Ministério recusa aplicar propostas para reprimir as praxes
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior decidiu deixar de lado as propostas mais radicais para combater os abusos nas praxes académicas, como o bloqueio administrativo de quaisquer verbas para associações de estudantes que apoiem as comissões de praxes e a garantia de apoio jurídico gratuito para todos os alunos que queiram denunciar eventuais abusos. Em vez disso, prefere apostar no diálogo com as instituições e no financiamento de iniciativas alternativas de acolhimento de novos alunos, nomeadamente de âmbito cultural, as quais, acredita o ministro Manuel Heitor, permitirão gradualmente mudar estas práticas.
No início do mês, foi apresentado o estudo "A Praxe como Fenómeno Social", coordenado por João Teixeira Lopes (Universidade do Porto) e João Sebastião (ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa), em que o ministério era aconselhado a tomar uma série de medidas concretas no sentido de reprimir estas práticas e reforçar o apoio e acompanhamento dos alunos alvo de praxes abusivas.
Os autores do estudo aconselharam o governo a "impedir o financiamento público de atividades de praxe académica, nomeadamente através do financiamento indireto que é atribuído às estruturas informais e não legitimadas de praxe por via de associações académicas e de estudantes", sugerindo que, através do Instituto Português do Desporto e Juventude, "haja uma orientação clara para bloquear qualquer apoio público que, direta ou indiretamente, seja identificado como tendo como objetivo o financiamento de atividades por parte de tais estruturas".
No que respeita aos alunos, propuseram a criação de um website e a distribuição de prospetos informativos dedicados a esclarecer os novos estudantes sobre os seus direitos face a estas práticas. E defenderam ainda, no que respeita às vítimas, a garantia de apoio jurídico gratuito, em caso de ação judicial, e criação de "uma linha gratuita e permanente de apoio", com meios para atuar. "Esta linha deve garantir aconselhamento jurídico e, se necessário, o encaminhamento das denúncias de situações de abuso e violência nas praxes académicas para as entidades judiciais competentes".
Mas Manuel Heitor - que já na altura da apresentação deste estudo tinha manifestado relutância em "policiar" as instituições do ensino superior - disse ao DN que prefere retirar o apoio às comissões de praxes através do diálogo com as instituições do ensino superior e com outras entidades que as podem apoiar, como "empresas de bebidas alcoólicas" (ver entrevista).
Por outro lado, o ministro concorda com uma das conclusões do estudo - de que as praxes se enraizaram devido à falta de alternativas institucionais para acolher e integrar os alunos. E pretende contrariar essa realidade através do apoio formal da tutela a iniciativas dessa natureza.
Esta terça-feira à tarde Manuel Heitor estará no Politécnico de Viseu, para um concerto que marca o arranque do ciclo "Música e Ciência", o qual segundo o Ministério já se enquadra na filosofia de promover alternativas para os alunos.
Na ocasião, o ministro vai apresentar a iniciativa "exarp" - a versão invertida da palavra "praxe" - cujo objetivo, explicado numa carta que enviou na passada sexta-feira a dirigentes de instituições e associações de estudantes, é "dar a volta à praxe", estimulando "alternativas que promovam a liberdade e emancipação dos jovens e a sua integração no ensino superior". O Ministério lançou já um site na Internet para promover o programa.
"Não se trata de ir perseguir"
Contactado pelo DN, João Sebastião, um dos autores do relatório sobre as praxes, confirmou que a falta de alternativas é um dos motivos para que estas se tenham enraizado no sistema. "As praxes sobrevivem pela ausência de iniciativas institucionais. São iniciativas informais que cresceram ao longo do tempo com base na inexistência de uma alternativa", considerou.
Por outro lado, defendeu também algumas das medidas que o Ministério deixou ficar pelo caminho, nomeadamente o apoio jurídico gratuito aos estudantes vítimas de abusos. "Quando há situações de violência, de agressão, não sendo crime público é ele [aluno] a queixar-se. E muitos estudantes não têm recursos", explicou. "Só para apresentar queixa são precisos 300 euros mais um advogado".
João Sebastião recusou também que esteja em causa, na proposta, uma intromissão na independência das instituições académicas. "Nós propomos um conjunto de medidas ativas. Ou seja: aquilo que nós propomos é que se retire, no fundo, a base institucional de apoio às praxes. Não se trata de ir perseguir, nem de ir cortar apoios às associações de estudantes", assegurou.
No estudo, era confirmada uma elevada taxa de aceitação das praxes entre as associações estudantis e uma relutância da parte da maioria das instituições em condenarem estas práticas. E era também nesse sentido, disse João Sebastião, que era defendido um maior envolvimento das lideranças: "O que nós propomos é que as universidades tenham uma atitude pró-ativa de não reconhecimento das comissões de praxes. A praxe é hoje muito aceite".