Mário Cordeiro: "Os homens têm grandes competências maternais"

Mário Cordeiro recorda-se de, há 40 anos, um amigo lhe ter pedido segredo por ter sido visto a mudar a fralda ao filho. Felizmente, diz o pediatra, os pais podem agora exercer o seu papel "de uma forma aberta". Mas é preciso que a Justiça perceba a mudança.

Considera que o papel dos pais mudou nas últimas décadas?

Muito. Porventura, mais do que o papel propriamente dito, o poder exercê-lo de uma forma aberta, sem vigilância censória da sociedade e os pais poderem expressar a sua componente maternal, endorfínica, regressiva de um modo natural, o que só traz benefícios à criança e, ao mesmo tempo, complementaridade ao papel das mães. No nosso país, a mudança foi muito rápida e substancial. Ainda há "bolsas de resistência", mas recordo-me de, há cerca de 40 anos, trabalhar na chamada "província" e um amigo me pedir segredo por eu o ter visto a mudar uma fralda a um filho - ficaria malvisto na sociedade. E isto a 70 quilómetros de Lisboa. Hoje os pais são parte integrante do crescimento e da vida dos filhos, desde antes do nascimento. Só é pena que em alguns setores, como a Justiça, ainda sejam vistos por muitos magistrados como alguém que só "entra no jogo" tarde e a más horas, do que resultam sentenças e acórdãos de responsabilidade paternal completamente iníquos.

Esse papel está mais parecido com o da mãe?

Não é a questão de serem parecidos. É mais reconhecer-se o que, psicologicamente e em termos neurológicos, sociais e de desempenho, são as diferenças de género, mas também que os homens têm grandes competências maternais, assim como as mulheres as têm paternais. Este reconhecimento de que há um puzzle-pai, de que o pai é o porta-bandeira, e que "gere" o crescimento, os avanços, o fazer, o "fora de casa", o trabalho, enfim, a nossa parte hormonal adrenalínica (e a parte da "lei") e que o puzzle-mãe é o polo de regressão, de casa, do mimo, do descanso, do lazer, correspondente às hormonas endorfínicas, é hoje um dado científico adquirido e que tem de ser admitido pelas pessoas em geral, para que seja admitido socialmente e seja refletido nas leis. Não é correto pensar-se que as crianças pertencem às mães, por exemplo em caso de separação ou divórcio, até ao ano ou dois ou três. Desde o primeiro dia de vida que uma criança pode e deve estar com o pai e com a mãe.

Concorda que os novos pais são melhores pais?

Acho que sim. É sempre difícil comparar gerações, tanto mais num país onde as evoluções sociais foram tão rápidas, mas creio que sim. As suas dúvidas e inquietações expressam, na maioria dos casos, interesse e preocupação. Há riscos diferentes, contextos que mudam rapidamente, como os das tecnologias, novos desafios, uma vida acelerada e cheia de exigências, mas no geral creio que os pais acompanham muito mais os filhos e não fazem, felizmente, cerimónia em mostrar o seu amor por eles.

Enquanto pediatra, sente que os pais participam mais?

A minha amostra do consultório não serve para generalizar. Todavia, na minha consulta vão quase sempre os dois e, muitas vezes, apenas o pai, designadamente em urgências. Acresce que ambos perguntam, questionam, por exemplo sobre assuntos que, outrora, eram do domínio das mães, como o banho, higiene, alimentação.

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