"Muitos estão em investigação [na saúde] e, nos próximos dias, virão naturalmente a lume"

O ministro da Saúde elogia as investigações: "têm de perceber que o dinheiro público é exclusivamente para perseguir fins públicos"

Adalberto Campos Fernandes promete tempos máximos para os exames de diagnóstico, admite que há médicos a mais em Portugal e revela que os cônjuges na ADSE terão um valor plafonado, para evitar "quotizações absurdamente altas".

Vai conseguir curar as contas do Serviços Nacional de Saúde, mantendo a qualidade do serviço?

Os sistemas de saúde, em todo o mundo, são sistemas que absorvem grande parte dos orçamentos nacionais. Sobretudo em países como o nosso, que têm uma preocupação de natureza social, em que o Estado Social, apesar da crise, procurou defender [o sistema de saúde] ao longo do tempo e num contexto em que os países envelhecem. O nosso particularmente, com um nível de envelhecimento muito acentuado - a esperança média de vida aumenta, mas também os encargos que decorrem dessa situação se agravam. A nossa preocupação é que seja possível sempre conciliar a justiça social com rigor orçamental. A nossa preocupação é fazer com que o país, à medida que a economia for melhorando, for crescendo, seja capaz de compreender e de reconhecer que são precisos mais recursos financeiros na saúde, naturalmente acoplados a melhor gestão, a melhor organização dos serviços e a uma melhor repartição dos benefícios.

Quando olhamos para aquilo que pedem as ordens profissionais, chegaram a falar na necessidade de ter um plano de emergência para o setor de, mais ou menos, 1.200 milhões de euros e o reforço, no Orçamento, ficou (eu não digo apenas, porque é muito dinheiro) pelos 353 milhões de euros.

Nós temos, pelo segundo ano consecutivo, um reforço orçamental muito significativo, depois de termos atingido o maior nível de desinvestimento de que há memoria aquando da intervenção externa, particularmente em 2013. Significa, por isso, que estamos a iniciar uma trajetória de recuperação que, num quadro de responsabilidade institucional e também europeia, tem de estar alinhado com aquilo que são as exigências de um Orçamento muito apertado, difícil e, por conseguinte, responsavelmente executado. Nós compreendemos a posição corporativa das ordens profissionais e, também, de outras entidades que, naturalmente, gostariam de ter rapidamente mais recursos, mais dinheiro. Mas, como eu tenho dito muitas vezes, é também importante que as ordens e outros organismos profissionais venham ao debate da organização, da eficiência, da modernização e da alteração dos processos. Há, portanto, muito trabalho a fazer. Precisamos de mais dinheiro, é certo, mas precisamos também de repensar - como, aliás, noutros setores, não apenas da saúde - aquilo que fazemos em cada dia. Porque, seguramente, se reduzirmos um dia de demora média, se combatermos o desperdício no medicamento, se lutarmos eficazmente contra a fraude, se acabarmos com tantas situações que nós todos reconhecemos - e as ordens profissionais são as primeiras a reconhecê-lo -, nós libertaremos muitos recursos.

Falamos muitas vezes de um pacto para a Justiça, por exemplo - é aquele de que se fala mais vezes. Acha que é preciso um pacto para a Saúde?

Eu acompanho, nisto, o que o senhor Presidente da República tem repetidamente dito: esse pacto existe, na saúde, de uma forma implícita. Aliás, sobre aquilo que é o Serviço Nacional de Saúde - fundado em 1979 por um governo do Partido Socialista, sob a direção política de Mário Soares -, nós temos um caminho, que fará 40 anos justamente no final desta legislatura, que é um caminho de grande consenso. Não há, sobre matéria de saúde, em Portugal, grandes divergências. O conjunto das forças políticas, da esquerda à direita, são defensoras de um Serviço Nacional de Saúde com as características que nós temos. E repare: num tempo de grande dificuldade, como aquele que vivemos agora, em que a concertação ou a conjugação de uma atividade epidémica viral muito intensa, com uma redução significativa das temperaturas, em cima de uma população envelhecida, empobrecida, que recorre muito aos hospitais, nós somos, no conjunto dos países da Europa, aquele que está a responder em melhores condições. Temos visto notícias do Reino Unido, da Bélgica, de Espanha e de França e, de facto, Portugal, em dezembro, teve o maior número de procura de urgências hospitalares de que há memória. Também os cuidados de saúde primários tiveram a maior atividade de que há memória. E o sistema está a reagir, muito suportado no grande trabalho dos profissionais, que hoje são cerca de mais 4.000 do que eram há dois anos. É por isso que não deixa de ser espantoso que alguns daqueles que levaram o SNS aos mínimos venham hoje falar de caos que não existe, de problemas que não existem...

