"Para se casar em Junho já vai tarde, menina"

"A 30 de Junho e ainda não viu nada?" É com um olhar de espanto e a interrogação na voz que Ana Isabel reage ao ar descontraído com que lhe digo que, apesar de faltarem apenas cinco meses para o casamento, ainda não experimentei um único vestido de noiva. À funcionária desta loja de Lisboa parece custar-lhe mesmo a crer que eu ainda não tenha sequer visto catálogos, nem tão- -pouco tenha uma ideia sobre o assunto.

"Olhe que já vai tarde, menina, pois ainda vai precisar de três provas", avisa, convidando-me a sentar e estendendo-me para a mão os cinco catálogos, onde se exibem louras e morenas de medidas top model com vestidos para todos os gostos e preços. "Pareço-lhe muito descontraída, é?", prossigo, tentando pôr-me a par dos timings deste processo complexo que vai da decisão do casamento até à subida ao altar. "Parece, parece", apressa-se a responder quem já anda nisto há muitos anos e sabe como é difícil transformar uma simples menina ou mulher numa noiva como as das revistas que tenho à frente.

Os vestidos têm de ser feitos à medida, pois não se adaptam os do expositor. E depois de escolher o modelo ainda são necessárias as provas, explica-me a funcionária, acrescentando que pensar nos acessórios, brincos, véu ou sapatos, antes de ter o modelo definido é pôr o carro à frente dos bois. Não vale a pena. "Se for um vestido simples, pode levar uma jóia mais elaborada. Mas se for trabalhado e levar brincos e fios grandes, pode parecer uma árvore de Natal."

Passo das imagens de catálogo aos expositores, apurando a textura dos tecidos e imaginando-me dentro dos modelos que me passam pelas mãos. Sempre chegada à montra para que o Vasco Neves, o colega que me acompanha nesta aventura e tanto faz de fotógrafo como de noivo, me apanhe com a objectiva do outro lado da rua.

Quero algo simples, liso, com alças a atar no pescoço, sem caudas daquelas que varrem uma igreja da entrada ao altar. "No catálogo gostamos de todos. Elas são manequins, todas bonitas e com as medidas certas", explica-me, frisando que é na escolha do que cai bem a cada corpo que reside o busílis do problema.

Neste caso, modelos caicai e saias rodadas estão fora de questão, pois a minha altura não suporta formatos destes. Mais do que ser, é preciso parecer, e as noivas querem-se bem-parecidas e elegantes. Apresso-me a tentar o passo seguinte. Provar um vestido, algo que me faça sentir uma noiva a sério e transporte para esse imaginário. Mas, mais uma vez, a minha descontracção é quase encarada com indignação. "Não pode provar apenas um vestido! Tem de vir com tempo e experimentar uns cinco ou seis!", diz-me a funcionária da loja, fazendo cair por terra esta minha aspiração. "Porque se prova um e não gosta, vai achar que nada lhe fica bem e começar a ficar preocupada", responde Ana Isabel, convidando-me a trazer a mãe, a madrinha, a amiga do peito para opinar sobre o assunto.

O encontro fica semiagendado e levo já um modelo em mente, o Felicidade, cujo nome traz bom augúrio mas tem também um preço razoável para uma noiva modesta como eu: 895€.

Já levo a primeira lição do dia: preparar um casamento exige tempo e cinco meses não parecem chegar. Em stress total estaria se tudo isto fosse mesmo verdade. Se fosse casar-me no dia 30 de Junho, a primeira data que me veio à cabeça, e a aliança que escondi no bolso à pressa e já quase à porta da loja, não fosse minha já há algum tempo. Depois de escolher o modelo, seriam provas e mais provas, a escolha do véu, dos sapatos e outros acessórios. Em pânico estaria se o vestido fosse o primeiro passo na organização do casamento.

A procura de quintas para a festa confirma ainda mais esta teoria. Na Quinta do Torneiro, em Oeiras, onde nos dirigimos para escolher um espaço para o jantar, já não há vagas para o mês de Junho. Impossível, a menos que decidamos casarmo-nos num dia de semana. Nem para Setembro, dia 5, a data que apontamos como alternativa e que, neste caso, funciona também como justificação para continuar a conversa com o responsável do espaço.

Com uma simpatia que se vai manifestando à medida que ganha a nossa confiança, o sr. José Maria mostra-nos as salas desta casa do século XVIII, com painéis de azulejos e talha trabalhada, e as várias valências: o espaço para o jantar, o jardim, a sala para o cocktail, o bar, as mesas da ceia, um quarto para as crianças brincarem ou os noivos trocarem de roupa.

"A vantagem é poderem usar a casa toda", explica-nos o anfitrião, sublinhando que na maioria das quintas a casa não está à disposição e o copo-d'água acaba por acontecer numa tenda montada para o efeito. O preço do aluguer do espaço varia consoante o número de pessoas, o dia da semana (à sexta e domingo é mais barato), e os serviços prestados.

