que de pequenas só têm o nome.

«Arranquei com o projeto em janeiro, faz agora um ano, e ainda estou a definir o meu caminho e a limar a fórmula», conta Sandra Nobre, jornalista que um dia acordou deci­dida a não estar mais dependente de jornais e revistas. «Enquanto freelancer até tinha bastante trabalho, mas queria algo meu.» Deu-se então conta de que estava a aproxi­mar-se o Dia dos Namorados, podia escre­ver histórias de amor. «Fiz um flyer no Macintosh, coisa que nunca antes tinha feito, e coloquei-o no meu Facebook. No primeiro dia tive a primeira encomenda. No segun­do tinha uma reunião marcada com a dire­tora de um hotel de cinco estrelas que que­ria as minhas histórias lá (ainda não havia nenhuma nessa altura). Ao terceiro, estava a ser convidada para participar no II Con­gresso do Amor na Quinta das Lágrimas que ia acontecer em fevereiro.»

O projeto ganhou uma dimensão ines­perada antes mesmo de existir fisicamen­te. Sandra lançou-se de cabeça no admi­rável mundo do papel para fazer o equiva­lente, em livro, aos talheres de prata que as famílias antigas mandavam gravar e guar­davam ciosamente. «As Short Stories aca­bam por conter uma parte importante da vida de alguém. Para mim, era fundamen­tal que todos os detalhes fossem bem cuida­dos, sóbrios, que houvesse uma uniformiza­ção para criar identidade», diz a autora, sa­tisfeita com as pequenas edições de luxo a que chegou pelo preço mínimo de 250 eu­ros: livrinhos de capa dura em formato A5, encadernados e dourados à moda antiga por artesãos da sua confiança, encorpados com folhas de papel Fedrigoni - o escolhido de marcas como a Prada, a Louis Vuitton ou a Moët & Chandon para as suas embalagens.

Além dos contos de amor e das biografias editados em bege (My Short Story With Lo­ve), Sandra escreve contos infantis com ca­pa cor de laranja forte (My Short Story Before I Grow Up) e contos de viagens em bordeaux, num modelo que ainda está a desenvolver mas tem já todo o ar de passaporte (My Short Story Somewhere). No verão de 2013, sem mãos para escrever mais histórias até ao fi­nal do ano e percebendo que não podia ter a sua empresa Silly Name sem produto para quem a procurava, pensou em soluções mais fáceis de obter, no sentido em que não impli­cam a atenção desmedida que põe nos livros. A primeira ideia foi a da mensagem na gar­rafa, feita de vidro a sopro pela Vista Alegre/Atlantis, com um fundo de cortiça que per­mite tirar a missiva, responder com outra e fazer dela um objeto de partilha em casa. O lencinho dos namorados da Short Stories, sem erros de português nem acordo orto­gráfico, é feito por bordadeiras do Minho e fala de amor. Com a Caza das Vellas Lo­reto, Sandra concebeu uma caixa de velas vermelhas feitas à mão, iguais às que a em­presa produziu para iluminar o Teatro São Carlos em 1845, e funciona como um con­vite, uma provocação: «Vamos fugir es­ta noite? Eu levo a caixa.» Criou ainda um diário, encadernado como as Short Stories e guardado numa bolsa de veludo, para que quem gosta de escrever, como ela, possa anotar a vida em segredo. «As pessoas pro­curam-me porque têm algo a dizer e lhes falta coragem ou as palavras certas. Acabo por ser eu a mensageira, pelo que tentei des­cobrir a melhor forma de falar ao outro em diferentes situações», explica, ela que está a adorar este lado criativo de planear novos suportes para os seus textos, à venda no site www.shortstories.pt e em www.facebook.com/sn.shortstories.

A jornalista lembra-se das histórias que fez e das que ainda esperam, das persona­gens e dos contornos. «Não posso particu­larizar porque preservo muito a identida­de das pessoa, isto tem um bocadinho de psicologia e confessionário. Mas todas me marcam de algum modo, demoro a liber­tar-me», revela, surpreendida com o cari­nho dos clientes: «Há uma ligação engra­çada que se estabelece de imediato. Ain­da não combinámos o livro e já me estão a contar a história.» Segue-se a parte em que desvenda as emoções de quem a contacta e do leitor a quem se destina. «Já fiz livros para a Austrália, o Brasil, a Suíça, Angola... Muitas vezes não chego a conhecer pes­soalmente as pessoas, mas elas mimam--me, tornam-se habituais na minha pági­na de Facebook. E eu recordo-me de todos e gosto que não se desliguem depois de te­rem os livros.»

Foram muitas as entrevistas que Sandra Nobre fez em cafés lisboetas antes de se mu­dar para um atelier na Avenida Guerra Jun­queiro - em tempos a arrecadação de um restaurador de móveis que ela recuperou pa­ra os seus finais felizes. Há situações em que o livro sai em forma de carta; noutras, assu­me-se como narradora. Em nenhuma delas sabe explicar como é capaz de dizer a outros aquilo que, muitas vezes, nem a pessoa que lhe pede a história consegue dizer a si mes­ma. «Há pouco tempo pedi um desconhe­cido em casamento», ri-se, deliciada com o episódio: «Ele vive na Austrália, ela não conseguia fazer a pergunta. Então pediu--me para escrever o livro como eu quisesse, desde que no final o pedisse em casamento.»

A história com maior alcance foi talvez a que pensou para Manuel Luís Goucha e Cristina Fer­reira no no­no aniversá­rio do progra­ma Você na TV, da TVI. «Fui entrevistada por eles em julho, altura em que me desa­fiaram a escrever a Short Story para coin­cidir com a data, a 13 de setembro. Ainda o programa não ia a meio e já eu tinha du­zentas mensagens no telemóvel e mais mil likes no meu Facebook». O boom repetiu-se quando lá voltou com o livro. «O facto de eles terem gostado funcionou como selo de qualidade, quase como na Oprah.» Ou­tra história que guarda no coração é a de Marc e Suzana, um casal que se conheceu na Alemanha em criança e teve no Algar­ve o seu final feliz. «Eles andaram juntos na escola, com 14 ou 15 anos ele pediu-a em namoro, ela recusou-o por serem muito no­vos. Mas disse-lhe, com toda a certeza, que ainda iriam casar-se», recorda Sandra.

Os anos passaram. Cada um seguiu o seu caminho, Suzana como enfermeira no Hospital de Portimão, Marc na Alemanha. Um dia, nas urgências, ela encontra a irmã de Marc, que a convida para jantar na ca­sa da família. «Ele estava de férias em Por­tugal, durante um mês saíram os três co­mo amigos. Marc chegou mesmo a ajudá-la com os papéis do divórcio, dizendo com humor que ti­nha muita pe­na de não ter casado com ela». E eis que na véspera de ele voltar para a Alemanha, para a namorada, Suzana lhe escreve a confessar que tinha precisado de todo aquele tempo para perceber que era ele o homem da sua vida. «Foi de tal ma­neira uma urgência que os bombeiros vo­luntários entregaram a carta a Marc nu­ma ambulância, mas ele só a leu no avião. Passado um mês, ligou-lhe a dizer que es­tava livre e a caminho. A Short Story foi a prenda que ela lhe deu no dia do casamen­to, recuperando o romance de ambos.» Não há como uma história pequena para contar um grande amor.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG