Cosmética natural

Cansadas da correria, voltaram costas à vida agitada nas grandes cidades e abraçaram novas formas de vida em locais mais tranquilos. E abraçaram outro ofício também, diferente das áreas em que estudaram: o fabrico de cremes, pomadas, bálsamos, óleos e sabões artesanais de produção biológica.

Ana

NO CAMPO, PERTO DA CIDADE

Ana Vieira é uma publicitária fã de Lisboa onde já viveu e onde continua a trabalhar, mas quando começou a sentir-se demasiado claustrofóbica desafiou o marido, Vasco Martins, músico, e procuraram casa no campo. A Aroeira, perto do mar da Caparica, foi amor à primeira vista. É ali que vivem há quatro anos.

O ansiado contacto com a natureza, sem perder ligação à cidade, provocou mudanças na vida do casal. «Começaram a acontecer muitas coisas, apareceram novos amigos, abrandámos o ritmo de vida, começámos a viver mais ao ar livre», diz Ana. Foram mudanças que me foram abrindo a mente para outros horizontes. A natureza tem muita força e senti, claramente, um apelo para fazer alguma coisa mais valiosa, mais natural, que saísse das minhas mãos. Que estivesse em harmonia com a natureza.» Fã de sabonetes e cremes, Ana sempre pesquisou sobre marcas e produtos, nomeadamente os da saboaria industrial portuguesa. Um dia teve, literalmente, um sonho. Acordou e disse ao marido: «Vou fazer sabonetes!». Como é também uma amante do ioga e uma terapeuta de shiatsu, criou a marca «Mãe», que «respeita o nosso corpo e o nosso planeta». «Além disso, o nome está intrinsecamente ligado à mãe natureza e a tudo o que ela nos dá com amor e carinho.»

Ana intensificou as pesquisas, avançou com testes e, entre fórmulas que foram ficando e os falhanços naturais, surgiram os primeiros produtos que colocou à venda no início do ano passado, depois de dois anos de investigação. Começou com os sabonetes, depois os bálsamos labiais e posteriormente as mousses corporais. «Hoje a Mãe vai dando passinhos lentos, mas seguros. Isto não é simples. É preciso estudar muito, testar muito, antes de lançar um produto no mercado. A aprendizagem nunca para, estou sempre a pesquisar produtos novos, a conhecer e a estudar as propriedades dos óleos, manteigas, óleos essenciais, etc. «É um mundo novo que adoro.»

Vasco, que atualmente se dedica prioritariamente à música, é também designer, e é ele o responsável pela criação e fabrico das embalagens de madeira. É também ele que opina sobre cheiros, texturas e ideias sobre novos produtos Mãe. Ana desenvolve todo o processo de produção, desde a criação de fórmulas, o fabrico artesanal ou a escolha dos fornecedores de groselha, chá verde, sândalo, alfazema ou azeite - que tem de ser virgem, biológico e de elevada qualidade. No quintal da Aroeira, por enquanto nascem apenas os legumes para consumo próprio, mas Ana espera vir a cultivar ervas e plantas para o fabrico dos produtos.

Ana Vieira sonha tornar-se uma criadora de produtos de cosmética natural a tempo inteiro, «mas tudo tem um ritmo e tudo tem a sua hora. Saber esperar é uma virtude e, enquanto isso, é estar atenta às oportunidades».

Os produtos Mãe Bodycare encontram-se à venda em diversas lojas do país, vocacionadas para artigos artesanais ou diretamente através da página do Facebook (www.facebook.com/MaeBodycare).

Catarina

AO RITMO DA SERRA

Na aldeia de Barriosa, no concelho de Seia, junto à serra da Estrela, o tempo tem registos diferentes das grandes cidades. As badaladas do relógio da igreja guiam os dias dos habitantes que, na sua esmagadora maioria, se dedicam às atividades agrícolas. E até as crianças que, quando não estão na escola, brincam nas ruas, andam pelos campos e tomam banho no rio, se regem pelo toque do relógio: voltam a casa ao som das 12 badaladas para almoçar e das sete da tarde para jantar.

