Empresas só provisionaram 10% da fatura dos swaps do Santander

Quatro empresas públicas de transportes provisionaram 170 milhões para pagar conta de 1,7 mil milhões. Impacto no défice é real

A fatura dos swaps a pagar pelas empresas públicas de transportes ao Santander Totta soma 1690 milhões de euros, um valor que disparou desde que Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, decidiu não negociar com o banco nem pagar. Este é o atual valor dos swaps, contratos de derivados financeiros, altamente especulativos, destinados a cobrir o risco de flutuações de taxas de juro e cambiais. A primeira parcela da conta a saldar de imediato junto do Santander Totta é de 441 milhões, respeitante a fluxos já vencidos.

Perante a palavra do tribunal inglês, que ontem veio dar razão ao banco e confirmar a validade dos contratos swap, o Santander Totta já veio afirmar que "a decisão tem um conteúdo inequívoco, aguardando agora que sejam honrados os compromissos". Mas também manifestou a sua disponibilidade para negociar. O DN/Dinheiro Vivo sabe que o banco está disposto a discutir quer o valor em si quer o prazo para o pagamento. Até à hora de fecho desta edição, o Santander não tinha recebido qualquer contacto direto por parte do governo.

Já ao final da tarde, o Ministério das Finanças emitiu um comunicado em que anunciou que as "empresas públicas (Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP) farão uso de todos os meios jurídicos ao seu dispor para recorrer da decisão proferida hoje pelo Tribunal de Recurso inglês (Court of Appeals), a respeito da aplicabilidade do direito português aos contratos swap celebrados entre estas e o Santander Totta, tendo já manifestado essa intenção". Será interposto recurso da decisão "dentro do prazo legalmente previsto (até ao dia 10 de Janeiro de 2017) para o tribunal inglês de última instância. Mas deixa a porta aberta às negociações. "Sem prejuízo da defesa firme dos seus direitos, as empresas mantêm-se disponíveis, como sempre estiveram ao longo do processo, para encontrar uma solução negocial alternativa que permita pôr fim ao litígio."

Estão em causa nove contratos de swaps com o Santander Totta. A decisão do tribunal agora conhecida diz diretamente respeito a sete, já que há outros dois que já tinham transitaram em julgado em maio, podendo ser executados. Estes dois respeitam a contratos com a Carris e o Metro do Porto, com valores abaixo dos outros. As Finanças não comentam se a decisão do tribunal poderá vir a ter implicações orçamentais. Tudo depende de os relatórios e contas provisionaram os valores relativos aos swaps ou se, pelo contrário, as provisões não foram feitas ou são escassas e a fatura vai diretamente impactar no défice.

A análise do DN/Dinheiro Vivo permitiu concluir que o somatório de provisões da quatro empresas para processos judiciais em 2015 totaliza 200 milhões de euros, dos quais 174 milhões são relativos à contestação judicial do Santander. Na Carris, "as provisões para processos judiciais em curso foram reforçadas em 18,5 milhões relativos às prestações vencidas em março, junho e setembro de 2015" dos swaps do Santander. No total, estão provisionados 41,8 milhões para processos judiciais em curso.

O Metropolitano de Lisboa provisionou 100,5 milhões de euros em 31 dezembro de 2015 (47,8 milhões em 2014), mas deste total só 78,7 milhões são relativos aos juros vencidos e não pagos ao Santander entre dezembro de 2013 e 2015.

No Metro do Porto, as provisões para processos judiciais são de 51,4 milhões em 2015 (49,8 milhões em 2014), mas a empresa não especifica qual o montante para o processo dos swaps do Santander.

Já a STCP reforçou a provisão para 2,2 milhões de euros "a 31 de dezembro de 2015, de forma a cobrir os encargos que se estimam vir a suportar com esta ação e que não se encontravam ainda refletidos nas demonstrações financeiras".

À fatura a pagar por estes swaps, que totalizam 1690 milhões de euros, é preciso somar juros e ainda outros custos a litigar com o Santander na justiça. Ainda antes do recurso para o Court of Appeals, os custos com os advogados contratados pelo Estado já tinham atingido os 11 milhões de euros, ao qual é preciso adicionar as custas do processo.

Juiz do brexit dá razão ao banco

O recurso ao Supremo Tribunal poderá de nada adiantar neste processo. "Dada a violência da sentença do Court of Appeals, dificilmente qualquer recurso ao Supremo terá sucesso", concordam as fontes ligadas quer à justiça quer à banca contactadas pelo DN/Dinheiro Vivo. Aliás, recorrer para o Supremo Tribunal em Londres não é um direito propriamente dito mas uma possibilidade e o Supremo tem o poder de decidir se quer ou não apreciar os assuntos que lhe chegam. A recusa à entrada do processo nas portas desta instituição pode ocorrer, ainda para mais quando as decisões anteriores "vêm carimbadas e assinadas por juízes com pergaminhos".

Na primeira instância, a decisão foi do juiz William Blair, irmão do antigo primeiro-ministro Tony Blair, um reputado profissional da justiça. Agora, neste segundo momento, a decisão foi do coletivo de juízes presidido por Terence Etherton, o mesmo juiz que decidiu que o brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, tinha de ser submetido ao Parlamento inglês, ladeado por outros dois juízes: Andrew Longmore e Martin Moore-Bick.

Mário Centeno, ministro das Finanças, soma uma derrota na justiça, para onde o processo foi parar depois de Maria Luís Albuquerque, a ministra de Pedro Passos Coelho, ter recusado o acordo proposto pelo Santander - com os outros bancos houve acordo. Uma decisão que acabará por ter implicações nos orçamentos do Estado, pelo menos desde 2014.

Estes swaps foram negociados por empresas públicas, com destaque para as empresas de transporte Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto, Carris e STCP, durante os governos de José Sócrates. E isso faz que a guerra política PSD-PS esteja instalada. A negociação foi feita no final de 2007 e, ao longo do tempo, o banco de capitais espanhóis fez várias propostas de reestruturação às empresas envolvidas, tendo chegado a propor ao governo de Passos Coelho a concessão de um financiamento para pagar os swaps e condições mais vantajosas em termos de maturidades e de taxas de juro. A partir de 2012, a gestão dos swaps passou a ser do IGCP e a negociação deixou de se fazer com as empresas. De lá para cá, pouco se falou, mas a fatura não parou de engordar.

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