No nosso caso, uma boda com 150 pessoas a realizar num sábado, ficaria em 22,50€ por convidado. À parte seria cobrado o catering (que não ficaria a menos de 65-70€ por pessoa), e a contratar com uma empresa à parte, o cocktail, uma decoração especial, a taxa de ocupação da cozinha ou a decoração floral.

No total, e contas por baixo, cada convidado não nos sairia a menos de cem euros. A nós, não, porque assumimos que isto ainda seria um casamento à moda antiga, em que os pais patrocinam a aliança dos filhos. E esta quantia apenas se a festa não se alongasse para além das nove horas contratualizadas. Esperemos que não, pois seriam mais 250 euros a somar por cada hora.

"O casamento é às 17.00, em Cascais", atiro, sem pensar. "Não estaremos aqui antes das 18-30. Mas às quatro da manhã já deve estar tudo a cair para o lado", avanço, surpreendida com a minha própria capacidade para inventar e fazer render a história.

Mostramo-nos inexperientes na matéria e pedimos conselhos para tudo. Com uma lista de contactos de empresas de catering, DJ e fotógrafos na mão, o responsável pelo espaço vai-nos ditando números e aconselha: "Nesta quinta, ou noutra qualquer, escolham sempre uma boa comida", pois, quando é má, é esta a imagem da festa que fica. E a quinta, mesmo que alugue apenas o espaço, ficará conotada com esta impressão que os convidados levam para casa.

Mesmo não arriscando uma pré-reserva, para não defraudar expectativas a este senhor que tão agradavelmente nos atende, pedimos para ver tudo: salas, jardim, até as casas de banho. E tudo parece enquadrar-se no que procuramos: simples mas requintado e com vários espaços para criar ambientes distintos: o bar para servir os amigos mais novos, a sala para os familiares mais velhos poderem conversar longe do barulho, o espaço para as crianças, entregues a uma ou duas babysitters, estenderem brinquedos, lápis e papéis e deixarem os pais mais à vontade. Cá fora, haja bom tempo, e o espaço também pode ser rentabilizado. "Podemos até por uns puffs para as pessoas estarem sentadas."

À saída ainda espreitamos a capela, mesmo à entrada da casa, embora sejamos obrigados a desistir imediatamente da ideia de aí casarmos. "Não podemos celebrar casamentos aqui. Não é permitido", responde o responsável da casa.

Depois de fazer contas às despesas, está na hora de pensar nas receitas. Sim, porque os casamentos à moda antiga ainda continuam a ser um bom negócio para os noivos: os pais pagam a festa e os filhos mobilam a casa e vão de lua-de-mel com as ofertas dos convidados.

É no El Corte Inglés que vamos pôr a nossa lista de casamento e é para aí que nos dirigimos já a seguir. O esquema é aliciante. Escolhemos uma série de produtos que nos façam falta (num mínimo de 1202€) - desde os electrodomésticos, ao faqueiro, à televisão, à PlayStation ou a qualquer outro artigo para a casa -, abrimos uma lista e os convidados oferecem o que quiserem. Na totalidade ou em fracções definidas por nós, na Internet, por transferência ou no balcão. As vantagens são enormes, explica-nos a funcionária do piso 5, pois na prática é um crédito que fica no cartão e do qual podemos usufruir durante seis meses. Em qualquer coisa, até nas contas de supermercado. Melhor: na hora de fechar a lista não somos obrigados a adquirir os produto, podemos trocá-los por outros.

"O pior é se alguém vai lá a casa e pergunta pelo presente que deu", digo. O objectivo é não termos produtos repetidos, argumenta a nossa interlocutora, aconselhando-nos a não definir fracções muito elevadas para satisfazer todas as carteiras. O mesmo conceito se aplica na agência de viagens onde vamos tratar da lua-de-mel

Para tratar das alianças, os cinco meses que nos separam da data deste casamento fictício são mais do que suficientes. Aliás, de todas as tarefas inerentes ao evento, esta parece ser a mais fácil de resolver. A noção do que queríamos estava bem clara: uma aliança clássica, de ouro normal, ligeiramente amendoada para não inco- modar no dedo. Resta-nos definir o tamanho e o que escrever no interior da aliança. O preço, o que mais nos interessava saber, não se pode estimar. "Depende do ouro, da sua cotação. Peça um orçamento e logo verá", explica-nos a dona de uma ourivesaria na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa.

No Príncipe Real encontro uma loja que mais parece fazer das flores autênticas peças de arte. O conceito também se paga caro e dois bouquets (um para guardar e outro para oferecer, como é costume) não ficarão por menos de 250 euros. Por este preço, levarei em princípio um ramo de rosas brancas com uns crisântemos verdes.

Apesar de ter ficado com a ideia do que pretendo, quem me atende não arrisca pormenores. Diz-me apenas: "Traga uma imagem do vestido, e logo se vê. Sem isso não consigo dizer o que se pode fazer", explica-me, em tom divertido. Mesmo antecipando esta união fictícia para 7 de Março, ainda vou muito a tempo de fazer a encomenda.|

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG