O verdadeiro segredo de uma superatriz

Estreia na quinta-feira Um Segredo do Passado, mais um grande papel para Kate Winslet. A atriz de Titanic esteve com a Notícias Magazine em exclusivo nacional e fala com o coração. Sobre o filme, sobre a arte de representar e sobre cirurgias plásticas, que abomina.

Numa altura em que só se fala das grandes interpretações nomeadas para os Óscares deste ano, apetece perguntar o que é is­so dos superatores? Daniel Day Lewis, Meryl Streep, Cate Blanchett, vêm de imediato à cabeça como grandes exem­plares dessa «raça». Mas depois há também a Kate Winslet, que já venceu tudo o que ti­nha a vencer e é considerada por muitos a melhor atriz da sua geração.

Este ano, a sua interpretação subtil em Um Segredo do Passado, de Jason Reitman, fi­cou à porta dos Óscares. O filme, que explora o sonho de evasão de uma dona de casa frus­trada, foi o pretexto para a Notícias Magazine entrevistar a atriz de 39 anos. Em fim de gra­videz [o bebé, que nasceu entretanto, chama-se Bear (urso), nome que gerou alguma controvérsia], Kate e o seu barrigão desco­munal cumprimentam-nos com uma firme­za que lembra a garra de Emma Thompson. Diante de nós uma mulher que dispensa ma­quilhagem, ligeiramente perturbada com o ar condicionado da suite do Dorchester, o ho­tel mais snob de Park Lane, bairro dos ricos de Londres. Resolvida a questão da tempe­ratura ambiente e com uma chávena de chá com leite ao lado, Kate Winslet está pronta para falar. Como é que a atriz que este ano foi nomeada para o Globo de Ouro concilia o sucesso com uma família que não para de crescer? A resposta fica em stand by. Antes há que revelar tudo sobre Um Segredo do Passa­do, no qual interpreta uma mãe divorciada dos anos 1980 que, subitamente, se vê presa em casa com o filho por um foragido da pri­são, que a usa como refém. Em causa está so­bretudo a memória de uma América rural da década de oitenta do século passado, quando tudo estava em mudança.

Sim, a britânica Kate Winslet já foi ame­ricana, australiana, alemã, neozelandesa e agora veste de novo a pele de uma america­na de gema, e sem falhas de sotaque. Ain­da assim, garante que este foi dos maiores desafios da sua carreira: «Tinha uma noção muito clara de quão difícil seria esta perso­nagem. Por isso mesmo, claro que quis in­terpretá-la. Ela é uma mulher frágil e vulne­rável. De alguma forma, ao abdicar do seu passado, tornou-se fraca. Mas não quis re­presentá-la sempre débil e trémula, perce­be? Não seria interessante...»

A deixa perfeita para a próxima pergun­ta: como é que alguém consegue sempre os melhores papéis? A resposta traz humilda­de: «Honestamente, fui bafejada pela sor­te. Claro que tentei sempre apostar em pa­péis diferentes, até porque acho que isso é o mais interessante para um ator. O públi­co quando vê um ator muito comprometido com um certo tipo de papéis deixa de acre­ditar nele. Tentei sempre evitar isso. Quis que as minhas escolhas parecessem novas em cada projeto. Tento sempre representar uma pessoa que nunca foi descrita em cine­ma. Por isso, sinto-me sempre atraída por mulheres menos convencionais.» Eis o se­gredo de uma superatriz.

Depois de Sensibilidade e Bom Senso repre­sentou uma freak em O Despertar da Mente, a que se seguiu uma adúltera suburbana em Pecados Íntimos e por aí fora. O critério deu-lhe seis nomeações para os Óscares e uma vitória. Mas os segredos são como as cerejas, trazem sempre outros atrás. Uma exigente autocrítica é outro dos ingredientes indis­pensáveis para os superdesempenhos. «Nun­ca ouvi nenhum grande ator dizer que ado­rou a sua prestação neste ou naquele filme. Na verdade, não acredito nada na perfeição. Espero sempre encontrar algo errado nos meus trabalhos. Se não encontrarmos im­perfeições para onde evoluímos? Que tipo de pessoa seria eu se me achasse uma atriz brilhante?» É este questionamento perma­nente que leva Kate Winslet a escolher as suas personagens em função da forma co­mo irá dar-lhes vida. «Não acredito em in­terpretações certas ou erradas. Um erro pode ser uma coisa fabulosa. E penso que é esta atitude que me tem mantido sã nes­te ofício. Há sempre algo novo para experi­mentar ou aprender, a sério!»

