"Se a administração da CGD sair, há responsabilidades políticas"
Ana Botín, a presidente do Banco Santander, que é um dos maiores bancos europeus, escreveu nesta sexta-feira no DN um artigo de opinião em que pede aos reguladores uma clarificação sobre os requisitos do capital, no sentido de se perceber que os bancos só podem emprestar se souberem que capital é que lhes vão exigir os reguladores, mais à frente. Há aqui um problema de fundo na banca europeia que está a dificultar o financiamento da economia europeia e também em Portugal?
Há. Há e eu não sou muito otimista em relação ao ritmo a que isso vai ser resolvido. Porque a banca europeia é estruturalmente diferente da banca americana no seu efeito sobre o investimento, porque o peso do mercado de capitais nos Estados Unidos é brutal e quase qualquer pessoa que tenha uma ideia e que a consiga vender bem...
Pode ir buscar dinheiro fora do sistema financeiro, da banca...
Em quantidades, para nós, impensáveis e difíceis de entender. Na altura da bolha das tecnológicas, houve um miúdo qualquer de 16 anos que levantou não sei quantos milhões para uma ideia que tinha tidos... [risos] de escrever uns papéis no quarto e então... Pronto!
E nascem assim muitas empresas.
A capacidade que o mercado de capitais tem tido, nos Estados Unidos, de financiar empresas que vivem continuamente em prejuízo... Na Europa não. Os bancos nunca estiveram muito interessados em desenvolver o mercado de capitais, porque queriam ser eles a intermediar todas as operações.
Mas, neste momento, têm um problema também de estabilidade de gestão, que é...
Eles, neste momento, estão, de alguma forma, a pagar pelos erros que fizeram ou pelos erros em que colaboraram. Eu não vou estar aqui a dizer que os banqueiros são os grandes responsáveis pela crise, mas foram parte de um sistema que avançou para um desastre sem grande resistência. É evidente que os governos estavam interessados em que aumentassem a distribuição de crédito. O refinanciamento do crédito hipotecário, nos Estados Unidos, era feito em duas instituições oficiais americanas. Havia instruções, no tempo do governo de Clinton, para que pessoas que não tivessem nem crédito nem um emprego pudessem ter um empréstimo. E depois aquelas CDO [collateralized debt obligations] todas eram vendidas aos bancos que concentravam o aforro na Europa. A nossa banca, aqui, durante anos, fez empréstimos para a habitação a 30 anos com base em fundos que tinham um ou dois anos de vista, partindo do princípio de que nunca ia deixar de os ter.
Mas a questão é que esses erros não estão a ser pagos só pela banca. Ou seja, a economia real também vai pagar esses erros.
Ah, com certeza! Paga a economia, pagam os contribuintes, paga toda a gente. A alternativa é deixá-los fechar. Ainda é pior. Deixou-se cair numa situação...
Olhando aqui para Portugal, acha que o risco ainda é muito grande para economia portuguesa? A situação dos bancos portugueses, dos bancos que operam em Portugal? Alguns deles ainda estão, obviamente, nas mãos de portugueses.
Normalmente, quer dizer, os bancos não resistem se houver uma corrida aos depósitos. Mas não resistem cá, como não resistem em praticamente sítio nenhum. E, por isso, é que se diz que estes problemas na banca devem ser resolvidos de uma forma discreta e rápida, porque arrastarem-se perante a opinião pública durante muito tempo gera comportamentos que podem ser perigosos.
Gera desconfiança.
Quer dizer, esta história toda da Caixa Geral de Depósitos, há meses, é um manual de como não se deve fazer.
O que é que mais teme que possa acontecer na Caixa?
Eu gostava de dizer, em relação ao anterior governo e em relação ao atual governo e em relação ao problema financeiro, os espanhóis não tiveram um programa de ajustamento clássico como nós tivemos. Enfim, a Espanha achou que era grande de mais para ser sujeita a uma coisa dessas. Mas o dinheiro que entrou, para resolver o problema do sistema financeiro, foi utilizado num número escasso de semanas. O banco central de Espanha, em acordo, com certeza, com o Banco Central Europeu, chamou as dezenas largas de bancos que havia em Espanha e disse: "Tu não tens viabilidade para existir, fundes-te com este; tu, assim, assim..."
Pois é, e as coisas resolveram-se. E nós, aqui, tínhamos 12 mil milhões e utilizámos metade.
Mas isso é o tradicional arrastar dos pés dos portugueses. Não é do Dr. Passos Coelho nem é do Dr. Costa. São todos iguais!
Pergunto-lhe se na Caixa se está a fazer o mesmo. Porque este governo existe há um ano, praticamente, e o problema da Caixa também se arrasta. Teme que...?
Eu acho que não. Há uma orientação em relação a esse assunto. E deixou-se criar uma situação que é complicada, já que o país tem muito pouca autonomia em relação a essas decisões.
