Do picadeiro para a fábrica
Liliana Serra criou uma marca de moda para equitação que é mais flexível, resistente, confortável e que até tem um aroma que acalma os cavalos. A história da Bellator é também uma história da superação do desemprego e desilusão com a indústria têxtil.
O cavalo lusitano é uma raça com cinco mil anos. A marca de roupa de equitação nele inspirada que Liliana Serra criou - a Bellator - nasceu há poucos meses, quando a filha de sete anos se estreou no centro hípico. Liliana tinha 34 e atravessava um deserto pessoal, no intervalo de uma carreira na indústria têxtil marcada por desilusões e pelo desemprego. Já tinha tido a sua dose de empreendedorismo e de falhanço, com uma experiência no negócio exportador da família, onde lidava com marcas como Calvin Klein, Guess, Escada Sport e Burberry.
Tinha criado também a sua própria fábrica de roupa e ainda, pelo caminho, uma loja de decoração de interiores. Ambas encerraram. «A experiência de fechar uma empresa é horrível e emocionalmente deixa feridas que levam muito tempo a curar. São sentimentos e experiências muito destrutivas. Achei que nunca mais ia trabalhar no têxtil, nem queria...», conta a mãe de duas meninas, que procurou, em vão, trabalhar na área do Turismo, mais próxima da sua formação em Relações Internacionais. Mas foi ao procurar roupa mais confortável e bonita para a filha mais velha, Mariana, praticar equitação que Liliana reencontrou o seu lugar na moda. Natural de Famalicão, o têxtil não lhe saía do caminho e foi nessa área que encontrou outros trabalhos que foi fazendo. «O têxtil continuava a ser a única área onde o meu know-how era valorizado». Os cavalos eram outra paixão antiga, portanto juntaram-se os cavalos e a moda, no lugar certo à hora certa, quando o Citeve decidiu desafiar licenciados inscritos no centro de emprego para uma academia de inovação.
O Citeve é o Centro Tecnológico Têxtil e do Vestuário, situado em Famalicão, e nessa formação especializada (realizada com o apoio da Câmara, do IEFP e da Microsoft), Liliana não só mergulhou novamente no seu habitat natural, como criou a Bellator, uma marca de roupa para equitação, com linhas de homem, senhora e criança, que incorpora novas tecnologias têxteis com um design mais flexível num vestuário de elegância rígida e estilo conservador. Mais ainda, esse projeto foi o vencedor da Academia de Inovação entre outros 200 candidatos, o que levou Liliana a Dublin para representar Portugal no Microsoft Youth Spark, um evento global que visa criar oportunidades para jovens empreendedores na área tecnológica.
Quando esteve em Dublin, onde conheceu outros jovens como ela, de países afectados pela crise mundial e pelo desemprego, foi finalmente capaz de olhar para si mesma e para o seu trajeto de um ângulo totalmente diferente. «Foi no meio de outros projetos, nalgumas conversas com jovens de outros países e pessoas com altos cargos no panorama empresarial mundial, que percebi que não tinha de ter medo nem vergonha de experiências menos boas, pelo contrário. Noutros países, o insucesso é rotulado positivamente, ao contrário do que acontece cá. Somos muito valorizados pela força e coragem de nos colocarmos em posições menos confortáveis, de risco, em prol da criação do auto-emprego e contribuindo para o crescimento económico», descreve Liliana.
Saiu da Irlanda cheia de coragem. «Percebi que tinha de enfrentar dois medos, o dos cavalos e o de voltar à indústria têxtil». É que, apesar de adorar aqueles animais, Liliana nunca tinha montado a cavalo. E foi assim que, de volta a Portugal, começou a aprender equitação e a desenvolver a Bellator. Trabalhou com uma dupla ambição: inovar no conforto, mobilidade e resistência da roupa e ainda no design de moda. Percebeu que os cavaleiros não estavam satisfeitos com o que existe no mercado, que se tratava de um público exigente na qualidade e, ainda, que estando em causa trajes de acentuado caráter tradicional, era grande o interesse em questões de estilo.
Foi isso que apreendeu das respostas que obteve às dezenas de inquéritos que fez na Feira Nacional do Cavalo, na Golegã. «Os cavaleiros compram muitas coisas através de lojas online, querem tudo muito personalizado e estavam muito atentos a novidades e sedentos de coisas novas». Além dessa estadia na Golegã, foi a outras feiras de cavalos e ainda à feira internacional Spoga Horse, na Alemanha. O que viu convenceu-a de que podia trilhar um caminho novo.
Na altura da concepção da marca, Liliana já estava como peixe na água, percebendo como os anos a lidar diretamente com as inovações nas matérias-primas da indústria têxtil, com linhas de modelagem e de produção e com grandes clientes internacionais, tinham valido a pena. Escolheu o nome Bellator porque quer dizer «guerreiro» em latim, em homenagem ao puro sangue lusitano, que já os gregos e romanos tinham na conta de melhor cavalo do mundo. As cinco cores da coleção, uma paleta de castanhos, cinzentos, preto e branco, são os vários tons do pelo do cavalo e as peças incorporam ainda detalhes de estamparia inspirados no nobre animal, como entrançados a imitar a crina penteada dos cavalos em competição.
O mais interessante das roupas Bellator, no entanto, é a matéria de que são feitas. Recorrendo à mais recente tecnologia têxtil, Liliana Serra criou peças mais flexíveis e confortáveis, antiderrapantes e mais resistentes ao atrito e à pressão ambiental, com tecidos de toque suave, nos quais introduziu a tecnologia «liquid strech», que lhes permite recuperar rapidamente a forma, como se estivesse sempre novos. O acabamento carbono coating repele água e poeiras e as duplas fronturas - com a sua camada interior de espuma - protegem e amortecem os impactes do corpo.
Incluiu costuras reforçadas dentro das quais é possível colocar uma almofada sem ter que despir as calças - algo que um cavaleiro pode fazer, por exemplo, antes de fazer uma prova de salto ou um trote mais vigoroso. E introduziu ainda na roupa aroma a «Ylang Ylang», que é conhecido por ser calmante para os cavalos e usado em aromaterapia nos equídeos.
A primeira coleção está a ser confecionada na fábrica Cume Têxtil, em Lousada, e Liliana está a experimentar, neste processo de criação da Bellator, sentimentos bem distintos do desalento que a derrotou quando ficou desempregada e falhou como empresária. «Contei com a boa vontade de muita gente, que abriu portas a uma pessoa que não conhecia de lado nenhum e que era uma simples aluna em formação», recorda.
Liliana Serra sonha agora com os mercados onde a moda de equitação tem maior potencial, como os Estados Unidos da América e o Brasil, onde há paixão por rodeos e muita cultura equestre. Um sonho realizável agora que a Bellator já tem investidores para se lançar no mercado. A marca terá uma loja online - www.bellatorstyle.com -, com serviço de alfaiate personalizado, e vai vender também em lojas multimarca em Portugal e no estrangeiro.