Foi este ritmo que seduziu Catarina Vasconcelos. Nascida em Lisboa, mas com raízes familiares na aldeia, depois da licenciatura em Comunicação Empresarial e de trabalhos ligados à área e depois da vida de saltimbanco para acompanhar o primeiro marido de quem acabou por enviuvar quando estava grávida, voltou à capital. Mas depressa se desencantou da profissão e da agitação da grande cidade. Aos 33 anos (atualmente tem 40), pegou na filha Leonor, então com 6 anos, e rumou à casa de família para «viver do que a casa e a terra nos pudessem dar».

Foi lá que conheceu o atual marido, Carlos Santos, que também já tinha decidido deixar Lisboa. Juntos deitaram mãos à obra. Começaram a cultivar terras propriedade de ambas as famílias e rapidamente se dedicaram a produzir compotas, doces, conservas, azeite, licores, jeropiga, aguardente e vinho, que começaram a comercializar.

Na casa da família, agora batizada «Casa dos Fanicos», Catarina também voltou a confecionar peças de artesanato de lã e tecido, uma paixão que já tinha iniciado na capital com um curso de tricote a compra de uma máquina de costura que aprendeu a manobrar sozinha. «Aqui vivemos ao ritmo das estações do ano», diz Catarina. «No verão deixo de lado as lãs e trabalho os algodões, vivemos entre a cozinha, o terraço e o quintal e a casa está cheia. Irmãos, cunhados, sobrinhos e primos para aqui vêm passar o verão. É um corrupio de crianças que brincam na rua e no rio. No outono, começamos a dar mergulhos no rio e acabamos a estação a escorregar na neve. É a época das vindimas, das abóboras e das maçãs e o forno está sempre ligado, pronto para os assados e bolinhos. No inverno é apanhada a azeitona e feito o azeite e em casa fecham-se as janelas.»

Entretanto, nasceu outra paixão... Catarina nunca gostou de cremes industrializados ou de essências alteradas com químicos. Por isso, quando um problema de saúde a confrontou com necessidade de ter de recorrer a um creme cicatrizante, procurou aprender a fazer um produto com essas caraterísticas. A calêndula, uma planta da família das margaridas, que cultiva no quintal, além dos legumes que comem em casa, era a ideal para o fabrico do creme, mas só para encontrar cera limpa, um ingrediente essencial, foi preciso um ano. O casal não produz mel, mas um apicultor da aldeia garante o fornecimento. Catarina trata da purificação da cera. E assim nasceu, em 2013, o primeiro creme cicatrizante para queimaduras e arranhões preparado à base de calêndula.

Depois vieram os outros... Na Casa dos Fanicos fabricam-se, além do creme de calêndula, cremes de alfazema, mel e menta, este aconselhado para estimular e hidratar a pele. As pesquisas continuam e já se fazem preparativos para avançar este ano com o creme de arnica, ideal para nódoas negras e hematomas. O que começou por ser uma necessidade familiar acabou por se tornar um negócio. E os pequenos lotes vão passar a produção de maior volume. Avançaram também com o fabrico de cera para madeiras e preparam-se para fabricar velas. A família produz tudo, até os rótulos e etiquetas.

Catarina Vasconcelos não está arrependida. Os filhos (entretanto nasceu o João) gostam de viver na aldeia. «As crianças também se envolvem nas atividades da casa e do campo. Ajudam nas vindimas, na apanha da azeitona, nas sementeiras, a cuidar do jardim e adoram percorrer a aldeia a ver as cabritas e outros animais.» Na Casa dos Fanicos, em Barriosa, dois quartos foram preparados para receber visitantes e turistas recomendados. E para divulgar e vender os produtos, a empresária participa em feiras de artesanato na região, confia no boca a boca e tem uma página no Facebook (www.facebook.com/casa.fanicos).

Denise

FILHA DA TERRA

Denise Pereira vive em Touriz, no concelho de Tábua, com o namorado, Rúben Martins. Estudou Conservação e Restauro e ainda Ourivesaria. Andou por grandes cidades e trabalhou na área, até que as saídas profissionais deixaram de existir. O amor pela natureza levou-a a encontros ligados ao tema e num deles conheceu Rúben, natural de Soure. E, juntos, tomaram a decisão de ir para Touriz e viver da terra.

