«Foi você que pediu um Porto Ferreira?»
O anúncio é velhinho, quando ainda nem se sonhava com facebooks e redes sociais, mas traduz bem o futuro que se desenha para o marketing e a publicidade da era digital. À medida do consumidor e adivinhando-lhe, com base científica, os desejos. No aniversário do Facebook, falámos com um especialista sobre este admirável (ou assustador?) mundo novo.
Jairson Vitorino
Tem 36 anos, é doutorado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco e em Inteligência Artificial, pela Universidade de Ulm, Alemanha. Fundou em 2004, com o sócio Alessando Barbosa Lima, a e.life, empresa especialista em gestão e análise de media sociais em todo o mundo.
O Facebook fez dez anos. Hoje aquilo que era confidencial e precisava de autorização para ser divulgado, é oferecido de mão beijada pelos utilizadores que expõem publicamente os seus dados, gostos, preferências, crenças. Esta é uma revolução para a área de marketing das empresas?
_Ainda antes do Facebook, o Orkut e o hi5 já faziam prever que as plataformas sociais seriam muito grandes e teriam um enorme potencial no futuro. Tratava-se de entender e criar ferramentas para incluir e gerir a presença das marcas nos diálogos que se estabeleciam. Daí que em 2004, no mesmo ano em que o Facebook nasceu, eu e o meu sócio tenhamos criado a e-life. Hoje, em 2014, dez anos depois, não existe agência, empresa ou marca que não tenha presença no twitter ou no facebook. Uma diferença do nosso tempo é que as novas tecnologias, em que se incluem as redes sociais, tomam de assalto o mundo muito rapidamente e os marketeers têm que estar sintonizados, senão... perdem o barco.
Mas alguma vez imaginou possível o acesso livre e gratuito a esta espécie de base de dados global que permite traçar perfis de consumidores e comunicar diretamente com eles?
_Faz parte da natureza humana definir-se de acordo com os seus interesses e preferências e estes passam também pelo consumo. É um sinal de status ter um carro do ano, alemão, de luxo e as pessoas que compram querem que todos vejam. O que acontece hoje no twitter e no facebook já acontecia no passado, mas agora essa informação está massificada e acessível digitalmente. A tensão entre o que é público e privado continua nos meios digitais. O próprio Facebook e o Twitter têm opções que permitem ao utilizador proteger os seus dados, mas de facto as pessoas não querem fazê-lo, definem-se um pouco pelo que postam nas redes sociais.
Uma das questões é se os perfis e posts nas redes sociais traduzem aquilo que as pessoas são ou o que querem ser. Essa é uma vantagem ou desvantagem para quem trabalha perfis de consumidores?
_As marcas de luxo já têm uma tradição de diálogo um para um muito grande. A possibilidade que se abre com as redes sociais e o digital é que este tipo de tratamento seja adotado também pelas outras marcas, que passam a tratar todos os seus clientes quase de um para um, como clientes especiais. Por exemplo, eu compro uma máquina de sumos da Philips, que fica a saber que estou interessado em comida saudável e pode enviar-me informação sugerindo outros produtos que possam satisfazer essa necessidade. A marca começa a entender-me como consumidor e isso traz-me benefícios porque há uma oferta tão grande de produtos que é importante ter informação que me ajude a escolher. Como cidadão e consumidor, acho muito interessante que o digital nos ajude a fazer as escolhas certas.
O que as redes sociais têm de potencialidades positivas também têm de negativas, como se viu recentemente com o pesadelo publicitário que foi o episódio da Pepsi com o Cristiano Ronaldo. Como se gere este tipo de crise?
_A melhor política é prevenir. É definir políticas de comunicação transparentes, que estejam alinhadas com o contexto atual. Hoje, não existe espaço para piadas racistas, machistas, homofóbicas, isso é impensável. Nada mais útil também do que entender os seus consumidores escutando o que eles dizem. E criar um discurso e uma imagem que vá ao encontro disso. O importante é definir o seu posicionamento e colocar. E nada mais. Sobretudo, deixar que as pessoas falem. Nada pior do que interferir, bater boca com o seu consumidor, apagar... Nunca, jamais, apagar nada. Apagar um comentário é acender um rastilho de pólvora, começa tudo de novo. É muito mais fácil reconhecer o erro, explicar-se e deixar que a coisa morra por si. O silêncio é ouro.
A velocidade a que a opinião e as notícias correm nas redes sociais é inimiga ou aliada de quem está nesta batalha?
_A velocidade faz que as empresas tenham que estar muito mais atentas e por isso é fundamental a gestão da sua presença nas redes sociais. Por outro lado, é uma vantagem porque o que se diz hoje amanhã já é passado. A dinâmica da informação é tão grande que, em caso de crise, o fogo extingue-se rapidamente se a polémica não for alimentada. Seja como for, para uma marca, a monitorização da informação é a base de tudo.