Mas conseguiu uma coisa que não era expectável que conseguisse, que é a recapitalização ser feita com dinheiro do Estado sem ser considerada ajudas do Estado, sem entrar no Orçamento, tem uma administração profissional... Como é que acha que vai acabar isto tudo, da Caixa Geral de Depósitos?
Eu não sei se foi tão difícil assim. Eu acho que grande parte das instâncias europeias hoje olham para nós como uns chatos que só criam problemas e que nunca mais resolvem os problemas. E eles devem ter [decidido]: "Ah, querem fazer assim? Eh pá, então façam!" E nós estamos a dar aqui um espetáculo.
Se a administração atual da Caixa acabar por sair, o senhor acha que a responsabilidade é imputável a este governo? A António Costa? A Mário Centeno? A quem, dentro do governo?
Confesso que me é relativamente indiferente quem é que é o responsável, porque nós, em Portugal, penalizamos pouco. Usando uma expressão corrente, somos todos uns gajos porreiros uns para os outros. E isso é mau. Ninguém assume responsabilidades, ninguém pede responsabilidades.
Se a administração da Caixa acabar por sair, porque alega que tem um acordo feito com o governo e o governo não desmentiu - bem pelo contrário, há uma nota do Ministério das Finanças dando conta de que não foi um lapso a questão da entrega das declarações de rendimento, que foi feito mesmo assim, para os tirar do estatuto de gestor público...
Mas não leram a lei de 1983. Oiça, isso é a qualidade da produção legislativa em Portugal. Nós temos leis para uma coisa e para o contrário dessa coisa em vigor. A gente sabe, nas empresas - e noutros sítios deve ser pior e noutros sítios é mais grave, como neste -, onde podemos estar sujeitos a uma regra que nos manda fazer de uma maneira e a outra regra que nos proíbe de fazer dessa maneira. E as leis e os decretos são feitos nos gabinetes por uns meninos das jotas que não sabem do que é que estão a tratar e que arranjam coisas que não funcionam, não sabem o que é que é preciso ver para trás, o que que era preciso revogar, o que é que faz andar de uma forma diferente e se tira, depois, as consequências disso. E esse caso é evidente, não é?
E acha que deve haver responsabilidades políticas, neste caso, se ficarmos sem administração na Caixa por causa disso?
Ah, isso vai haver, com certeza. Não tenho dúvidas.
Se a responsabilidade for dele, faz sentido que Mário Centeno seja penalizado ao ponto de deixar o lugar de ministro das Finanças?
Não há outra penalização que não seja essa. Nós aqui, aliás, passamos do zero para o cem, não é? [risos]. Não sei. Eu gostava de que o problema se resolvesse, apesar de tudo.
Mas não se resolvendo...
Respondo-lhe na altura. Eu acho que ninguém sabe o que é que vai acontecer.
Pois, está tudo à espera para ver.
Isso é o pior, é ninguém saber o que é que vai acontecer. Não devia ser possível... Em relação à Caixa, vai pedir-se aos contribuintes para entrarem com uma data de dinheiro...
Quatro mil milhões de euros...
E é para fazer exatamente o quê? A Caixa Geral de Depósitos foi, no sistema bancário português, o banco que mais aumentou os ordenados de 2004 a 2010. Aumentaram os ordenados mais de 70%. Isso faz que eles tenham custos tão elevados e tenham prejuízos na atividade corrente. Portanto, não é só o problema dos empréstimos aos Berardos e essa coisa toda.
Acha que o banco público devia dar o exemplo também nessa área?
Não pode ser! É o mais caro de todos, em termos de custo médio do pessoal! Se alguém pegar no que é que está previsto para indemnizações e dividir pelo número de pessoas que saem, é um volume maluco de indemnizações.
A verdade é que esta alteração que permite os salários da atual administração inclui, também, a possibilidade de haver aumentos novamente para os funcionários da Caixa...
Na anterior administração, os diretores ganhavam mais do que os administradores, mas bastante mais. E a Caixa, em todos os escalões, paga acima dos outros bancos. Porquê?
Havendo uma restruturação implícita na recapitalização, espera que isso se resolva também por aí?
Não, acho que isso não se vai resolver. Porque aquilo é um banco público e com certeza que... Acha que vão reduzir os ordenados das pessoas?
Pode haver uma restruturação dispensando pessoas.
É que, no setor privado, houve muitas empresas que foram retomadas por outras, estavam penduradas nos bancos e a condição da retoma foi reduzir, substituir, por exemplo, nos quadros, substituir ordenado fixo por base e ordenado variável que recebiam se corresse bem ou mal. E, para muitas pessoas, significou perder 20% ou 30%. Porque é que os contribuintes vão pagar para uma instituição daquele tamanho, onde nada disso acontece?
Porque é preciso salvar o banco, provavelmente.
Não. É preciso é salvar os funcionários, pelos vistos.