Isso é o combate político. É normal que o Partido Socialista, quando está na oposição, consiga ver o copo meio-vazio e, quando está no governo, meio-cheio...

Mas sabe que o combate político é útil, é importante, mas não deve, digamos, desrespeitar aquilo que é a honestidade intelectual. E falar de desinvestimento no SNS, quando ele hoje tem mais 4.000 profissionais do que tinha o ano passado, falar de uma situação financeira que é efetivamente uma situação de muito maior equilíbrio do que aquele que efetivamente existia não é só combate político, é também alguma desonestidade intelectual e eu acho que, sobre isso, nós temos, de facto, de esclarecer os portugueses.

Mas quando o CDS fala em caos, por exemplo, fala também porque houve uma indicação para que os hospitais restringissem, de facto, as suas despesas ou as tivessem de tal forma controladas que isso poderia ter reflexos na qualidade do atendimento.

Recorda-se do famigerado episódio do "despacho" que deu, aliás, no final de setembro, uma ida minha à Comissão Parlamentar de Saúde?

Certo.

Sobre o "despacho", mais alguém ouviu falar sobre as circunstâncias do despacho? Não houve, efetivamente, nenhuma contenção. Os hospitais trabalharam normalmente, dotaram-se dos meios e das necessidades de que precisavam e, como eu lhe digo, fechamos o ano de 2016 com mais 4.000 profissionais no SNS. Como disse a senhora bastonária da Ordem dos Enfermeiros, é o primeiro ano em que a emigração de enfermeiros para o estrangeiro cai a pique. Os enfermeiros estão a voltar ao SNS e alguns diretamente de Inglaterra para o Serviço Nacional de Saúde. Portanto, quando se fala de caos, referindo dificuldades em três hospitais, durante três dias, quando hoje temos mecanismos de transparência - basta, através do seu telemóvel, saber os tempos de espera em qualquer hospital do país; saímos de uma zona de opacidade para uma zona de transparência -, quando as equipas estão a dar o seu maior esforço, num contexto em que nós, pela primeira vez, vamos repor o trabalho extraordinário aos médicos... E também quem fala de caos e fala de desinvestimento foi quem levou o trabalho diferenciado dos médicos a ser pago em condições de elevadíssima restrição.

Já disse, mais do que uma vez, que vai avaliar as parcerias público-privadas [PPP]. Há casos de sucesso, naturalmente; haverá casos mais duvidosos... Vai manter alguma das parcerias?

Vou cumprir, como, aliás, estou a fazer e repetidamente tem sido dito, o programa do governo.

Mas alguns dos contratos estão a terminar.

O programa do governo, aprovado na Assembleia da República, dizia que, sobre as PPP na saúde, o governo se comprometia a fazer um estudo independente, profundo, rigoroso e a alavancar a sua decisão política em cima desse estudo. Ora esse estudo foi feito pela UTAP, que é uma entidade de grande qualidade técnica, de grande competência do Ministério das Finanças. Recomendou a UTAP que, em relação à primeira PPP cuja caducidade do contrato se aproxima, que é Cascais, deveria ser feito o lançamento de um concurso público internacional. Havia, como sabiam, a negociação direta, o concurso público internacional ou a integração imediata no Estado. E o que o estudo diz é que seria útil, em nome do interesse público, testar o mercado e ver se, num caderno de encargos mais exigente, que responda àquilo que são algumas dificuldades encontradas, se o interesse público era mais bem servido pelo modelo de parceria com gestão clínica ou sem gestão clínica. Temos dois anos pela frente, teremos tempo de fazer o concurso público internacional, teremos tempo de perceber se as propostas que aparecem são úteis. Eu queria esclarecer um aspeto que é muito importante: nós não estamos a dizer que, se a PPP acabasse, o dinheiro que se gasta com a PPP desaparecia, porque ele tinha de ser, naturalmente, gasto dentro da esfera pública.

O que considera é quem pode fazer a melhor gestão.

O que estamos a dizer é que, para aquele volume de atividade assistencial, para aquela cobertura de território, com cuidados dentro do SNS, ou aquela gestão, naquele formato, é mais eficiente - ou seja, obtemos melhores resultados assistenciais pelo menor custo -, ou então é preferível que ele seja integrado no Estado.

