15 abril 2017 às 00h46

Adriano Campos: "Regularização dos precários é um avanço histórico"

Dirigente da associação Precários Inflexíveis defende que a integração dos precários do Estado, que vai agora iniciar-se no terreno, é um "passo histórico". Mas sublinha que há motivo para preocupações na portaria avançada esta semana pelo Ministério do Trabalho, o documento que regulamenta o processo de regularização que abarca um universo superior a cem mil pessoas. Adriano Campos avisa que este processo na administração pública "é um começo", até porque no setor privado "continua tudo por fazer".

Susete Francisco

Que avaliação faz do projeto de portaria para a integração dos precários na Administração Pública?

O documento ainda vai ser votado, temos a esperança de que possa vir a ter algumas alterações. Mas, em todo o caso, deve-se assinalar que - depois de vários meses, vários adiamentos e várias promessas - é um passo muito positivo que se possa dar início ao processo de regularização das centenas de milhares de pessoas que estão numa situação de precariedade no Estado. A acontecer, e parece que vai de facto avançar, estamos perante um avanço histórico. E isto significa coisas muito concretas na vida das pessoas. Pode significar, por exemplo, acabar de uma vez por todas com os falsos recibos verdes no setor empresarial do Estado, que não é coisa pouca. Um dos factos a assinalar é que o governo deixou cair, e bem, o critério do horário completo, que deixaria muitas pessoas de fora. Posto todas estas partes positivas do processo, e do que ele representa, há coisas que nos preocupam.

Por exemplo?

Desde logo a constituição das comissões, que fecha a possibilidade de termos comissões paritárias. Tal como a portaria está, os representantes dos trabalhadores nunca terão igualdade na negociação perante os membros do governo. E sobram algumas dúvidas: a portaria não deixa claro como ficam as pessoas que, com estes adiamentos sucessivos deixaram de ter um vínculo - que era precário - com o Estado. É preciso clarificar quem é que pode, de facto, apresentar os requerimentos às comissões para ver o seu vínculo reconhecido.

A portaria, tal como foi divulgada, não prevê a possibilidade de recurso. Devia prever?

Claro. Isso até é algo que nos espanta, porque em todo o relacionamento que temos com o Estado há sempre um canal de recurso para qualquer decisão. É uma das nossas grandes preocupações. Porque senão estamos a excluir qualquer tipo de reclamação ou de retificação de situações injustas. Outra fragilidade da portaria é a questão dos contratos de emprego-inserção, que foram usados e abusados nos últimos anos. O que a portaria diz é que fica exclusivamente a cargo das chefias propor ou não a integração destes postos de trabalho. Excluir por completo a possibilidade dessas pessoas se apresentarem a este processo parece-nos bastante negativo.

As chefias acabam por ter um papel determinante neste processo...

Por isso é que insistimos sempre na questão da paridade e que pudesse haver um presidente que fosse encontrado por consenso. Não seria descabido que os chefes de serviço tivessem um papel mais de observador. Por fim, depois de tantos adiamentos - isto é falado praticamente desde o início do governo e o executivo já leva mais de 500 dias - é incompreensível que todo o processo [para apresentação dos requerimentos por parte dos trabalhadores] dure apenas 60 dias.

É pouco?

Muito pouco.

Mas todo este processo só pode ser verdadeiramente avaliado no final, quando se conhecerem os números da integração, ou não?

A nossa preocupação é que não pode ser o Ministério das Finanças a estipular, à partida, um número fixo, e depois logo se vai ver o que é que se pode encaixar ali. Esse é o grande perigo. Que parte de uma conceção errada de que esta regularização vai fazer disparar os custos, o que não é verdade. Por exemplo, nos outsourcings, ou mesmo no falso trabalho temporário, o que estes trabalhadores passarão a ganhar não será muito superior. Em alguns casos o custo até será menor - como no das empresas de trabalho temporário às quais o Estado já paga um valor muitíssimo superior àquele que depois chega aos trabalhadores. E depois estamos a falar de postos de trabalho que são imprescindíveis. Se estes trabalhadores, de um momento para o outro, fossem retirados, os serviços paravam. Deixávamos de ter consultas, de ter bibliotecas abertas, museus, os teatros nacionais, que são completamente movidos a falsos recibos verdes.

O Estado é o maior empregador de precários. Este processo pode vir a ter reflexos no setor privado?

A nossa expectativa é essa. O que vimos nos últimos anos foi que as coisas foram sempre piores no setor privado quanto piores eram no setor público.

E quanto ao combate à precariedade no setor privado, o governo tem feito o suficiente?

Sobre o setor privado a verdade é que ainda está tudo por fazer. Naquilo que é alteração das leis laborais, este governo tem tudo por fazer. Nós temos exatamente as mesmas leis laborais que tínhamos no período da troika, aliás o próprio governo fez questão de dizer que não queria mexer nesse departamento. Lamentamos. Só ficamos a perder. Continuamos a ter o uso das empresas de trabalho temporário, que continuam a ter as mesmas benesses. A proteção no desemprego ou as indemnizações por despedimento continuam a ser as da época da troika. Para nós acabar com a precariedade no Estado é um começo, mas não pode ficar por aí.