Entre a moda, o vinho e o azeite

Esta é a fabulosa história do cirurgião que apostou no negócio da moda e das finanças em Itália. E que hoje, à frente de uma empresa de vinhos e azeite, acaba de lançar um vinagre de produção biológica. Bem vindo ao Douro de Filipe Roboredo Madeira.

Da paixão da medicina ao fascínio pela dolce vita dos negócios das agências de modelos, foi um passo. No caso de Filipe Roboredo Madeira, 47 anos, foi uma decisão de instinto. Aluno brilhante de Medicina e com uma carreira garantida como cirurgião, acabou por nunca exercer na prática - apenas os dois anos de estágio. Perdeu-se um médico ganhou-se um homem de negócios em Milão, onde se formou. Em Itália ganhou o gosto pelo modo jet set e, graças a um grupo de amigos de elite, tornou-se sócio de agências de modelos. Filipe Roboredo Madeira andou na alta roda da moda e ganhou dinheiro. Muito dinheiro. Uma vida de estilo e exclusividade que o fez conhecer estrelas da música e de Hollywood. O solteirão divertiu-se e ganhou uma agenda de contatos de luxo. Passou também por Nova Iorque, onde investiu em agências de modelos e conheceu top models. Um percurso que lhe deu a disciplina do bom gosto - ficou adepto dos melhores fatos italianos, conhecedor dos melhores petiscos gourmet e, claro, fã dos melhores vinhos. E é aqui que entra uma revolução suave na sua vida: a do vinho.

Filipe percebeu que nas terras de família, no Douro Superior, estava um tesouro impossível de ignorar: vinhas centenárias e um terreno que viria a dar em poucos anos os vinhos CARM, da Casa Agrícola Roboredo Madeira, dádiva familiar com tradições desde o século XVII, mas que só recentemente começou a ser explorada em termos comerciais. Atualmente, e depois da venda da Quinta da Serra, em 2012, a família é proprietária da Quinta da Ursa, Espado, Calábria, Coa, Marvalhas e Verdelhas, junto a Vila Nova de Foz Coa.

«A nossa família tem estas terras desde sempre, mas era um terreno esquecido. Nunca ninguém ligou nada a isto, tínhamos as quintas para ir à caça e passear. Nunca pensei que íamos apostar no vinho. Vendíamos as uvas à casa Ferreirinha e as azeitonas à cooperativa.» O cenário mudou quando, em 1997, Celso Roboredo Madeira, pai de Filipe, deixou de trabalhar. O engenheiro civil e administrador reformado decidiu apostar inicialmente no lagar. Depois veio o vinho. «Como o meu irmão mais velho era engenheiro enólogo, começamos a fazer o vinho em adegas alugadas. Só em 2004 é que começámos a produzir aqui, com a nossa própria adega. E aí, já com o know-how de produzir azeite começa mesmo a paixão. O que me deu mais gozo na altura foi precisamente o azeite, pois sem percebermos nada estávamos a produzir os melhores azeites em Portugal.».

Entretanto, Filipe foi mergulhando no prazer de um negócio de família, alavancado sobretudo pelo pai, que prefere não estar tão visível mediaticamente. «O meu pai adora isto. Tem 80 anos mas trabalha aqui de manhã à noite, não fica quieto. Esta sua nova paixão suplanta tudo.» O filho passa a vida entre Milão, Lisboa e a quinta no Douro, com inúmeras viagens por feiras de todo o mundo, já que os produtos CARM estão pensados para exportação.

Para quem ache estranho que um cirurgião troque a sala de operações pelas vistas mais lindas de Portugal e meta as mãos na terra, na uva e nas oliveiras, Filipe tem uma explicação: «Tem a ver com um hábito de protocolo e formação higiénica e chata dos meus tempos de estudante de Medicina. Quando no lagar tive de obedecer a um protocolo, fazia tudo à risca. Esse foi o segredo. Com os vinhos, a mesma coisa. Quando o meu irmão se foi embora [Rui Roboredo Madeira deixou entretanto a empresa familiar], eu e o enólogo António Braga, tivemos que dar conta do recado numa nova adega. Arregaçámos as mangas e fomos trabalhar. Tive ir de aprender estes segredos do vinho, não percebia patavina de produção. Apesar de distinguir perfeitamente o que era um bom vinho, nem tinha conhecimento de vinhos portugueses. Só bebia vinhos franceses.»

Mas isso mudou. Por isso, quando é desafiado a fazer uma prova cega dos seus próprios vinhos, só falha no Carm Douro tinto e elege o Grande Reserva como o melhor, reconhecendo o sabor de madeira e o mérito de ser de boca cheia. Quando advinha o tinto Maria de Lurdes, fala em touriga francesa e em sabores de resina e pinho. Afinal, é o vinho com o nome da mãe... No laboratório, Filipe faz questão de provar misturas que ainda estão em teste. Faz perguntas aos enólogos, tenta adivinhar variações de sabor e sorri quando percebe que dali vão surgir grandes vinhos. E é no meio de uma visita guiada a uma adega que é cada vez mais topo de gama tecnológico que arrancamos outro segredo: «na verdade, nunca quis ser médico. Quis fazer o curso de Medicina apenas porque gostava, mas nunca quis exercer. Ainda gosto, é outra das paixões. Também no vinho nunca quis fazer disto a minha vida. No começo, entrei assim por brincadeira, sobretudo para ajudar o meu pai. Claro, só que depois tudo isto cresceu demasiado, teve demasiado sucesso e prémios, muita responsabilidade.» E mais à frente volta a confessar que, quando o irmão saiu, recorreu aos amigos no estrangeiro. Diz que viajou meio mundo atrás dos melhores e mais aclamados produtores de vinho para saber como se fazia. Não é por acaso que ainda hoje tem como consultores externos um enólogo italiano e um francês.