E esse será o modelo para tomar decisões não só em relação a Cascais, mas, por exemplo, em relação a Braga, Vila Franca de Xira, etc.?

Com certeza. Nesta legislatura, como é do conhecimento geral, chegam ao fim dois contratos: o contrato de Cascais, que está neste momento em apreço, e de Braga. Em Braga haverá o mesmo procedimento. Vamos fazer o estudo também, como foi feito para Cascais, pedindo ao UTAP que o realize e vamos, na altura própria, tomar a decisão política sobre...

Isso quer dizer que o senhor vai ignorar o protesto óbvio e objetivo do Bloco de Esquerda em relação a qualquer parceria público-privada?

Ignorar o protesto, não. Reconhecer as razões que o Bloco de Esquerda tem, que é uma questão de princípio, de filosofia política, de orientação política, compreendê-las. Temos discutido, temos conversado sobre isso. O que eu vou fazer é cumprir o programa do governo e tomar aquilo que, em consciência, entendo que possa vir a ser a melhor solução para o interesse dos contribuintes e dos portugueses.

Mas conta com a oposição do Bloco nessa matéria, como é evidente?

Se, no final dos dois anos, a opção for a entrega a um consórcio que ganhou um concurso público internacional, em condições que defendam o interesse do Estado e, naturalmente, se o Bloco de Esquerda tem uma posição política de princípio (que nós respeitamos) que é contra, naturalmente que nessa matéria, como noutras, não estaremos alinhados. Mas isso não representa, em si, nenhum drama, porque sobre várias matérias nós não temos posições coincidentes. Naquilo que são as posições conjuntas tem havido um cumprimento escrupuloso e rigoroso de tudo; naquilo que não são posições conjuntas há discussão de ideias.

Chegou à conclusão, na sua tese de doutoramento, que embora o crescimento da saúde privada tenha sido evidente isso não significou, necessariamente, que tenha havido uma melhoria dos cuidados de saúde à população e, portanto, isso não contribuiu para reduzir as listas de espera. Como é que vamos resolvê-las, então, se este crescimento não ajuda?

Eu, neste momento, estou com responsabilidades que são políticas, num governo, a cumprir um programa político. Não estou, portanto, a responder em responsabilidades, nem funções académicas.

Há forma de resolver a questão das listas de espera?

As listas de espera, clinicamente inapropriadas, têm de ser combatidas. Tivemos, em 2016, o maior número de médicos especialistas colocados em Portugal, no Serviço Nacional de Saúde; o maior número de médicos de família colocados - temos hoje, pela primeira vez, menos de um milhão de portugueses sem médicos de família e vamos fechar o ano com cerca de 700 mil portugueses, apenas, sem médico de família. E estamos em condições, com o volume de jovens especialistas que se estão a formar, de até ao final deste ano, 2017, dar um novo avanço e um novo impulso em direção ao objetivo da legislatura que é não haver um único português sem médico de família e sem equipa de saúde familiar. Estamos também em condições de lançar programas que definam tempos máximos de resposta garantida para os meios complementares de diagnóstico, para os exames. Até aqui isso existia para as cirurgias, como é do conhecimento geral, para o chamado SIGIC, e nós estamos em condições de, até ao final de fevereiro, ter concluída a portaria que regulamenta os direitos de acesso. Dentro do SNS, vamos abrir centros integrados de exames, de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, que permitam que haja uma enorme resolutividade dentro do SNS. E também os centros de saúde, como aliás fizemos agora no Plano de Inverno, vão progressivamente ser dotados não apenas de saúde oral e de saúde visual, mas também de análises clínicas, de eletrocardiografia, de radiologia. Os portugueses têm uma apetência muito grande pelas urgências. Nós somos, aliás, o país da OCDE com maior número de episódios de urgência por ano por habitante.

Porque os meios de diagnóstico das urgências são diferentes. É quase uma consulta de última hora?

Há, culturalmente, a ideia de que é resolutivo: "Eu vou lá, espero quatro ou cinco horas, mas tenho um especialista, faço um exame, faço umas análises".

É o que quer mudar? É esse paradigma?

