"Não há razão para um português não ser selecionado para astronauta"

Hugo Marée, o diretor do Gabinete de Educação e Gestão do Conhecimento da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), esteve no lançamento da competição nacional do CanSant 2018, na ilha de Santa Maria, nos Açores, onde deu uma entrevista ao DN

O espaço exerce um grande fascínio junto dos jovens.

É verdade. Há muitos anos li um estudo feito no Reino Unido sobre o que interessava às crianças e eram sobretudo duas coisas: dinossauros e espaço. Como o espaço é extremamente atrativo para os jovens, logicamente usamos isso para estimulá-los para estas áreas. Nos próximos dez anos, basicamente dois terços dos engenheiros no mercado de trabalho - de todas as áreas - vão reformar-se, por isso, em toda a Europa há a necessidade de os substituir e basicamente precisamos de estimular o interesse nestas áreas para que os jovens prossigam estudos no que chamamos as áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e depois sigam carreiras nestas áreas e, em particular, no espaço.

É esse interesse que a ESA procura em competições como a CanSat?

Mas vai além disso. Como já disse, a comunicação é muito importante, porque estes jovens estão a defender e a apresentar os seus projetos para um júri, têm de fazê-lo em inglês, têm de compreender o que estão a fazer, têm de responder a questões. Vai muito além da atividade manual de construir o satélite, é um projeto muito completo.

Como são eles a fazer tudo, aprendem também mais?

É aprender fazendo. É muito melhor, mas é complementar do ensino tradicional. Acho que ajuda a suportar uma aprendizagem mais académica. Fazer erros, medir variáveis e reduzir as falhas é muito importante. Não substituiu uma boa aula de matemática ou tecnologia ou informática, mas é complementar. É muito estimulante, porque o que aprendem aqui vão aplicar mais tarde na escola e penso que para os professores também é muito importante poderem participar nestes projetos com os alunos.

Tem oportunidade de acompanhar a CanSat por toda a Europa. Há diferenças entre os países?

Não. O que mais me impressionou é a seriedade com que estes jovens encaram o projeto, fazem mesmo as coisas seguindo os regulamentos, é muito bom vê-los. Amanhã posso ir para a Bélgica, Reino Unido, Irlanda e o entusiasmo é o mesmo. Eles estão orgulhosos do que fazem e, tal como disse no meu discurso de abertura, estes jovens são todos vencedores. É um concurso e vamos escolher apenas uma destas equipas para representar Portugal na competição europeia, mas hoje já ganharam competências adicionais, apenas por participar.

Este tipo de concurso em que se juntam vários países, ajuda a que os jovens trabalhem mais facilmente juntamente com outros países no futuro?

Acho que sim. Esta é a magia da ESA: todos os dias trabalho com pessoas vindas de diferentes contextos académicos, mas também de diferentes países e é extremamente enriquecedor trabalharmos todos juntos. Por exemplo, na Noruega, numa das edições passadas, uma das equipas estava com problemas, não tinha as ferramentas para arranjar o seu CanSat e outra equipa que estava em competição partilhou as ferramentas para eles repararem a sua avaria. Isto mostra que o espírito é fantástico. Eles não ganham dinheiro, computadores, uma viagem, não ganham nada. O que eles ganham é conhecimentos adicionais, mas também diversão.

Como pode um jovem português tornar-se um astronauta?

Estamos a estimular o interesse por ciência e tecnologia, em geral, mas há muitos mais trabalhos no setor espacial. Não há apenas engenheiros e cientistas. Mas os astronautas são selecionados regularmente na ESA, a última seleção foi já há alguns anos, selecionaram seis jovens e já todos voam neste momento. Não sei quando vai ser a próxima seleção, mas não há razão para que não haja um candidato português e que não seja selecionado. Quem sabe? Mas o astronauta é só o topo da pirâmide e têm mais visibilidade, mas não se esquecem de associar as pessoas em terra ao sucesso da missão. Porque, claro que eles são os heróis a voar no espaço, mas por trás há centenas de pessoas a apoiá-los. É um trabalho de equipa.

Há menos raparigas neste concurso do que rapazes. É um problema que é preciso combater ou as raparigas simplesmente não são tão interessadas por estas áreas?

A agência tenta estimular o interesse por estas áreas junto das raparigas. Na minha equipa, por exemplo, mais de 50% são mulheres, mas não são apenas assistentes, tenho engenheiras, cientistas, astrofísicas, astrobiólogas, para mim são colegas pelas suas competências, não fazemos a diferenciação de géneros. Há lugar para todos. Há estudos - um que se chama ROSE (Research On Space Education) - que mostram que as raparigas têm menos interesse do que os rapazes em tecnologia e mecânica. Os rapazes gostam mais de desmontar máquinas e as raparigas gostam mais de cuidar dos outros. Por isso, há mais homens engenheiros e mais mulheres médicas. Mas é um pouco cliché. Hoje na agência temos mulheres em todos os setores.

A jornalista viajou a convite da Ciência Viva

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