Troca. Portugal deu a Itália agente da CIA e quer espião russo
A extradição de Sabrina de Sousa está assegurada, falta agora a justiça italiana entregar o espião russo a Portugal
A extradição para Itália da ex-espia da CIA, Sabrina de Sousa, confirmada nesta semana pelo Tribunal Constitucional, é considerada pelas autoridades portuguesas como mais um trunfo jurídico a favor da extradição por aquele país do alegado espião russo da SVR (ex-KGB), detido em Roma com o agente do SIS (Serviço de Informações de Segurança) Frederico Carvalhão Gil.
Os italianos querem Sabrina de Sousa a cumprir pena em Itália, onde foi condenada, à revelia, sob a acusação de ter participado no sequestro de um islamita egípcio. Os tribunais nacionais concordaram, apesar de a ex-espia ter nacionalidade portuguesa e agora, consideram fontes judiciais ouvidas pelo DN, é a vez de Itália fazer o mesmo com o cidadão russo, que estaria ao serviço das secretas externas de Vladimir Putin.
Ambos os casos têm em comum o facto de na origem dos processos de extradição estarem mandados de detenção europeus, um instrumento com um peso jurídico muito forte na salvaguarda da soberania dos países da União Europeia. A regra de ouro é que os crimes cometidos contra um Estado devem ser julgados nesse Estado, porque é ele que emite o mandado.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O alegado espião de Moscovo foi alvo de um mandado de detenção europeu emitido por Portugal e está ainda preso em Roma. O russo contesta a sua extradição e a pressão política, não assumida oficialmente, pela diplomacia do Kremlin não tem funcionado junto dos juízes italianos que o mantém em prisão preventiva. As autoridades portuguesas esperam que seja extraditado para ser julgado no nosso país.

Sabrina Sousa esteve entre os 23 agentes da CIA condenados, à revelia, pelo tribunal italiano, sob acusação do sequestro, em 2003, de um clérigo muçulmano, numa rua de Milão, para ser depois torturado numa prisão secreta do Egito
© Getty Images
"O que aqui se demonstra é que os argumentos jurídicos e as regras europeias estão acima de qualquer argumento político ou de aliança política. A ex-espia tem nacionalidade portuguesa e os EUA são aliados tanto de Portugal como de Itália, mas isso não impede que seja extraditada para cumprir pena de prisão. O cidadão russo está indiciado por ter cometido crimes contra o Estado português e se as autoridades italianas o prenderam com base nos argumentos expressos no mandado de detenção europeu, apresentados por Portugal, é porque também validam esses argumentos. Não haverá margem, muito menos política, para não extraditar o russo", explicou ao DN uma fonte que está a acompanhar o processo.
Contra a defesa do russo e a ajudar o tribunal italiano a decidir a favor da sua extradição, existe ainda outro argumento jurídico. Quando o juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, decidiu manter Carvalhão Gil em prisão preventiva, mostrou aos congéneres italianos que validou os argumentos do Departamento Central de Investigação e Ação Penal que sustentaram o mandado de detenção e que fundamentavam a suspeita dos crimes de espionagem, violação do segredo de Estado e corrupção. E que os mesmos argumentos podem valer para a extradição do russo. "Em causa está a soberania dos Estados e, para os italianos, a escolha é entre respeitar Portugal e as regras europeias, ou ceder à Rússia, a qual neste momento é considerada como uma ameaça à NATO, à qual a Itália pertence", sustenta a mesma fonte.
O prazo para a decisão ainda não se esgotou, mas as autoridades italianas têm dado sinais de que aprovam a tese dos portugueses. Essa é, pelo menos, a perceção de quem esteve envolvido na inédita Operação Top Secret, executada pela PJ e pelas forças especiais da polícia italiana. Logo no momento da detenção, o russo exibiu um passaporte diplomático, numa tentativa de impor um estatuto de imunidade, mas os italianos não cederam. O russo não estava registado como diplomata em Itália e esse facto levantou mais suspeitas. O estatuto de diplomata é utilizado pelos agentes secretos dos países quando precisam de uma cobertura oficial, mas o facto de este não estar registado eleva o patamar da relação com Carvalhão Gil. Só os espiões "ilegais" são envolvidos em operações de espionagem de grande dimensão.
A utilização do passaporte diplomático por parte do russo tem outro efeito. Este contra Carvalhão Gil. Deita também por terra, na opinião de fonte próxima da investigação, a teoria, que tem sido a base da sua defesa, segundo a qual o encontro de Roma seria para fazer "negócios" com o russo. "Se era para isso então porque é que o russo precisou de mostrar o passaporte diplomático?", questiona a nossa fonte. O espião do SIS tinha consigo vários documentos secretos da NATO, entre os quais um relatório sobre a Rússia.