Tantos anos e sucessos depois, ver-se num filme continua a ser sempre surreal para Ka­te Winslet. «Pode ser uma experiência dolo­rosa ou suscitar o orgulho de ter sido parte do trabalho coletivo, sobretudo quando se trata de um filme bem realizado. «Talvez de­vesse ser mais objetiva comigo própria, mas não consigo», remata.

Com ou sem método, desde 1994, ano que marcou a sua estreia em cinema no muito contundente Amizade sem Limites, de Pe­ter Jackson (que mais tarde ficaria preso a Tolkien), que Kate acredita no instinto: «Sempre me deixei guiar pelo meu instin­to. É uma questão de confiança. Mas cla­ro que o mais importante é a paixão que te­nho a esta profissão. Nunca poderia fazer outra coisa na vida, não sei fazer mais nada, nunca quis ter outra vida, ainda que por ve­zes suspire por não saber fazer isto ou aqui­lo. Quando me perguntam o que quero pa­ra os meus filhos, digo sempre que gostaria que eles soubessem fazer muitas coisas dife­rentes, mas para mim, desde muito jovem, o fascínio foi sempre só um: a representação. Estou quase a começar outra rodagem, de­pois de o meu bebé nascer, e já só penso nis­so. Mantenho o entusiasmo de quando co­mecei a trabalhar.»

E é com entusiasmo que fala então do seu próximo projeto, A Little Chaos, um peque­no filme com dinheiro canadiano realizado pelo ator Alan Rickman. E, quando menos se esperava, a resposta à primeira pergun­ta: «Muita gente não percebe como consi­go conciliar a carreira e os filhos, mas pen­so que é igual a qualquer mãe trabalhadora. Para estas talvez seja ainda mais complica­do pois têm trabalhos com horários com­pletos. É uma luta, apesar de os meus dois primeiros já terem 10 e 13 anos e, enfim, já se vestirem sozinhos... Tenho de me safar e safo-me. O facto de o Ned, o meu marido, ser absolutamente incrível, também ajuda. É ele que toma conta de todos nós», conta num sotaque britânico nada empoeirado. O marido, sobrinho do excêntrico Richard Branson, dono da Virgin, não é pai dos fi­lhos mais velhos, tem o apelido de Rockn­roll e não é do showbiz.

«ESTOU-ME NAS TINTAS PARA O QUE ACHAM DO MEU ASPETO»

Kate Winslet tem entrado em choque com a cultura mainstream de Hollywood. Sem papas na língua, acendeu o debate e abalou o statu quo ao afirmar que se recusa a ficar esquelética e tornar-se mais uma das estrelas anoréticas que agradam ao star system americano. As suas curvas tornaram-se assim sinal de rebeldia. E à Notícias Magazine confessou mais: que não quer nem ouvir falar de botox ou de cirurgia plástica: «Nunca fiz nem nunca vou fazer! E acho horrível o que uma revista fez com uma foto minha! Foi há 12 anos e foi um choque. Quando alteraram o meu corpo digital­mente, percebi como funcio­nam as coisas nos EUA. Mas estou-me nas tintas para o que acham do meu aspeto! Claro que todos queremos ficar bem, homens ou mulheres, mas há um limite! O problema é que a tendência em Hollywood é para piorar. Caramba, é a minha cara. Nunca quererei modificá-la! Gosto de mim! Há outras maneiras de tratar do nosso rosto que não envolvem injeções nem implicam sermos retalhadas! Se mexesse no meu rosto, como atriz, perderia a capacidade de representar. Espero sinceramente não ser a única a pensar desta maneira, mas se calhar sou. A questão é que, quando franzo a testa, quero que se vejam as rugas e que a minha cara continue nor­mal! É tão bom sermos todos diferentes. Muitas vezes, sinto que os rostos em cinema são todos iguais... Era tão bom que vivêssemos num mundo em que a felicidade não dependes­se de termos feito um reajuste facial. As pessoas passam-se um bocado, acho eu.»

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