29 dezembro 2017 às 00h58

Motores a aquecer para a campanha de 2019

Os partidos que têm sustentado o governo minoritário do PS desde 2015 - BE, PCP e PEV - estão cada vez mais apostados em afirmar a sua identidade e autonomia.

João Pedro Henriques

Presidente da República já percebeu o que aí vem em 2018 e não se tem cansado de avisar. Não quer um ano "contaminado" (a expressão é dele) pelo ambiente de pré-campanha para as próximas eleições legislativas - que, se forem cumpridos os calendários, serão algures entre o fim de setembro e o princípio de outubro de 2019 (antecedidas em julho por eleições para o Parlamento Europeu).

O receio de Marcelo Rebelo de Sousa é muito claro: que o ambiente competitivo dentro da esquerda parlamentar que tem sustentado o governo minoritário do PS se agrave a ponto que torne impossível aprovar, no final de novembro de 2018, o Orçamento do Estado para 2019. "Relativamente ao ano que vem, que não é eleitoral, ano eleitoral é 2019, o problema é diferente, é o Orçamento para 2019, que vai ser discutido no final do ano que vem. Até que ponto é ou não contaminado pelo ambiente eleitoral de 2019? O que desejaria é que fosse descontaminado desse clima eleitoral", disse o Presidente, no início deste mês. Insistindo: "O clima [eleitoral] já vai ser muito longo. Vai começar praticamente no início do ano [de 2019]. Penso que todos ganharíamos em que o ano de 2018 fosse de acalmia eleitoral. Portanto, que o Orçamento para 2019 não fosse um campo de luta pré-eleitoral. Naquilo que depender do Presidente da República, no seu magistério de influência junto dos partidos políticos, tudo farei."

O conflito verificado, no final da discussão do OE 2018, entre o Bloco de Esquerda e o PS - por causa do volte-face dos socialistas à taxa que os bloquistas haviam proposto para as empresas de energia renovável -, ofereceu de bandeja aos bloquistas o discurso que farão na campanha eleitoral para se afirmarem perante o PS: o discurso que diz que os socialistas, sem um controlo à esquerda, são apenas o braço político de toda a espécie de interesses económicos, a bem destes e contra o interesse geral dos cidadãos. Enfim, que o PS é na verdade um partido de direita e, além do mais, pouco fiável na palavra dada.

A ameaça, por isso, já ficou. O Bloco de Esquerda voltará à carga, no Parlamento, com a sua taxa das renováveis - e o PS, evidentemente, voltará a votar contra, só não se sabe quando -, isso dependerá da avaliação do partido. Único objetivo: embaraçar o PS e o governo de António Costa (que sobre esta matéria regista divisões internas).

O PCP olhou para esta guerra com a desconfiança habitual com que olha para tudo o que o BE faz. Para os comunistas, foi só mais uma oportunidades para os bloquistas se porem em bicos dos pés no panorama mediático. Seja como for, os comunistas têm a mesma necessidade do BE de se afirmarem face ao PS com a sua "política patriótica de esquerda". Os momentos de dissensão perante os socialistas tenderão, portanto, a aumentar. Pelo país já se veem inúmeros outdoors do partido de Jerónimo de Sousa dizendo que "a culpa é do PS" na decisão de não aumentar o salário mínimo para 600 euros (aumentou para 585). É mais um sinal de que dentro da geringonça os motores já estão a aquecer para a campanha de 2019.

Centeno no Eurogrupo

Entretanto, o ministro português das Finanças, Mário Centeno, foi eleito presidente do Eurogrupo - organismo informal da União Europeia que reúne todos os países do euro e que tanto o BE como o PCP olham como a personificação de todos os males das políticas económicas e financeiras subjacentes ao Tratado Orçamental.

Centeno já prometeu que levará para o Eurogrupo a visão "diferente" que acredita ter sido levada a cabo em Portugal - contrária à ideia de corte nos rendimentos como solução -, mas falta saber se conseguirá levar isso avante. Bloquistas e comunistas estão de olho, vigilantes. Se Centeno se revelar apenas uma espécie de Dijsselbloem simpático e do Sul, não hesitarão em confrontá-lo.

Por exemplo, quanto à Grécia, cujo terceiro resgate terminará no primeiro semestre deste ano. Está por decidir, mais uma vez, se a saída se fará acompanhada (ou não) de um programa cautelar para o caso de o regresso aos mercados correr mal. À boleia da Grécia, os partidos à esquerda do PS poderão também insistir na ideia de reestruturação da dívida - ideia que nem o PS nem a generalidade da ortodoxia europeia aceita.