05 agosto 2015 às 00h00

Da Rússia com amor. Como o glamping chegou ao Gerês

No parque de campismo de Entre Ambos-os-Rios, em Ponte da Barca, o Gerês ganhou tendas de luxo e casas nas árvores. Um toque de glamour trazido por Anna Altshul, que trocou Moscovo pelo Minho há cinco anos e gere o parque desde 2013.

Rui Frias

"A beleza que temos aqui já existia. O parque é lindíssimo. É uma pérola." Anna Altshul é uma moscovita de coração rendido. A Portugal, onde chegou há cinco anos, a um português, que conheceu pouco depois, e ao Gerês, onde veio encontrar o seu projeto de vida, a 3500 km do lugar onde nasceu. Afinal, "se há sítios onde tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza e perfeição, este Gerês é um deles", descreveu Miguel Torga, o escritor que dizia "dever à paisagem as poucas alegrias" que teve. Anna percebe perfeitamente o que sentiu o poeta transmontano. Como não se alegrar com a paisagem que os seus olhos viram (veem) nos cinco hectares de terra que compõem o parque de campismo de Entre Ambos-os-Rios, em Ponte da Barca?

A russa, de 39 anos, gere o espaço desde 2013 através da empresa Lima Escape, que constituiu com o namorado, um barquense de gema. E se a natureza fez deste um lugar privilegiado, Anna Altshul quis que os visitantes do parque desfrutassem de uma experiência condizente com o cenário. Foi preciso "embelezar um pouco, dar uma embalagem diferente" às estruturas existentes, refere. Entre as novidades surgiu a aposta que fez chegar ao Gerês uma das evoluções mais recentes no convívio entre homem e natureza: o campismo com glamour. Não é camping, é glamping. Ou a moda de acampar com conforto, sem ter de montar a tenda e dormir no chão.

Quatro tendas de luxo: duas mais pequenas, as tipi (ou tendas de índio), e duas mais amplas, as glamour bell tent com cinco metros de diâmetro, todas elas cuidadosamente decoradas. Aqui, os visitantes não têm de dormir no chão, mas sim em confortáveis camas, num quarto que foi "deixado cair" ali, às portas do Parque Nacional Peneda-Gerês, coberto apenas por uma tenda, colocada num palco de madeira construído um palmo acima do chão e com as águas do Lima mesmo em frente.

No fundo, tratou-se de "arranjar as condições para aquelas pessoas que gostam de algum conforto", justifica Anna. "Aqui, nas tendas de glamping, têm uma cama, o pequeno-almoço numa cestinha, uma varanda virada para o rio... tudo preparado para poderem desfrutar da natureza sem as coisas menos confortáveis do campismo tradicional", diz.

Pedaço de terra talhado em forma de coração colocado entre três rios - o Lima e os seus afluentes Froufe e Tamente -, o parque de campismo de Entre Ambos-os-Rios passou a pulsar de forma mais intensa. Além das tendas, o glamping contempla dois bungalows suspensos por entre o pinhal, sobranceiros ao rio, ao estilo das casas nas árvores (um mergulho no tempo, a resgatar um universo infantil aqui transformado em luxo de adulto).

Mas fez-se mais: reformulou-se o edifício da receção, recuperou-se o parque infantil, limparam-se jardins, cobriu-se a churrasqueira comum para tornar o espaço útil mesmo com mau tempo e abriu--se um bar/restaurante regional (Adega do Artur) para que o palato saia tão bem tratado quanto as vistas, seja com as especialidades regionais que vão da carne de vitela barrosã ao polvo à lagareiro, seja com pratos mais internacionais, saladas ou mesmo opções vegetarianas.

É do restaurante aberto no ano passado, de resto, que saem as cestinhas de piquenique com o pequeno-almoço para quem está instalado nas tendas de glamping. Um dos pontos altos da estada, garante Anna: "De manhã, com os pássaros a chilrear e a natureza a acordar, as pessoas podem ficar na varanda de madeira a comer o pequeno-almoço que lhes trazemos num cesto, com pão, queijo, fiambre, fruta, café, leite, compota caseira... tudo produtos da região. Temos uma senhora que traz morango caseiro, antes disso tínhamos um senhor que trazia framboesa. É um momento de desfrute lindíssimo, há poucas coisas assim."

Os elogios internacionais

A receita da Lima Escape tem resultado em cheio e o parque de Entre Ambos-os-Rios, situado no lado turisticamente menos explorado do Parque Nacional Peneda-Gerês ("uma vantagem, é mais autêntico", realça Anna), ganhou fama dentro e fora de fronteiras nos últimos tempos. "Há dois anos ninguém falava do vosso parque e agora toda a gente fala das vossas tendas e dos vossos bungalows, disse-me há dias um fornecedor", recorda, orgulhosa, a russa que em Moscovo trabalhava na gestão de transportes marítimos.

E assim é. Ainda no início de junho, o jornal britânico Telegraph o escolhia como um dos dez melhores parques de campismo europeus (juntamente com a Quinta de Odelouca, no Algarve), elogiando-lhe "a atmosfera intimista" com "vistas privilegiadas para a beleza" do único parque nacional português.

Uma distinção que afaga o ego e ajuda à promoção. A maior parte dos visitantes que chegam ao parque de Ponte da Barca são estrangeiros, revela Anna, muitos deles seduzidos pela ideia do glamping, que lhes permite viajar de avião sem ter de trazer na bagagem a tralha associada ao campismo mais tradicional. "As low cost são as nossas grandes amigas", reconhece. A transportadora Barquense faz a ligação ao aeroporto do Porto com quatro transfers diários, o que facilita o acesso a esta porta de entrada para o Gerês.

