Inspeção da Educação não pode fiscalizar colégios militares
Declarações de responsáveis de uma escola pública ou privada indiciando a prática de discriminação sobre alunos homossexuais, expressamente proibida no Estatuto do Aluno, suscitariam muito provavelmente a intervenção da Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC). Mas no caso do Colégio Militar, e das declarações do respetivo subdiretor ao Observador, a IGEC está impedida de atuar. De acordo com esclarecimento prestado ao DN pelo Ministério da Educação, os Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) do Exército, ou seja, o Colégio Militar e o Instituto dos Pupilos do Exército, apesar de estatutariamente definidos como escolas da rede pública, estão fora da alçada da Inspeção Geral de Educação.
"A responsabilidade dos Estabelecimentos Militares de Ensino é do Ministério da Defesa Nacional, uma vez que estas entidades são da tutela daquele ministério", esclarece a assessoria do ME. "Assim, relativamente às questões sobre o Estatuto do Aluno, cabe desde logo a sua fiscalização aos serviços da tutela direta, sem prejuízo da colaboração, sempre que solicitada, da IGEC." A Lei de Bases do Sistema Educativo, porém, estabelece que "a inspeção escolar goza de autonomia no exercício da sua atividade e tem como função avaliar e fiscalizar a realização de educação escolar, tendo em vista a prossecução dos fins e objetivos estabelecidos na presente lei e demais legislação complementar." Aliás, mesmo no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo especifica-se que até nas escolas não públicas a IGEC "procede regularmente a ações de fiscalização", exercendo, "com as necessárias alterações, as mesmas competências que lhe estão cometidas" em relação às públicas.
Apesar de a sua frequência estar sujeita a pagamento de mensalidades, os EME são estatutariamente escolas públicas, mesmo se "integradas na estrutura orgânica do Exército". Motivo pelo qual Mário Nogueira, da FENPROF, se surpreende com a informação prestada ao DN pelo ME sobre a impossibilidade de a IGEC ali entrar sem autorização da Defesa: "Dá para perceber que o Exército é uma espécie de mundo à parte, mas a Inspeção tem a competência de fiscalizar todo o sistema, da base ao topo. Não se compreende a exceção. Se o Colégio Militar é da rede pública tem de ter regras da rede pública. Devia ser fiscalizado pela IGEC." E adianta: "Temos uma reunião agendada com a Inspeção e vamos levantar essa questão."
Já o ex-secretário de Estado da Educação Valter Lemos admite que "em abstrato o ministro da Educação tem competência inspetiva sobre todos os estabelecimentos, privados e públicos, pelo que é discutível se não pode fazê-lo." Garantindo que enquanto teve competências governativas na Educação, de 2005 a 2009, "a questão nunca se colocou", o ex-governante considera ainda assim que "não seria curial se o ME decidisse fazer uma inspeção nos EME sem entendimento prévio com o ministério da Defesa". Foi o caso, informa, da fiscalização "extraordinária" conjunta com a Inspeção da Defesa que a IGEC levou a cabo em 2009 no Colégio Militar. Estavam em causa alegações de maus tratos de alunos por colegas mais velhos. Comenta, porém: "Do meu ponto de vista não faz sentido que o ME não tenha competência de intervenção na área pedagógica em todas as escolas de ensino formal, e nesse quadro parece-me lógico que o ME tenha tutela pedagógica dos EME." Mas isso, conclui, "é uma questão de decisão política do Governo, não do ME".
Decorreu no início de maio uma inspeção ao Colégio Militar, realizada pela Inspeção Geral do Exército. Esta foi anunciada pelo ministro da Defesa, Azeredo Lopes, durante a sua audição no parlamento na sequência da demissão do Chefe do Estado-Maior do Exército (demissão que, recorde-se, teve lugar a 7 de abril, o dia subsequente à publicação, no DN, da reação de Azeredo Lopes às declarações do subdiretor do CM, asseverando que qualquer discriminação é inadmissível e que tinha pedido explicações ao Exército).
Seria suposto esta inspeção, de acordo com o anúncio do ministro, averiguar sobre a alegada discriminação. Mas, na véspera da ida de Azeredo Lopes à Assembleia da República, o Exército quebrou o silêncio sobre o assunto, que durara mais de 20 dias, exarando um comunicado no qual certificava não existir, no CM, qualquer discriminação com base na orientação sexual. E no próprio dia do início da inspeção, a 3 de maio, o diretor de Educação do Exército, major-general Cóias Ferreira, que superintende os EME, ouvido na Comissão Parlamentar de Igualdade, corroborou insistentemente o comunicado. Cóias Ferreira, que surpreendeu as deputadas e os jornalistas ao aparecer em vez da direção do CM - a entidade requerida para a audição -, chegou mesmo a questionar "as condições em que a entrevista foi efetuada", acusando o Observador de "artifício jornalístico" e "criatividade" (ver fotolegenda).