"Os sucessivos ministérios não confiaram nos seus diretores"
O representante dos diretores das escolas públicas, Filinto Lima, pede ao Ministério da Educação mais confiança em quem desempenha o cargo
Para a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas [ANDAEP] é fundamental recuperar o mecanismo que lhes permitia contratar professores?
Pelo menos às escolas TEIP [Territórios Educativos de Intervenção Prioritária] e com contrato de autonomia, devia ser-lhes concedida a faculdade de contratar alguns professores (horários das necessidades residuais), tendo em conta o seu projeto educativo, com recurso a critérios o mais objetivos possível, aprovados em conselho pedagógico e validados pelo conselho geral. Através de uma reserva de recrutamento que agilize a colocação e a substituição dos professores.
Está o sistema de ensino preparado para confiar nos diretores?
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O sistema de ensino confia nos diretores, pois são altamente capacitados para as funções que desempenham. Se repararmos bem, grande parte dos diretores das escolas valem-se da experiência, pois exercem a função há muitos anos, sendo reconhecidos pelas comunidades educativas. São estes profissionais que muitas vezes fazem de fiel de uma balança, em que num prato estão os interesses dos sindicatos e no outro a política educativa representada pelo Ministério da Educação (ME). Este equilíbrio tem sido apanágio na defesa intransigente da escola pública. O ME só tem razões para acreditar nos seus diretores! Estes pretendem uma liderança (e gestão) orientada para a autonomia e a responsabilização, que tarda em chegar. O ME deverá olhar para os seus diretores e membros das direções, com uma visão empreendedora e futurista, dignificando uma função exercida por professores competentes, empenhados, experientes e habilitados que trabalham quantas vezes sem rede, por sua conta e risco.
O modelo de gestão com diretores só é contestado pelos sindicatos?
Alguns sindicatos contestam não tanto a figura do diretor, mas a constituição do corpo eleitoral que o elege (21 elementos do conselho geral). Este órgão é o mais importante de uma instituição educativa, com um papel de grande responsabilidade, elegendo os diretores de uma forma democrática, pois os seus elementos também foram eleitos pelos seus pares. Porém, caso o entendimento generalizado seja outro, estamos cá para o discutir, sendo certo que apesar de o diretor ser um órgão unipessoal adota na sua atuação práticas colegiais, até porque a grande maioria é proveniente dos anteriores conselhos diretivos e executivos. Seja como for, é preferível este modelo de eleição do diretor do que a nomeação para o cargo por parte dos governantes, o que faria desaparecer o valor que Abril nos trouxe e que, em diversas situações, tem sido desprezado e até esquecido, em prol de outros interesses...
Os sucessivos governos falam em dar mais autonomia às escolas, mas acabam sempre por ficar aquém desse objetivo. Porquê?
Os sucessivos ministérios da Educação [ME] não confiaram nos seus diretores. A falta de confiança nas escolas é outro problema. A desconfiança nos seus líderes, os diretores, por parte do ME, afeta o percurso da educação. Esta carece de sinais exteriores de verdadeira cooperação, que tardam em ser dados por parte dos governantes, ou que são transmitidos quando estes se sentem incapazes de per si resolver o problema que criaram. O monstro que é o ME ficaria mais controlado se a confiança nos que lhe estão subordinados fosse um facto. A palavra autonomia é vã e está todos os dias nos discursos políticos e na legislação que invade as escolas. Contudo, na verdade, cada vez é menor ou mais limitada. Espero que este ME consiga tornear esta questão, abrindo mão de, pelo menos, questões pedagógicas e organizacionais que as escolas, conhecedoras das suas realidades, melhor saberiam gerir.
As escolas não podem ser joguetes dos partidos políticos e, nesta matéria, é mesmo desaconselhável que o sejam
Os diretores têm voz junto do atual ministério?
A ANDAEP é relativamente recente [nasceu em junho de 2009] e tem vindo, de forma séria, persistente e colaborativa a fazer o seu trabalho, no apoio que dá aos diretores e direções executivas, tendo como pano de fundo a defesa da qualidade da escola pública, que conta com excelentes professores e funcionários. Já no governo em que Nuno Crato foi ministro, sobretudo no seu último ano de mandato, fomos ouvidos (formal e informalmente) sobre assuntos diversos, propostos por nós ou sobre os quais nos foi pedida opinião. Este governo desde o início que nos considera parceiros, atendendo às diversas reuniões e auscultação que já mantivemos até esta data. Quem ganha é o sistema educativo. O caminho terá de ser este, o da cooperação, colaboração e comprometimento.
Mas não estão a perder importância, com o fim das contratações, por exemplo?
O diretor é muito bem aceite pelos alunos, professores, funcionários e comunidade educativa, acarinhado por todos. A sua importância não está relacionada com o poder que detém, mas antes com a forma como desenvolve a sua atividade em prol do sucesso educativo dos alunos. É isto que move os diretores e as suas equipas, motivados pelos excelentes profissionais que os acompanham diariamente, na escola, que tudo fazem para o sucesso dos alunos, mesmo quando não têm o apoio adequado da tutela. A figura do diretor ganha cada vez mais uma expressão muito positiva no sistema educativo.
No processo de municipalização, como estão as escolas a ser envolvidas?
Devem ser definidas objetivamente as competências/funções a transferir, sendo desaconselhável que, em nome da "eficácia e eficiência" e da proximidade (a principal mais-valia), valha tudo. Uma correta e clara definição de competências a nível central, municipal e escolar evitará posteriores conflitos de interesses e deverá ser salvaguardado. Não se pretende que em cada município exista um mini-ME, desresponsabilizando-se por completo este setor governamental e, muito menos, que se criem empresas municipais de educação que retirariam as escassas margens de autonomia de que as escolas dispõem, abrindo lugar à politização e à dependência nefasta local de uma área, cujos profissionais bem dispensam. As escolas não podem ser joguetes dos partidos políticos e, nesta matéria, é mesmo desaconselhável que o sejam. Proponho um debate amplo e alargado desta questão, por forma a que o consenso seja atingido, e um pacto celebrado para ser cumprido, independentemente da composição do governo que, no nosso país, é periodicamente alternado. As questões estruturantes da educação merecem não fazer delas constantes salas de experiências que, quantas vezes bem-sucedidas, são deitadas ao lixo, sabe-se lá porquê.