Muda-se esse paradigma de várias maneiras. Primeiro, continuando a qualificar os centros de saúde. Estamos a iniciar a construção de cerca de 65 novos centros de saúde - a maior remodelação de equipamentos de cuidados de saúde primários de que há memória. Naturalmente, vamos também lançar os novos hospitais. Ao qualificar os centros de saúde em Portugal, nós estamos a pôr excelentes médicos de família, excelentes enfermeiros, mas também instrumentos de diagnóstico e de terapêutica...

Mas como é que isso vai ser feito? Para quem nos ouve e quem nos lê perceba o que é que...

Já está a ser feito.

Metas. Há prazos?

Até ao final da legislatura...

Há um investimento previsto?

Até ao final da legislatura, nós queremos ter todos os ACE cobertos (os ACE são os Agrupamentos de Centros de Saúde), cobertos com este tipo de respostas. E, até ao final deste ano, 30% dos ACE têm de ter estes tipos de resposta. Eu estive, aliás, com o senhor Presidente da República em Sete Rios, há pouco tempo, para demonstrar e chamar a atenção para a importância de os portugueses acederem aos cuidados de saúde primários. E estivemos a inaugurar a instalação de equipamento de radiologia geral, que permite fazer exames radiológicos simples, e também de colheita de análises de sangue e de eletrocardiografia. Portanto, este caminho é [para] chegarmos ao final da legislatura com todos os portugueses com médico de família e enfermeiro de família, centros de saúde qualificados, modernos, com um grande programa de reconstrução e de remodelação, como lhe referi há pouco, e resolutivos. Resolutivos, naturalmente, por aquilo que são as questões básicas: não vamos pôr nem tomografias axiais computorizadas, as conhecidas TAC, nem ressonâncias magnéticas, não faria nenhum tipo de sentido. Mas os portugueses têm de perceber que vão ao centro de saúde e têm profissionais altamente qualificados e [que], ao mesmo tempo, aquilo que são as necessidades básicas de diagnóstico são satisfeitas.

Olhando para os Raios-X, que eu julgo que é aquilo que os portugueses perceberão melhor, significa que chegaremos ao final da legislatura com todos os centros de saúde sendo capazes de realizar Raios-X para perceber se há uma fratura ou...?

É o nosso objetivo. Pelo menos, ao nível de cada Agrupamento de Centros de Saúde. Porquê? Hoje acontece esta situação caricata: nós podemos ter um excelente médico de família ou enfermeiro de família num centro de saúde mas, se o doente aparece com uma infeção respiratória aguda e tem necessidade de fazer uma radiografia, é enviado para o hospital. Ora, é esse aspeto que tem de ser ultrapassado, tem de ser melhorado. E isto depois, naturalmente, com a ligação mais forte que todos os portugueses têm de ter a uma equipa de saúde familiar, criará condições para que, no final da legislatura, haja uma maior procura dos cuidados de saúde primários em detrimento dos hospitais.

A propósito dos meios complementares de diagnóstico, no facto de perceber que investimento é que isto pode implicar, tendo em conta que os profissionais de saúde, nos hospitais, se queixam de terem material obsoleto, designadamente nos Raios-X, o que é que isto implica? Material que possa ser renovado nos hospitais, o que lá está pode ser reencaminhado para centros de saúde

Eventualmente. Aliás, o que aconteceu em Sete Rios foi, justamente, uma parceria entre o Centro de Saúde de Sete Rios e o Hospital de Santa Maria, em que o equipamento foi cedido pelo hospital.

Senhor ministro, não resiste a fazer essa comparação com o passado e eu não resisto a fazer-lhe uma pequena provocação política. O ministro da Saúde anterior é alguém que o governo português, de que faz parte, escolheu para gerir a Caixa Geral de Depósitos. Não é um bom gestor?

E escolheu muito bem. Eu já disse, aliás, numa entrevista ao Expresso, que conheço bem o dr. Paulo Macedo, tenho relações pessoais com ele de grande respeito e de grande consideração. Acho que ele, neste momento, está numa posição que é uma posição que lhe é muito adequada e tenho a certeza de que fará um grande trabalho enquanto presidente da Caixa Geral de Depósitos.

Mas não foi enquanto ministro da Saúde.

Provavelmente foi vítima de algumas más escolhas coletivas ou de decisões que, nas circunstâncias iguais, nós teríamos tomado de maneira diferente. Agora, o que é justo e o que é correto é nós compararmos o que foram os quatro anos da governação anterior com aquilo que serão os quatro anos desta maioria.

Pelo menos com o que foi o primeiro ano.

Certo, que as condições económicas e financeiras serão diferentes, mas insisto nesta matéria das escolhas. E as escolhas políticas têm muito peso e têm muita importância.