E qual é o papel da e-life neste xadrez?
_Nós damos o software e os recursos humanos para a recolha, análise e processamento da informação. Fazemos monitorização da informação, prevenção e gestão de crises e trabalhamos também a área da inteligência de mercado: preferências e perfis dos consumidores, aconselhamento, desenvolvimento de novos produtos.
Em vésperas do seu décimo aniversário, uma prestigiada universidade americana - Princeton - previu a morte do Facebook. Faz sentido?
_O Facebook respondeu que a universidade vai fechar. Não, acho que não faz sentido. O que a universidade fez foi relacionar duas variáveis que não têm uma relação de causa/efeito. Concluiu que o Facebook tinha os dias contados por ter deixado de aparecer nas pesquisas do Google, mas uma coisa não implica a outra. O Facebook tem-se expandido e mais de metade dos seus utilizadores estão no mobile, acedendo diretamente através da respetiva aplicação.
O facebook tinha um lema: «é gratuito e sempre será». Mas a verdade é que sobretudo empresas e marcas terão que começar a gastar dinheiro para ter mais impacte, visualizações e promoção dos seus posts, não é?
_Sem dúvida. O Facebook é uma empresa cotada na bolsa e tem responsabilidades para com os seus investidores, tem metas financeiras e se não as alcançar isso é muito mau. E para fazer crescer as receitas tem que apostar na publicidade. É como o Google, cujo o modelo de negócio é a publicidade.
E é aqui que entra a tal publicidade que, feita à medida do cliente e da empresa, direcionadaa um público alvo muito mais definido, se torna mais eficaz?
_Exatamente. A publicidade transforma-se a cada ano. E a digital vai ganhando terreno à tradicional, porque com um orçamento menor permite maior eficácia. Preocupante, eu diria, para quem vive dos media tradicionais.
Que é o nosso caso, jornais e revistas em papel.
_É uma questão de adaptação e já se veem modelos vitoriosos, como o New York Times ou a Economist... Penso que para os media de expressão portuguesa a única saída é globalizarem-se. Um jornal ou revista de Lisboa não pode falar só de Lisboa, nem de Portugal, tem que estar online e falar de todo o mundo de língua portuguesa. Tem que ir buscar notícias de Angola, do Brasil, de Macau. No digital não há fronteiras e a audiência potencial é enorme. É esse o modelo da Economist. E o português é uma língua que só no Brasil chega a 200 milhões e ainda tem os países africanos de expressão portuguesa, o potencial é enorme. Mas é preciso que os empresários percebam isso.
As marcas já perceberam a importância das redes sociais?
_Penso que sim. Mesmo que não tenham a ver com comércio electrónico, têm que estar presentes, porque no mínimo ganham um canal de diálogo com o consumidor. Se tiver uma página com 50 mil seguidores, e isso não é nada de mais, tem um meio de divulgação poderoso. Os seguidores, se gostaram, é porque têm algum envolvimento com a marca. Além disso, também é uma forma eficaz de construir uma imagem, de criar alicerces, de dar-se a conhecer, de contar a sua história. O que é que Bill Gates tem feito? Tem ganho a admiração mundial, dando o exemplom um homem com milhões que se preocupa com as condições de vida dos mais desfavorecidos. Isto para a Microsoft é um capital inestimável. Todas as marcas deviam criar uma reputação online, é o que defendo. E há marcas que têm histórias interessantes para contar. Muitos produtos portugueses, como os vinhos e os azeites, são exemplo disso. E as plataformas sociais são o suporte ideal para o fazer.
Qual é o maior desafio do futuro nesta área?
_Eu penso que o grande desafio é processar toda enorme quantidade de informação que nos é fornecida pelas redes sociais e agir sobre ela. Finalmente, podemos aplicar a inteligência artificial. Antigamente tínhamos os algoritmos, mas não tínhamos os dados e por isso não podíamos criar modelos computacionais. Hoje, só a biografia dos utilizadores no Twitter ou no Facebook já permitem saber muita coisa útil para as marcas. Por exemplo, no Spotify, se você ouve uma música, ele vai sugerindo outras de que você pode gostar. A lógica é essa. É o que fazem o Facebook ou a Amazon. É tal aplicação da inteligência artificial. Os dados são públicos, o Twitter e o Facebook fornecem gratuitamente, porque quanto mais eu exploro mais eles ganham. É uma troca. E essa é uma tendência. O que o Facebook e a Amazon fazem, qualquer empresa, com um bom cientista de dados, pode fazer. Esse é um dos nossos principais projetos para os próximos tempos. O mercado está a ir para esse lado. Mais ciência e menos intuição na comunicação das marcas.