Modesto ou talvez não, Filipe Roboredo Madeira tem um prazer tremendo em garantir que o método de produção biológica com que os vinhos são feitos, não é apenas um detalhe. Vinhos feitos sem anidrido sulfuroso, uma componente química que é responsável pela estabilização do vinho. Os mais céticos diziam que esse método poderia dar curta vida ao vinho mas, no terceiro ano de vinificação e engarrafamento, os resultados são encorajadores. Hoje são muitos os que dizem que os vinhos CARM têm uma qualidade que surpreende, o que terá contribuído para fecharem recentemente um contrato de distribuição com a poderosa Prime Drinks.

O negócio tem mesmo corrido bem à família Roboredo Madeira. Ainda em fevereiro serão postos no mercado os vinhos de 2011 - «os melhores de sempre», garante. Dos Ferraris em Itália, diz não ter saudades, apesar do brilho nos olhos quando fala desses tempos. «Naquela altura, em Milão, a moda era uma coisa fortíssima. Os anos 80 e 90 foram a época dourada das top-models e inevitavelmente vivi esse período e investi. A moda tinha mais glamour do que o cinema. Isso foi possível porque eu e um amigo abrimos uma sociedade de investimento na Suíça que correu muito bem. Eram os tempos em que a Bolsa andava robusta. E aí também foi possível ganhar mundo: vivi em Paris, Nova Iorque, Miami e Los Angeles. Foi divertido para alguém com 26 anos, mas ainda hoje esse grupo de melhores amigos está muito próximo: três italianos, um suíço-escocês e eu, português.» E quando lhe perguntamos se é verdade que um Ferrari impressionava as belos modelos ou se é uma ideia machista lambuzada no cliché, não esconde um sorriso e confessa que em Itália ainda se seduz dessa maneira. Linda Evangelista, Naomi Campbell, Iman ou Helena Christensen foram companhia dessas noites de festa. «Raparigas simples e simpáticas», apresta-se a acrescentar. Desses tempos - em que diz que não foi playboy -tira dividendos na distribuição dos vinhos e azeite CARM. Distribuição garantida em mercados complicados, não sendo por acaso que conseguiu que os seus produtos, entre os quais, a gama de produtos gourmet, esteja na prestigiada cadeia americana WholeFoods. Para já, a prioridade é expandir a marca lá para fora e rentabilizar o novo lugar do CARM Reserva 2007 na revista Wine Spectator, a Bíblia das publicações vinícolas americanas e as várias medalhas de ouro que o azeite tem recebido desde 2003.

Filipe Roboredo Madeira é bem capaz de representar o melhor de dois mundos, neste negócio do vinho. Não é comum passear de gravata pelas vinhas, mas aceita o desafio de posar para as fotografias com um fato italiano Carraceni e camisa feita à medida da Finolo, de Génova. E enquanto é fotografado, aqui no Douro Superior, perto de Espanha e das pinturas rupestres de Foz Côa, vemos o seu perfil com um orgulho de italiano português. «Só temos de respeitar a terra. A força desta terra. E este é, como gosto de chamar, o Douro Português, onde se dizem palavrões, bebe-se cerveja e cospe-se para o chão. Em baixo, é o Douro turístico para tomar chá e olhar para o rio.»

DO AZEITE...

É o próprio Filipe Roboredo Madeira que gosta que o chamem, na brincadeira, de azeiteiro. E o azeite entrou nos desígnios da família de forma algo casual. «Levávamos um azeite que cá fazíamos, e que nem sequer era comercializado, a um amigo italiano. Até que esse amigo um dia disse-nos para nunca mais o fazermos porque o azeite era mau, uma porcaria! Não queríamos acreditar mas de facto havia uma diferença enorme entre os azeites portugueses e os italianos. Até que o meu pai foi ter com o guru mundial dos azeites, o professor Fontanazza e levou-lhe algumas azeitonas, perguntando o que daí poderia sair. Ele disse-lhe que poderia ser um óptimo azeite se fosse feito um protocolo. Depois, comprámos todas máquinas novíssimas para o lagar e arriscámos.»

A dada altura, quase sem querer, Filipe viu-se sozinho num lagar hiper-super tecnológico, a comandar a primeira produção por telephone. «Foi surreal. Não havia ninguém para fazer funcionar o lagar. O técnico italiano já lá não estava e eu tinha de colocar aquelas máquinas a funcionar. Chegaram as azeitonas e eu telefonei para os técnicos italianos, que à distancia, diziam "toca nisto, toca naquilo agora".» Assim foi feito o primeiro azeite CARM, em 2004.Hoje, Filipe já se sente um azeiteiro expert, capaz de produzir 250 mil garrafas/ano, a partir de olivais com mais de cem anos.

... AO VINAGRE

Além dos azeites premiados, este ano a empresa lança pela primeira vez o vinagre CARM. «O meu pai sempre apostou no biológico. É impressionante a força daquele homem! Alguém que depois do 25 de Abril perdeu tudo e depois decidiu investir numa quinta , tendo sempre gostado das coisas naturais. Não somos fanáticos biológicos, se há um vinho bom que não seja biológico, claro que o bebo, mas a verdade é que nós não fazemos nada para ser biológicos. Não há doenças! Somos naturalmente biológicos. E este vinagre é uma maravilha!».

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