O estranho caso do PIB desaparecido

Será que a nova política económica de incentivo ao consumo terá o resultado pretendido? Esta é a principal dúvida sobre o desempenho orçamental
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Houve dados económicos relevantes que desapareceram dos documentos do PS entre os vários estudos que foram sendo publicados antes das eleições e o programa de governo acordado entre o Bloco e o PCP e depois discutido no Parlamento.

Esses dados são os da previsão da evolução do PIB nesta legislatura (2016-2019) e, no mesmo período, o da previsão da evolução do desemprego. As previsões do défice ficaram (2,8% em 2016, reduzindo até 1,5% em 2019) e as do peso da dívida também (123,9% do PIB no próximo ano, descendo até 112% no final da legislatura).

Mas as do PIB e do desemprego - que tinham constado tanto no primeiro documento do PS "Uma década para Portugal" (uma espécie de pré-programa eleitoral), de abril, como no "Estudo sobre o impacto financeiro do programa eleitoral do PS", divulgado em agosto - sumiram-se.

A omissão, agora, de informações sobre o PIB e o desemprego - que terão no entanto de constar no Orçamento para 2016 e nos documentos prévios que o Governo enviar para Bruxelas - resulta diretamente do facto de os socialistas terem tido de mudar o seu programa político para acomodar as exigências do Bloco de Esquerda e do PCP.

O programa económico baseia-se essencialmente na ideia de incentivo ao consumo - esperando-se efeitos em cadeia na dinamização da atividade económica, a que se seguirá a diminuição do desemprego, descida na despesa social e aumentos na receita fiscal. Contudo, as exigências bloquistas e comunistas atingiram em cheio este propósito ao fazer cair uma das principais medidas do programa do PS, a que baixaria os descontos para a Segurança Social dos contribuintes e das empresas. Isso teria um impacto calculado nas receitas da Segurança Social que poderia ir, num valor máximo, a cerca de dois mil milhões de euros. Dito de outra forma: seriam postos na economia dois mil milhões de euros.

Assim, a expectativa é grande: será que a nova política económica desencadeada pelo governo de António Costa poderá continuar a ter os efeitos dinamizadores que inicialmente se pretendia.

Paulo Pedroso, ex-ministro socialista da Segurança Social, afirma que essa é mesmo "a questão-chave": "Saber se os estímulos funcionam ou não funcionam." E, portanto, se as políticas iniciadas em 2016 "poderão ou não prosseguir em 2017". "Será possível continuar a cortar a sobretaxa do IRS como agora se planeia? Será possível continuar a aumentar o salário mínimo nacional com o ritmo pretendido?" Pedroso não tem dúvidas de que os estímulos que se iniciarão no próximo ano terão "algum efeito". "Mas não é automático que seja suficiente." E o que está em causa não é pouco: nos estudos iniciais o PS projetava crescimentos do PIB que nunca foram atingidos com Portugal dentro do euro.

Mais à esquerda do que Pedroso, o economista Ricardo Pais Mamede reconhece que se a política de estímulos "não tiver efeitos substantivos" isso "será um problema". "Essa política tem de ser tentada", até porque "não há motivo algum para prosseguir a austeridade". "Mas não digo com toda a certeza que vai resultar." Assim, há três "incógnitas" para este economista - que tem sido fortemente crítico das políticas europeias de combate à crise do euro: "O impacto da nova estratégia económica, o problema dos bancos e as suas consequências orçamentais e ainda a orientação das políticas da União Europeia", sobretudo se se der o caso - e tudo aponta nesse sentido - de Portugal não conseguir reduzir o défice estrutural (saldo orçamental sem os impactos causados diretamente pela crise, por exemplo no aumento da despesa social) para os 0,5% do PIB.

Quem acha que está tudo destinado ao fracasso é Eduardo Catroga, economista, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva - e em 2011 o principal negociador pelo lado do PSD do memorando que o governo então liderado por José Sócrates assinou com a troika (FMI+Banco Central Europeu+Comissão Europeia).

Segundo afirma, a política de estímulo ao consumo que o governo de António Costa quer lançar é "uma política de alto risco" devido às implicações que poderá ter ao agravar as importações. "Tem apenas fins eleitorais" e só serve para fazer "umas florezinhas a curto prazo".

O prioritário, diz o economista chairman da EDP, "é consolidar as contas externas [o equilíbrio entre exportações e importações] e isso é tão importante como consolidar as contas públicas". E "isso faz-se com incentivos ao investimento produtivo", consolidando "a retoma pelo lado das exportações" e não pelo consumo, que no seu entender tende a aumentar as importações.

"Caminhar para o equilíbrio orçamental e para o equilíbrio externo implica criar condições de confiança para os investidores e isto já começou a correr mal porque uma das medidas do governo foi travar a descida do IRC que o anterior governo tinha iniciado", acrescentou o economista - cuja visão crítica faz lembrar muito a que o Presidente da República já mostrou ter

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