A indústria farmacêutica e os fornecedores de dispositivos médicos reclamam perto de 1.300 milhões de euros de pagamentos em atraso por parte das unidades do Serviço Nacional de Saúde. Não sei se já terá os dados do ano completo. Isto reflete orçamentos muito apertados, que levam os gestores, naturalmente, a adiar o pagamento das dívidas ou há outras explicações?

Bom, reflete, claramente, orçamentos apertados. Sobre essa matéria estamos de acordo. Mas, então, vamos explicar o ponto em que estamos e também, mais uma vez, perceber o que foi janeiro de 2016. O governo anterior, em 2015, tinha feito um orçamento inicial para a Saúde que previa um saldo de menos 30 milhões. Fechou o ano com menos 371 milhões, ou seja, teve um desvio superior a 12 vezes do orçamento inicial. Nós entrámos em 2016 com um efeito de arrastamento de dívida de cerca de 200 milhões a mais. E estamos aqui a procurar resolver aquilo que, naturalmente, foi esse efeito de arrastamento com aquilo que foi dívida gerada por necessidades adicionais, porque fechamos o ano com o melhor desempenho em termos assistenciais de sempre - em consultas, em cirurgias, em atividade assistencial -, com muito mais recursos humanos. E posso-lhe dizer que vamos fechar o ano, seguramente, com um saldo de execução totalmente diferente. E a nossa variação não vai ser de 12 vezes. Provavelmente vamos ficar em linha com aquilo que tínhamos dito na apresentação do Orçamento do Estado.

Até novembro estavam com um desvio de 50%.

Muito bem. Estávamos a falar de que houve uma opção do governo de fazer, ao longo do ano, uma gestão orçamental no seu conjunto - o Ministério das Finanças connosco e, naturalmente, com os outros ministérios -, mais prudente, mais reservada, para ver em que medida a evolução do ano permitiria que, em dezembro, nós pudéssemos ter reforços adicionais, nomeadamente para pagamento de dívidas. Esses reforços aconteceram em dezembro e nós iremos fechar o mês de dezembro praticamente em linha com o stock de dívida que existia há um ano atrás.

Chegou a dizer que a fraude, na saúde, era endémica. Está a resolver esse problema?

Estamos a lutar contra esse problema. Infelizmente, onde há dinheiro público e há dependência de dinheiro público, não é apenas na saúde, há uma grande propensão para comportamentos incorretos. Nós tivemos, este ano, o maior número de ações de fiscalização e de intervenção e de reporte das autoridades judiciais.

Há, aliás, um caso muito mediático que envolve a saúde, a ARS de Lisboa...

Muitos estão em investigação e, nos próximos dias, virão naturalmente a lume. Nós, acima de tudo, entendemos que o aparecimento destes casos e a intervenção da justiça...

Quer adiantar alguns desses casos, que possa eventualmente preocupá-lo, nesta altura

Naturalmente que não o poderei fazer. Não o deverei fazer e não o poderei fazer. Mas esta intervenção da justiça, esta parceria que nós temos, e que tem corrido muito bem, com as autoridades judiciais, tem também um valor de natureza pedagógica: os autores têm de perceber que o dinheiro público, o dinheiro público é exclusivamente para perseguir fins públicos. E a desmaterialização que temos feito - nós, desde há um ano e pouco que estamos no governo, temos tido uma política de transparência bem materializada naquilo que é o portal do SNS, nas ferramentas que temos divulgado e instituído. A transparência é a melhor amiga da justiça, da eficiência e da utilização adequada dos recursos. E portanto, nesse sentido, a receita eletrónica, futuramente a prescrição eletrónica dos exames, obrigatória também de forma desmaterializada, a ADSE digital, que também irá no sentido de desmaterializar os procedimentos. A ADSE é também uma zona onde existe um confronto com muitas práticas irregulares,...

Fraude.

...com muita tentativa de fraude. E essa tentativa - não sou eu que o digo; dizem as instâncias internacionais, que lutam e estudam estes fenómenos -, na saúde, pode valer 10%. Ora, 10%...

É muito dinheiro.

...do orçamento da Saúde é tudo aquilo de que nós precisaríamos para ter um SNS moderno.

0,5% do PIB.

Seriam cerca de quase 900 milhões de euros, que daria para recuperar todo o edificado, todo o plateau tecnológico, para recrutar todos os profissionais.

