Ministério quer pôr ordem nos salários das atividades do 1.º ciclo
Discrepâncias no recrutamento continuam, com algumas câmaras a pagarem menos 25% do que as escolas pelo serviço. Ministério da Educação estuda regulamentação do sistema
O Ministério da Educação admite reforçar a legislação em torno das atividades de enriquecimento curricular (AEC) do 1.º ciclo, nomeadamente para acabar com diferenças de interpretação que levam a que os valores pagos aos professores pelo mesmo trabalho tenham "alguma margem", com autarquias a pagarem bastante abaixo da bitola praticada pelas escolas públicas.
A confirmação foi dada depois de o DN ter questionado o gabinete do ministro Tiago Brandão Rodrigues sobre avisos de abertura de concursos, divulgados esta semana, em que as diferenças do valor proposto eram superiores a 25%, dependendo de o "promotor" das atividades ser um agrupamento de escolas ou uma autarquia.
Por exemplo, o Agrupamento de Escolas de Ermesinde colocou a concurso horários de dez horas semanais de AEC, na disciplina de Inglês, pelo qual oferece 458 euros mensais, enquanto a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim ofereceu, por um serviço exatamente igual, apenas 327,37 euros. Ou seja: menos 130 euros.
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Ao DN, Arlindo Ferreira, professor e autor de um blogue especializado em contratação de professores, no qual estes casos foram denunciados, defendeu que estas diferenças se explicam pela forma como os professores das AEC são encarados pelos diferentes "empregadores". "A indicação do Ministério é de que os técnicos das AEC têm de ser pagos pelo índice 126 da carreira docente [que representa cerca de 1200 euros brutos por um horário completo]", lembra. "Mas o que me parece é que algumas autarquias estão a ter como base o horário de trabalho das 35 horas, enquanto outras e as escolas têm por referência as 25 horas de tempo letivo semanal de um horário completo de professor." Assim, dependendo da interpretação, o valor horário tanto pode ser de cerca de 12 euros como de apenas 8,5.
Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) confirma que "este problema, que a Fenprof se tem fartado de denunciar e exigir que seja regularizado", se prende precisamente com o facto de os professores das AEC serem tratados como "técnicos" e não como docentes.
O sindicalista refere que a situação remonta à introdução das AEC, há cerca de uma década, pela então ministra Maria de Lurdes Rodrigues: "São considerados técnicos de atividades de enriquecimento curricular e, como tal, não são enquadrados pelo Estatuto da Carreira Docente, não são colocados por concurso e podem ser contratados através de empresas. Isto não tem nem rei nem roque", critica, lembrando que "algumas empresas [que podem ser subcontratadas pelos promotores] chegavam a pagar cinco euros à hora". "Numa situação, apoiámos em tribunal professores aos quais a empresa tinha exigido que assinassem cláusulas a garantir que não assinariam diretamente contratos com a escola onde trabalhavam", recorda.
Apesar de menos frequentes situações como estas, o gabinete do ministro Brandão Rodrigues admite ao DN que "a legislação atual não define todo o procedimento contratual, pelo contrário, deixa alguma margem", e confirma a intenção de promover a uniformização das regras: "Presentemente o Ministério da Educação está a estudar a possibilidade de regulamentar as atividades de enriquecimento curricular".
Introduzidas em 2016, as AEC do 1.º ciclo chegaram a contar com um orçamento de 100 milhões de euros para expressões, Inglês e atividade desportiva. O anterior governo cortou nos apoios e promoveu o recurso a meios das escolas. O atual já admitiu alargar a "escola a tempo inteiro" a outros ciclos.