Foi assim que chegou Markus Breunig, de 35 anos, um alemão oriundo de Bremen com a mulher e uma filha de três anos e meio. Não é um fã habitual do camping, admite. Mas queriam proporcionar à criança "a primeira experiência" junto da natureza e deixaram-se encantar pelas tendas de índio (tipi). "É a primeira vez que experimentamos o glamping. Optámos por estas tendas porque é mais prático. Viajamos sem carro e com uma criança pequena, não podíamos andar muito carregados. E aqui temos tudo o que precisamos. Tem sido uma experiência fantástica. Recomendo muito, tanto o conceito como o parque", conta, em voz baixa, enquanto mulher e filha dormem a sesta na tenda, situada numa zona mais "reservada" do recinto, afastada do resto das tendas e das caravanas que têm também os seus espaços definidos ao longo destes cinco hectares de terreno preparados para uma lotação máxima de 400 pessoas.

"Tentámos isolar um pouco a área de glamping para dar maior privacidade e tranquilidade", explica Anna. A ideia, afinal, é oferecer uma experiência gourmet. "Esta paz, o cenário natural fantástico, o conforto, está-se muito bem aqui", descreve Markus Breunig.

Anna Altshul aproveita o comentário para repetir a ideia com que iniciámos a conversa. A mais--valia do parque é a sua beleza. Se se pudesse resumir numa frase feita a alma deste negócio, seria "é a natureza, estúpido". "Normalmente, o nosso turista é um turista muito curioso, bem formado, que procura a natureza e dá muito valor aos assuntos ecológicos", realça a gerente, acrescentando um exemplo: "Houve a determinada altura uma discussão sobre a piscina. Devíamos ter ou não? Não temos. Repare: temos rio a toda a volta e quatro lagoas naturais nas proximidades. Para que vamos estar a tratar água no meio desta água natural toda? Não faz grande sentido. Para o nosso turista não faz sentido. Se fosse um hotel, ou noutra zona, a piscina embeleza e os miúdos gostam, concordo com isso. Mas o nosso turista não vem pela piscina, vem por outros motivos, tem outra ideia. Aquilo que procura é a beleza do parque nacional."

"Está-se muito bem aqui." As palavras do alemão Markus acompanham-nos à medida que se atravessa o parque numa visita guiada. Anna Altshul concorda. Está-se muito bem aqui. Ela está muito bem aqui. Chegou em 2010 a Portugal a convite de um empreendedor russo que queria investir num projeto turístico no Norte do país, mas o destino levou a outras voltas. Fez uma pós-graduação em Turismo e Hotelaria na Porto Business School, conheceu um barquense que lhe conquistou o coração e entregou-se com ele ao projeto do parque de Entre Ambos-os-Rios. O Gerês conquistou-a, definitivamente. Nota-se isso no tom de voz (cujo sotaque arrastado ainda denuncia a origem eslava). Os 30 anos que se projetam pela frente na exploração do parque, em Ponte da Barca, parecem-lhe um futuro natural. "Se me vejo aqui mais 30 anos? Porque não? Isto é um negócio, sim, mas é sobretudo uma paixão", diz, na despedida. Saímos de lá a acreditar.

Trilhos de caminhadas, lagoas e muitas atividades a explorar

Crê-se que as primeiras formas de glamping remontam ao império otomano e aos excêntricos desfiles de faustosas tendas que acompanhavam os sultões. A tendência recente associada a um campismo requintado "surgiu no início do novo milénio, nos Estados Unidos, e tem-se globalizado rapidamente", conta-nos Anna Altshul. Ela deparou-se com o conceito quando preparava o projeto de candidatura à exploração do parque de campismo de Entre Ambos-os-Rios, e não hesitou.

"Quando fiz o estudo de mercado percebi que este nicho não estava bem preenchido aqui. Existem os hotéis e as casas rurais, mas é outro tipo de serviço", justifica. "Aqui no Norte somos pioneiros. No Sul é que há mais oferta. Dentro do Parque Nacional da Peneda-Gerês somos únicos. Ou os primeiros, pelo menos, porque acredito que em breve aparecerão outros parques a apostar no glamping também."

Não há propriamente um registo oficial das ofertas de glamping existentes no país, mas uma pesquisa rápida na internet dá para perceber que o conceito já se espalhou: desde o centro (o Yurt Holiday, em Arganil, por exemplo, o Canvas Moon, em Tábua, ou o Senses Camping, na Guarda, em plena serra da Estrela) ao Algarve (Eco-Lodge Brejeira, em Silves, ou o Tipi Algarve, em Portimão, entre outros), passando pelo Alentejo (A Terra - Eco Camping, em São Teotónio, ou o Portugal Nature Lodge, em Odemira).

Aqui no Gerês, e porque o glamping não é apenas as comodidades oferecidas mas também as experiências que proporciona, o parque de campismo de Entre Ambos-os--Rios estabeleceu uma série de parcerias com empresas da região para permitir aos visitantes "explorar tudo o que de melhor o parque nacional tem".

Desde o canyoning à canoagem, passeios a cavalo, bicicleta, moto 4 e até jipe (que no inverno permite fazer excursões até à neve na serra Amarela), ou o agora muito em voga stand up paddle, "não faltam atividades". Além, claro está, dos trilhos de caminhadas e das belíssimas lagoas próximas, como a da Ermida, aldeia pitoresca encaixada na paisagem serrana, a uns sete quilómetros do parque.