Tem de haver um compromisso ético com os doentes oncológicos dos seguros de saúde

O Estado continua a receber doentes que vêm do privado a meio de tratamentos oncológicos? Porque os seguros acabam, deixam de pagar o tratamento... Estes encargos são muito elevados?

Sim. Mas mais do que os encargos serem elevados - porque, em boa verdade, todos os cidadãos portugueses têm Serviço Nacional de Saúde, pagam os seus impostos e, portanto, são naturais...

Tenham ou não tenham seguro de saúde, têm o direito...

Têm o direito de utilização do SNS. A nós, o que nos preocupa mais é a bordagem ética deste tipo de doentes. Quando um doente com cancro se entrega nas mãos de um médico ou de uma unidade hospitalar, ele estabelece uma relação de confiança e é muito perturbador que, a meio do tratamento, lhe seja dito que tem de abandonar aquele médico e tem de ir para uma unidade pública e conhecer outro tipo de equipas.

Como é que se contorna esta situação?

Tem de haver um compromisso ético e um consentimento informado e esclarecido do doente em que ele tenha bem consciência de que, em algum momento do processo terapêutico, aquela terapêutica pode ser interrompida.

Ou seja, não prevê a possibilidade de impor a um seguro de saúde que, iniciando um tratamento, o tenha de levar até ao fim, mesmo que o plafond tenha terminado.

Não creio que esteja nos limites da capacidade legal do Estado de o fazer, até porque é uma relação de direito privado entre consumidor e seguradora. Agora, nós, no plano da ética e no plano, digamos, que é comportamental, iremos com certeza intervir e ser bastante exigentes naquilo que são os direitos de esclarecimento e informação ao utente, para que o doente não seja, nessa matéria, instrumentalizado.

O cancro é cada vez mais uma doença que tende a transformar-se numa doença crónica, que obriga o Serviço Nacional de Saúde a ter custos acrescidos. Antevê um problema grave para o Serviço Nacional de Saúde, com medicamentos que são cada vez mais caros? Um doente oncológico é um doente muito caro para o Serviço Nacional de Saúde?

Recomendo a todos que possam ler o relatório ontem publicado pela OCDE sobre os sistemas de saúde e as perspetivas para os próximos anos. Esse problema põe-se não apenas em relação a Portugal, põe-se a todas as sociedades modernas, naturalmente países mais desenvolvidos, onde a esperança média de vida vai aumentar. Em 2016 fizemos a maior aprovação de medicamentos inovadores de que há memória em Portugal. O Infarmed aprovou 51 medicamentos novos. Nunca tal tinha acontecido! Trabalhando com a indústria farmacêutica, estabelecendo, naturalmente, contratos diretos, estabelecendo mecanismos de compensação de despesa...

Faz sentido que a União Europeia faça uma negociação conjunta em relação à política do medicamento para a aquisição de novos medicamentos, que são caríssimos?

Está a haver, neste momento... Eu tenho participado em muitas reuniões europeias, nesse sentido - tivemos aqui, em Lisboa, há pouco tempo os ministros da Saúde da Europa e os principais líderes das companhias internacionais. Estão a ser feitas, neste momento, aproximações que vão no sentido de criar mecanismos de equilíbrio. E, por exemplo, na agregação de compras, há países que se estão a juntar: o Benelux juntou-se, países do centro da Europa, nós próprios - eu já falei com a minha colega espanhola no sentido de, com Espanha, também podermos abordar o mercado de uma forma integrada, essa agregação de compras.

Não fazia sentido que a União Europeia o fizesse?

É difícil, porque, repare, nós lutamos com uma realidade que é verdadeiramente multinacional, em que o poder das companhias é relativamente forte. Posso-lhe dizer que as cinco maiores...

Mas a União Europeia também...

...as cinco maiores companhias farmacêuticas mundiais têm um turnover orçamental superior ao PIB português. E, portanto, tem de ser uma conversa a nível europeu e tem de ser uma conversa que possa conciliar o custo de oportunidade sem comprometer a inovação, porque nós precisamos que as companhias continuem a inventar e a produzir novos medicamentos, mas que o façam num contexto em que os países os possam pagar. Nenhuma economia na Europa vai crescer, nos próximos anos, acima de 3%, 4%. E nem isso chegaria para acomodar tudo aquilo que é o pipeline de inovação que as companhias farmacêuticas têm.

