Troika tem receio de que Portugal falhe pagamento aos credores
O défice orçamental estrutural não desce o suficiente, o défice público normal idem, mas o verdadeiro problema da troika, que amanhã termina a sua missão de avaliação, é com o facto de o governo ter de conseguir devolver até 2019 (final da legislatura) 43,1 mil milhões de euros aos credores oficiais (UE e FMI) e privados. E, pelo caminho, não reverter, mesmo que em parte, medidas de austeridade e de disciplina orçamental (reformas estruturais) que mirram o Estado social.
Se o país não acumular défices, mesmo crescendo pouco ou nada, ficará mais folgado para amortizar o valor em dívida que irá vencer nos próximos quatro anos e a um ritmo que se pode qualificar de alucinante: as devoluções do empréstimo da troika (o FMI conta receber mais 8,7 mil milhões de euros até 2019) e as amortizações de Obrigações do Tesouro (34,3 mil milhões de euros, sobretudo OT nas mãos de credores do setor privado).
Alucinante, porque o valor anual a pagar galopa até 2019. Neste ano, Portugal devolve 6,4 mil milhões em OT. Em 2017, a fatura salta 33%; em 2018, mais 44%; e em 2019 cresce 26%, segundo números das Finanças. No limite, os contribuintes viverão quase em exclusivo para pagar a dívida à Europa, ao FMI e a bancos e fundos que emprestaram dinheiro e compraram obrigações do tesouro. Aqueles 43,1 mil milhões equivalem a 23,1% do PIB anual.
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Segundo apurou o DN/Dinheiro Vivo, esta preocupação tem sido uma constante: se Portugal, mesmo descendo o défice devagar, vai conseguir pagar o que deve.
O FMI já está a receber a sua parte antecipadamente, mas os fundos europeus só começam a ser ressarcidos em 2024 devido à cláusula de carência de capital definida no contrato do programa de ajustamento.
Essa preocupação de fundo é a que legitima a atual fase, que se prolongará por anos. As missões semestrais da troika no âmbito da avaliação pós-programa (a que termina amanhã é a terceira) servem para obter garantias de que o Orçamento é sustentável a médio/longo prazo; que a saúde da banca melhora; que as reformas são aplicadas.
As missões vão continuar até que a maioria dos empréstimos tenha sido paga. No caso dos parceiros europeus, até ser saldado mais de 75% do total. Lá para 2035.
A missão da troika e a cúpula europeia (Eurogrupo) mostram acreditar piamente que o caminho do saneamento das contas públicas, aliado a uma maior eficiência do Estado, é a única via para o crescimento e o emprego.
Repudiam, por exemplo, uma abordagem pelo lado da procura. Estão bastante inquietos com a abordagem da "reposição de rendimentos" desenhada pelo PS com o apoio da CDU e do BE, com um esboço de Orçamento que é visto como expansionista e com a reversão de medidas emblemáticas que, para a missão, significavam a rutura com "erros do passado" do Portugal gastador que viveu "acima das possibilidades".
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A reversão de cortes salariais, o facto de o PS ter-se recusado a fazer a reforma da Segurança Social defendida pelo PSD e CDS (que geraria poupanças permanentes de 600 milhões anuais em pensões e apoios sociais), a reposição do horário de trabalho na função pública das 40 para as 35 horas, o aumento do salário mínimo, o fim mais acelerado da sobretaxa do IRS, a pausa na descida do IRC, a reposição de feriados, a reversão da privatização da TAP e das concessões dos transportes coletivos de Lisboa e Portugal. A lista de inquietações da troika é grande (ver página seguinte).
"Estamos a escrever-lhe para saber as razões pelas quais Portugal planeia uma variação do balanço estrutural em 2016 bem abaixo do ajustamento recomendado pelo Conselho em julho [0,6% do PIB potencial]", escreveram um dos vice--presidentes da Comissão, Valdis Dombrovskis, e o comissário da Economia, Pierre Moscovici, na famosa carta de censura ao esboço do Orçamento. O governo de António Costa quer descer só 0,2% do PIB.
O debate algo críptico sobre o saldo estrutural (medida sintética que tenta dizer qual o esforço efetivo de consolidação orçamental) tem, portanto, motivações bem mais óbvias e fáceis de entender: dinheiro.
A troika é o interlocutor oficial, mas os credores privados também têm algo (muito) a dizer. É que, daqueles 43,1 mil milhões em crédito a devolver ao longo da legislatura, 80% diz respeito a responsabilidades perante os bancos.
No final do mês passado, Bruxelas disse que a dívida pública portuguesa é pouco sustentável no médio prazo. Mesmo assumindo que o país consegue gerar excedentes orçamentais primários (sem juros) estruturais sucessivos ao longo dos próximos dez anos, a Comissão con- sidera que, se nada for feito para melhorar as políticas, Portugal só baixa a dívida dos atuais 128,7% para 111,8% do PIB em 2026.
A DBRS, a única agência de rating que classifica a dívida nacional como sendo "não lixo", já disse estar preocupada com os acontecimentos recentes. Se reduzir as OT para um nível "especulativo", Portugal (a banca) perde acesso ao financiamento fácil e barato do BCE. É aqui que vão começar os problemas a sério do governo, dos contribuintes, do país.