Criaram uma horta com métodos de permacultura e cultura biológica, semearam plantas medicinais e ervas aromáticas e começaram a colher espécies selvagens. Paralelamente avançaram com pesquisas sobre os benefícios de diferentes espécies. «Depois de descobrir que havia muitos produtos nocivos nos cosméticos, um dia, há quatro anos, experimentei fazer sabão natural», diz Denise. «Nunca mais quis outra coisa. Daí a pensar em fabricá-los foi um pequeno passo.»

Se inicialmente na aldeia começou por viver da horta e fazer algumas peças de ourivesaria, depressa a jovem de 31 anos avançou com produtos cosméticos naturais. O casal criou a marca «Filhos da Terra» e atualmente dispõe de uma gama de produtos que inclui sabões de diferentes propriedades e aromas, cremes, pomadas, bálsamos, óleos, desodorizantes e perfumes. Os ingredientes são todos naturais e o processo de fabrico também. A casa tornou-se num «laboratório de alquimia».

À cabeceira, a «bíblia das plantas», Segredos e Virtudes das PlantasMedicinais (Seleções do Reader"s Digest). Na cozinha, o azeite, a cera, o óleo de coco, o óleo de amêndoas doces, o bicarbonato de sódio e muitas ervas - algumas comestíveis. Denise Pereira redescobriu segredos ancestrais que a levaram a incluir na sua alimentação vegetariana ervas como as malvas, ortigas, saramagos, calêndulas, serralhas ou camomila. «Uma boa alimentação garante boa saúde, logo menos visitas aos médicos, menos custos e uma vida mais saudável.»

Denise e Rúben vivem do que a terra dá e do que Denise produz. Com sumo de limão e óleo usado que recolhe na vizinhança, produz um sabão ideal para a cozinha. Das cinzas das mimosas, um sabão para lavar a roupa. Com leite de cabra fabrica sabão para o corpo. Chocolate, café, chá verde, canela, aveia e mel, menta, alfazema, ervas medicinais, mistura de sal marinho e flores, abacate e romã, cerveja e esteva ou pinho são outros aromas. Só para produzir um sabão, Denise necessita de quatro semanas, mas a paciência é abundante e em casa não há distrações. Há muito que não têm televisão, apenas os livros, a música e um gato como companhia. Da sua persistência já resultou uma gama de produtos procurada nas feiras de artesanato onde vai ocasionalmente, porque o seu forte é vender pela loja virtual (store.openentry.com/filhosdaterra/home) e na página do Facebook (www.facebook.com/filhos.daterra.3).

Adepta do calendário biodinâmico, Denise dá importância às épocas do ano, às fases da Lua e até à hora do dia para recolher as ervas. Toma conta de todo o processo, desde o cultivo das plantas e ervas, apanhas nos bosques, secagem e fabrico propriamente dito. Também faz as caixas para os sabões, rótulos e etiquetas. Compra apenas as embalagens, portugueses de preferência. Rúben, designerde formação, cuida de toda a imagem.

Denise regista todos os passos que dá. As receitas poderão vir um dia a dar origem a um livro, mas por enquanto a jovem quer mesmo é continuar a pesquisar e a criar novas fórmulas. Já faz produtos por encomenda tendo em conta o gosto particular de cada um pelas essências, os aromas e até o fim a que se destinam os produtos. Os dotes são ainda alargados ao fabrico de compotas, conservas e doces que também vende.

COMO FAZER UM DESODORIZANTE NATURAL?

Ingredientes: duas colheres de sopa de bicarbonato de sódio, duas colheres de sopa de amido de milho, meia colher de sopa de azeite virgem extra, uma colher de café de óleo macerado de alfazema e uma de óleo macerado de canela.

» Misturam-se primeiro os pós, depois o azeite e os óleos. Obtém assim «um maravilhoso desodori­zante, antisséptico, antibacteriano e antifúngico, que neutraliza os odores e deixa as axilas suaves e macias» garante Denise Pereira.

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