Haverá um teto nas contribuições dos conjuges para a ADSE

Para falar da ADSE, socorremo-nos aqui do trabalho que o CDS, entretanto, foi fazendo. Ou seja, das perguntas que lhe enviou e que não sei se o senhor ministro, entretanto, já respondeu, mas gostávamos de ter a sua resposta.

Sim.

Confirma que a ADSE vai aplicar em dívida pública cerca de 450 milhões de euros relativos a lucros acumulados nos últimos três anos.

Eu não sei onde é que o CDS foi buscar isso. Aliás, o CDS está muito ativo, e bem, na área da Saúde, nas políticas de saúde - bem-vindo, de facto, a esta discussão. Mas era bom que o CDS também, antes de fazer as perguntas, se pudesse, digamos, aprofundadamente documentar sobre aquilo que está a perguntar, porque os saldos transitados ou os saldos, os excedentes da ADSE, ao longo dos anos - como, aliás, a lei determina -, aplicados no instituto que gere a dívida pública. Portanto, no Estado, no Orçamento, e qualquer exercício de aplicação de fundos é em fundos públicos. Não há nenhuma utilização desses fundos para rentabilização em operações de mercado privado e, portanto, é o que o Estado faz quando tem excedentes: faz aplicações e obrigações do Tesouro.

Não há aqui novidade nenhuma?

Não há novidade.

Confirma, mas não há novidade.

Segundo: o dinheiro é da ADSE. E a questão é em saber se a ADSE, circunstancialmente, tem um saldo de 100 ou de 150 milhões...E se pode, dentro daquilo que são as aplicações públicas, ter algum rendimento de capital. O mais importante é saber se esse dinheiro... para onde é que vai. E, naturalmente, esse dinheiro faz parte daquilo que são os saldos da própria ADSE.

E os prazos de pagamento da ADSE, têm vindo a aumentar? Houve uns casos...

Não. Houve, marginalmente - eu fui verificar isso junto do atual diretor-geral da ADSE -, houve marginalmente um agravamento de alguns dias, que teve que ver com uma coisa muito simples: a ADSE passou de direção-geral para instituto público a semana passada; houve alterações internas; e houve também variação dos serviços, o que fez com que circunstancialmente tenha havido um atraso de uma, duas semanas, que me foi garantido pelo diretor-geral da ADSE que estarão resolvidos durante o mês de janeiro.

Portanto, o prazo de 120 dias - julgo que é esse o prazo normal - é para ser cumprido

Rigorosamente. Para ser cumprido rigorosamente, como, aliás, não podia deixar de ser, naquilo que são as obrigações que estão previstas na lei.

Semanas antes de ser ministro da Saúde, defendeu a abertura da ADSE a todos os utentes, referindo que a restrição ao setor público só beneficia os seguros e os privados. Continua a pensar da mesma maneira ou está obrigado, como já nos disse hoje, a cumprir o programa do governo, porque essa é obviamente a sua função...?

Mantenho aquilo que disse e, aliás, é desejado. Daquilo que resultou do trabalho feito de preparação do instituto público da ADSE e também do trabalho profundo que foi feito, com as audições aos sindicatos e aos parceiros sociais, isso é desejado pelos próprios sindicatos e pelos próprios beneficiários. Porque a ADSE, hoje, é dos próprios beneficiários, são eles que a pagam. E, portanto, a possibilidade de um funcionário público que é casado com um cônjuge que não é funcionário público, trabalha no setor privado, se esse cônjuge quiser aderir...

Mas se não for familiar direto de um funcionário público. Será possível?

Não. Nesta fase... E, aliás, foi o que disse na altura, quando participei num estudo que o Tribunal de Contas estava a conduzir. O que eu digo é que o alargamento da ADSE deve ter como raiz principal aquilo que é a sua missão, que é a proteção aos funcionários públicos. E o que vai acontecer é que nós vamos abrir agora os contratos individuais de trabalho dentro das empresas públicas - nomeadamente nos hospitais EPE, nas empresas do setor empresarial do Estado - e também vamos estudar a possibilidade, se for desejada pelos próprios beneficiários, de que mulher ou marido que é funcionário público possa ter o cônjuge privado, também...

Prevendo que possa haver cônjuges que, estando no privado, têm salários muito altos - e a ADSE funciona com uma percentagem do salário -, haverá um teto limite?

Haverá um teto. As propostas que estão em cima da mesa, aliás, replicam muito o modelo das SAD da PSP e da GNR, que já existe - não estamos a inventar nada. Portanto, o cônjuge terá um valor de desconto que é plafonado, justamente para evitar que haja quotizações absurdamente elevadas.

