Problemas dentro do governo deixam de fora deduções para educação
Novo sistema de deduções chegou a estar desenhado mas caiu na reta final. Costa achou que ninguém o iria entender
Mais do que uma questão orçamental, foi uma questão eminentemente política que levou o governo a desistir de apresentar no OE 2017 qualquer proposta de alteração à forma como as despesas de educação podem ser contabilizadas no IRS.
Fonte ligada às negociações do processo orçamental referiu explicitamente ao DN problemas de "falta de consenso dentro do governo", não tendo havido "tempo para dirimir essas questões". A mesma fonte acrescentou que o primeiro-ministro teve um papel decisivo nas considerações políticas que foram feitas e que levaram o governo a travar a proposta. Esta estava no essencial feita e chegou a ser revelada publicamente, no Jornal Económico: "O Orçamento do Estado para 2017 vai concretizar o novo modelo de deduções fixas na educação. No próximo ano, todas despesas, independentemente do setor e da taxa de IVA, vão passar a ser consideradas como despesas de educação. O valor a abater ao IRS - que deixará de variar em função do nível de despesa realizada - ainda está a ser acordado entre PS, BE e PCP. O Jornal Económico sabe que a dedução será progressiva, dependendo do número de dependentes matriculados ou em idade de escolaridade obrigatória", lia-se numa notícia publicada em 16 de setembro.
Para perceber as considerações políticas há que perceber como funciona atualmente o esquema das deduções por despesas escolares no IRS. O que conta, no essencial, são despesas com propinas e manuais (certificadas com faturas). Podem apresentar-se despesas até quase 2700 euros/ano e estas, no limite máximo, podem implicar um reembolso de 800 euros.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Ora o governo percebeu que um sistema destes prejudica quem tem por exemplo um filho (ou mais) no ensino obrigatório público, no qual não se pagam propinas. Só apresentando faturas de manuais escolares nenhuma família só com filhos no ensino público gratuito consegue apresentar despesas no limite do possível ( 2700 euros) e portanto poder aceder ao máximo reembolso possível.
Dito de outra forma: o sistema beneficia sobretudo quem pode colocar como despesas no IRS o dinheiro que gasta em mensalidades escolares, portanto, as famílias com filhos no ensino privado (ou no ensino superior, público ou privado). Só com essas despesas é possível a uma família comum apresentar o máximo de faturas e portando receber o máximo de reembolso.
Em traços grossos, a solução poderia passar por reduzir os limites de despesas dedutíveis. E englobar outros gastos que as famílias têm com os filhos que estudam: transportes, refeições e até vestuário para a ginástica. Além disso, há propinas e há propinas: no ensino obrigatório são voluntárias (ninguém é obrigado a ter os filhos num colégio privado); mas nas creches, por exemplo, essa obrigação existe, visto que o Estado não cobre minimamente a procura.
O ministro do Ensino Superior não gostou da ideia porque a "comunidade" de famílias que ele próprio tutela seria prejudicada (as despesas com propinas das universidades contariam menos). Mas surgiu uma questão de "perceção política" - e foi esta a mais relevante.
Como explicou o interlocutor do DN, "a maior parte das pessoas iria achar genericamente que se estariam a baixar as despesas dedutíveis de educação". Isto quando o propósito inicial era justamente o contrário, redistribuir o esforço beneficiando as famílias mais desfavorecidas, aquelas que não podem ter os filhos num sistema de ensino pago. "Ninguém iria perceber."
Para uma das partes envolvidas nesta negociação, o Bloco de Esquerda, não é no entanto líquido que esteja definitivamente arrumada a possibilidade de, durante a discussão na especialidade, o assunto ser retomado. "Não está fechado, está a ser estudado", afirmou ontem numa entrevista ao Jornal de Negócios a líder do Bloco de Esquerda. O problema é político mas requer uma solução técnica complexa. Se será resolvido é o que está por se saber.
O que parece já claro é que o governo está recetivo a estudar uma outra proposta relativa ao IRS (do PEV e do PAN), a de incorporar os passes sociais nas despesas dedutíveis, premiando assim quem usa transportes públicos em vez de transporte privado.