26 novembro 2016 às 00h38

"Estes alunos serão 'champions' de Portugal no mundo"

As universidades portuguesas estão a descobrir a sua vocação exportadora. E a entrar na corrida pela China

Fernanda Câncio

"As universidades da Europa eram todas financiadas pelo Estado e com a rutura financeira tiveram de ir à procura de formas de financiamento alternativas. E cada aluno destes paga por sete portugueses ou europeus. Não por serem chineses, é assim com todos os alunos de fora da Europa. A concorrência neste momento é muito grande. " Virgínia Trigo, diretora dos programas com a China do ISCTE, está provavelmente entre os portugueses que melhor conhecem o ex-Império do Meio. Passa lá oito meses por ano. E garante que a maior experiência da sua vida tem sido "acompanhar o processo de desenvolvimento e abertura da China. A evolução é incrível."

Todas as instituições universitárias ocidentais, assevera, querem "ir para a China" e atrair alunos de lá. "Nós, no ISCTE, temos tido muito bons resultados e era muito importante que os responsáveis políticos percebessem que a educação é o melhor produto de exportação. Cada aluno destes será um promotor, um defensor de Portugal em todo o lado. Para ele o país será sempre especial, porque é o lugar que o formou."

Fundamental para atrair estes estudantes, considera Virgínia Trigo, é a criação de turmas em inglês, algo em que o ISCTE foi pioneiro em Portugal. E um a seleção e acompanhamento cuidadosos. O ISCTE, como por exemplo a Universidade de Coimbra, contratou um funcionário bilingue para lidar com estes estudantes. Em Coimbra, onde há 190 alunos chineses nos vários ciclos (licenciatura, mestrado e doutoramento) existe desde há dois anos uma China Desk para "prestar apoio personalizado a candidatos e estudantes de nacionalidade chinesa", e gerir um site específico, em mandarim, na página da internet da UC. Existe também um curso preparatório de português, de um ano (a UC não tem turmas em inglês).

Há mais de 300 alunos chineses a fazer doutoramentos pelo ESCTE em universidades na China com as quais o instituto português fez protocolos; cá, são cerca de 50 a fazer doutoramento, 100 em mestrados e 12 em licenciatura (a legislação que permite a alunos de fora da UE matricularem-se em universidades portuguesas é de 2014). A relação iniciou-se há mais de uma década: "Os primeiros alunos de doutoramento da China continental chegaram ao ISCTE em 2004, e foram eles que, regressados, canalizaram alunos para cá. Mas foi somente em 2008 que começámos estes projetos em força, e iniciámos o estabelecimento de doutoramentos na China", narra Virgínia Trigo. É preciso ter em atenção, adverte, a diferença de culturas. E muito cuidado "com os alunos que trazemos para cá, para não se sentirem frustrados. E para não serem pessoas que querem emigrar, em vez de estudar". Sendo "alunos muito entusiastas, muito trabalhadores, muito comprometidos", o seu empenho nem sempre é óbvio. "Não falam muito nas aulas, não fazem muitas perguntas, têm uma relação distante com o professor. E têm uma forma de estudo muito direcionada, precisam que lhes digam o que devem fazer. Ficam confusos se tiverem de escolher a bibliografia e não gostam de trabalho de grupo." E se, ao contrário do que é comum em Portugal, "em matemática não têm dificuldade nenhuma, pode haver por exemplo um miniteste em que todos os chineses chumbam, por causa da terminologia ou porque não tiveram determinada disciplina no liceu. E ficam aterrados."