"Há medo dos refugiados. Mas qual a alternativa, mandá-los para trás?"
Michael Czerny é padre jesuíta e conselheiro do Papa. E defende que a solução para o drama passa pelo diálogo entre todas as partes, incluindo, se possível, o autoproclamado Estado Islâmico.
O Papa apelou às paróquias da Europa para que recebam uma família de refugiados cada uma. E o Vaticano, vai fazer alguma coisa diretamente para os ajudar?
Não é o departamento em que estou que trata dessa questão, mas não creio. É um assunto para ser tratado pelos bispos europeus. Sei que é confuso porque o Vaticano está situado na Europa. Mas se tivéssemos uma crise de refugiados na Coreia ninguém perguntaria o que o Vaticano iria fazer. Simbolicamente, porém, como temos duas paróquias, cada uma vai receber uma família.
O Vaticano não tem condições para acolher mais de duas?
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Bom, se cada paróquia acolher uma família logo se vê se podemos acolher mais.
E quanto às causas, que pensa que pode ser feito?
Acho que se tivéssemos de formular uma estratégia seria de negociações entre todas as partes interessadas.
Incluindo negociar com o autodenominado Estado Islâmico?
Negociar com quem estiver nessa disposição.
O Estado Islâmico não está certamente.
Sim, mas há outros países envolvidos, interessados, a mandar armas e gente. Quando há envolvimento de outros países pode-se não conseguir chegar aos beligerantes em si mas pode-se chegar aos seus apoiantes e aliados, encontrar uma solução e pressionar. É o que se pode realisticamente fazer.
Crê que é realista esperar que a situação possa resolver-se sem mandar exércitos? É a primeira vez em muito, muito tempo em que a Europa está envolvida numa guerra religiosa - se é que isto é mesmo uma guerra religiosa.
Pode-se dizer que é comum haver aspetos religiosos em conflitos, mas nos tempos modernos duvido de que alguma vez tenhamos tido realmente uma guerra religiosa, e essa perspetiva é muito assustadora.
Sendo este conflito com o Estado Islâmico supostamente de índole religiosa, não seria de esperar que um líder religioso falasse sobre ele?
Bem, falar não é sempre o melhor caminho, não ajuda sempre. Veja--se o caso do reatar de relações entre os Estados Unidos da América e Cuba, em que o Papa trabalhou - não houve declarações e se tivesse havido não se teria provavelmente chegado a lado algum.
Mas esse foi um processo que decorreu nas vias diplomáticas.
Sim, é verdade. Mas pode-se sempre tentar abrir canais de comunicação. O Santo Padre está provavelmente a trabalhar arduamente nos bastidores. Mas falar, dizer "devia fazer-se isto ou aquilo" nestas circunstâncias não ajudaria. Não sabemos o que ele está a fazer e isso não significa que não esteja a fazer alguma coisa ou mesmo muito.
Por outro lado, a ideia de receber centenas de milhares de refugiados muçulmanos na Europa não assusta a Igreja Católica?
Penso que não. A resposta da Igreja não é por as pessoas serem católicas, muçulmanas, brancas ou negras. Perguntar antes o que és tu ou que contingente estatístico vais engrossar ou fazer diminuir não é a forma correta de lidar com um desastre humano. Se temos uma família a precisar de ajuda, pode ser muçulmana, mas do que precisa é de um sítio para viver, para existir.
Vem à memória o que Bento XVI disse da religião muçulmana, porém: que é um credo beligerante, de guerra.
Não ligaria isso a esta situação. E acho que acolher e ser generoso é muito mais uma contribuição no bom sentido... Acho que vai haver muita reconciliação, muita compreensão mútua.
Mas há uma reação de medo, que não pode ser ignorada.
Sim, há medo, é verdade. Mas qual é a alternativa? Mandá-los para trás? Temos de ter esperança. É uma situação muito difícil, daquelas em que provavelmente não há uma resposta única, total, mas talvez dez mil ou cem mil pequenas respostas. Talvez daqui a 20 anos olhemos para isto e percebamos que foi um ponto de viragem. Que as coisas mudaram - que à volta desta crise, demos a volta.