Fernando Negrão: "Se Passos chumbar, PR deve indigitar Costa"

Entrevista a Fernando Negrão. O candidato da coligação PSD-CDS a presidente da AR não ficou surpreendido com a derrota e até assinala ter tido o pleno dos votos dos dois partidos

Estava à espera deste resultado?

Direi mesmo que excedeu um pouco as minhas expectativas porque como sabe temos 107 deputados (o conjunto do PSD e CDS-PP) e normalmente não se faz o pleno. E desta vez fez-se o pleno e mais um voto.

Verdadeiramente não esperava que houvesse uma transferência dos votos do PS para o eleger?

Era uma expectativa que eu tinha longínqua, mas perto não.

Como vê o facto de ter sido eleito um presidente que não pertence ao maior partido parlamentar?

Como uma quebra das tradições parlamentares. Porque as tradições parlamentares são fundamentais no trabalho parlamentar seja em que Parlamento for, e é tradição desde 1974 que o presidente emana do partido que ganha as eleições. Portanto, vejo isso com preocupação, porque quando se começam a quebrar as tradições, designadamente as parlamentares, o trabalho parlamentar que já é atípico torna-se mais complicado e confuso para quem assiste, portanto, para os portugueses.

O Presidente da República disse que a maioria de esquerda lhe parecia inconsistente, mas essa maioria elegeu o presidente da AR. Acha que afinal essa inconsistência não se confirma, ou isto não é representativo do que poderá ser um dia uma governação da esquerda?

A inconsistência a que o Presidente se refere é a inconsistência da inexistência de uma maioria de esquerda que inclui dois partidos políticos que são contra a nossa manutenção na UE, contra a moeda única e, designadamente, em termos de política euro-atlântica, contra a nossa permanência na NATO.

Logo, esta votação para presidente da Assembleia da República não prova nada.

Esta votação não prova nada sobre isso.

O senhor e o Dr. Ferro Rodrigues foram do MES. Militaram conjuntamente ou não calhou?

Não calhou. Podemos ter sido contemporâneos no período anterior ao 25 de Abril de 1974 e no imediatamente posterior. Sabemos ambos que fomos contemporâneos, mas nunca calhou cruzarmo-nos.

Todas as críticas que faz à eleição de Ferro Rodrigues não têm então carácter pessoal?

De maneira nenhuma. Não tenho problemas de natureza pessoal com ninguém nesta casa, mas as relações políticas são diferentes.

Anteviu no discurso do Presidente da República a possibilidade real de ele não dar posse a um novo governo caso seja chumbado o governo do Dr. Passos Coelho?

Não, não vi essa possibilidade real. O que vi foi um Presidente extremamente preocupado com as três circunstâncias que lhe referi, muito preocupado com o país, que tem que ver com essas três circunstâncias, que são elas próprias contraditórias com o de-senvolvimento do país e com a manutenção do rigor das contas públicas, por exemplo.

Então na sua análise não se antevê uma situação de bloqueio total em que haja um governo em gestão corrente durante longos meses e ainda por cima minoritário na Assembleia da República?

Na minha interpretação não vejo que seja essa a situação.

Nem é desejável que seja?

Na minha opinião não é desejável que seja essa a situação.

Portanto, acha que se este governo for chumbado o Presidente da República deveria indigitar...

Deve chamar o líder do segundo maior partido e exigir-lhe, obviamente, que apresente uma coligação consistente - voltamos à palavra consistente. E pelos elementos que temos, ainda não há nenhum acordo consistente entre PS, BE e PCP.

Mas tem de ser uma coligação em que BE e PCP participem no governo ou pode ser um acordo de incidência parlamentar?

Usaria as palavras de Jorge Coelho: tem de ser um documento devidamente elaborado, por etapas, por sessões legislativas, com as medidas a tomar em cada uma das sessões legislativas até quatro anos e devidamente assinado pelos três responsáveis dos três partidos.

Como é que viu a sua indicação pelo PSD para candidato a presidente da AR? Acha que resultou do seu trabalho na legislatura passada, na comissão do BES?

Acho que sim, que foi essa a razão. Não só na comissão de inquérito ao caso BES mas na primeira comissão onde estive durante os quatro anos, e não quero ser eu a dizer, mas todos os partidos reconheceram que o trabalho que todos juntos produzimos foi um trabalho de qualidade.

Viu então a sua não eleição como uma derrota, digamos, honrosa.

Em democracia, eu olho para as vitórias da mesma forma que olho para as derrotas e não tenho uma visão cínica da política. Ou seja, não sou daqueles que só aceitam desafios em que possam ganhar.

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