Se houver medicina no ensino privado, vai aliviar o público que está no limite

Há ou não falta de médicos no país?

Nalgumas especialidades. No conjunto, nós temos médicos a mais, seguramente. E a Ordem dos Médicos tem-no dito e é verdade, no conjunto. Temos um problema de algumas especialidades e temos um problema que faz com que esta perceção de médicos a mais tenha de ser prudentemente gerida - é que temos um problema de idade: temos muitos médicos jovens, temos muitos médicos acima dos 55 anos, mas houve um período que decorreu daquele numerus clausus muito apertado em que aquela geração intermédia... Aí há uma grande escassez de profissionais e, portanto, há que conseguir...

Isso já não pode resolver...

Há que conseguir que o tempo agora... Felizmente estamos a formar muitos. Estamos a ter cada vez mais especialistas a ser formados e, portanto, daqui por quatro, cinco anos a situação...

Deixaremos de ter de recorrer aos médicos reformados para estarem nos hospitais.

Seguramente. Eu acredito que daqui por três, quatro anos nós teremos a pletora médica, em Portugal, completamente ajustada as necessidades do país.

Perguntando ao contrário: se os médicos ficassem em Portugal, todos aqueles que ainda emigram (e o senhor, com certeza, terá essa preocupação), já teríamos, nesta altura, um equilíbrio maior do sistema, no sentido de, por exemplo, poder garantir um médico de família a todos os portugueses

Repare, hoje posso-lhe dizer também que, em 2016, foi invertida a tendência, à semelhança do que aconteceu com os enfermeiros, da emigração dos médicos. Emigraram muito menos médicos. Estamos a ter, como lhe disse, uma capacidade formativa muito importante. Face a 2013, praticamente reduzimos para metade o número de portugueses sem médico de família. Nós estamos a caminhar para 2019, que é o fim da legislatura e é simultaneamente o ano em que o SNS faz 40 anos, para ter condições para fazer uma excelente celebração dos 40 anos do SNS. E garanto-lhe que no final da legislatura será, de facto, um privilégio poder confrontar os portugueses com um trabalho que honra a memória daqueles que fizeram o Serviço Nacional de Saúde.

Tendo médicos a mais, o senhor ministro não pensa que a abertura dos cursos de Medicina aos privados faça sentido?

Mais uma vez, não tenho, sobre isso, nenhum tipo de preconceito, nem ideológico, nem administrativo. O que está em cima da mesa é sempre a qualidade. Por que razão, se uma universidade privada fizer prova junto das entidades dos cursos - nomeadamente a agência que acredita o Ensino Superior - e tiver uma proposta de valor, em termos de formação, muito importante e muito, digamos... de valor, por que razão nós, só porque é de direito privado, devemos dizer que não? Se calhar, pelo contrário, algumas públicas deveriam ter menos número de vagas atribuídas, porque as condições em que fazem o ensino já estão no limite. São questões que não têm que ver... O numerus clausus, em si, não é um valor absoluto e a questão do ser privado ou público também não é - tem que ver com a qualidade dos cursos e do ensino que são administrados.

Tem tido resultados positivos daquilo que foram os incentivos que, entretanto, foram decididos para levar os médicos para o interior do país?

Primeiro, uma boa notícia: ainda sem incentivos, este ano, 2016, foi o ano em que mais especialistas foram colocados em hospitais do Interior. Segundo, está neste momento na Presidência da República, para análise, apreciação e eventual promulgação, o decreto-lei que o governo aprovou de atribuição de incentivos, que têm, para além de incentivos pecuniários muito relevantes - 40% do vencimento é pago em incentivos adicionais -, tem também condições de carreira e condições, até, de natureza pessoal e familiar que me parecem ser fortemente apelativas para que neste ano, 2017, mais jovens médicos possam considerar a ida para hospitais... não apenas interiores. Porque, repare: nós temos dificuldade, por vezes, em colocar médicos em Setúbal. Ora, Setúbal não é interior. Torres Vedras e Caldas da Rainha não é interior. E, portanto, há que criar mecanismos que façam com que esta atração pelos grandes centros, por Lisboa, Porto e Coimbra, onde se concentram um grande número de médicos, progressivamente se vá diminuindo, se vá atenuando e os médicos se sintam atraídos por desenvolver o seu trabalho em hospitais de outras regiões.

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