Conselho de Educação não se entende sobre provas de aferição
Impasse. Pela primeira vez desde que David Justino lidera o CNE, não foi possível votar um parecer. Ex-ministro atribui a situação à entrada de seis conselheiros indicados pelo governo
Depois de em janeiro ter causado um amargo de boca ao ministro Tiago Brandão Rodrigues, aprovando com quatro votos contra um parecer crítico ao fim das provas finais do 4.º ano e do 6.º ano, o Conselho Nacional de Educação (CNE) não conseguiu esta sexta feira entender-se sobre outro parecer que visava o modelo de avaliação do ministério. Neste caso, sobre as novas provas de aferição do 2.º e 6.º anos. Um sinal dos tempos de contagem de espingardas que se vivem nos bastidores da Educação.
Foi a primeira vez, desde que o ex-ministro da Educação, David Justino, tomou posse no CNE, em 2013, que um parecer não passou no plenário. De resto, como admitiu ao DN o próprio, nem chegou a ser levado a votação. "Eventualmente conseguiria fazer aprovar o documento, mas com o conselho completamente dividido", reconheceu David Justino.
O parecer em causa - do qual, tal como em janeiro, o presidente do CNE foi um dos relatores, estando o PS representado pelo deputado Bravo Nico - incidia sobre alguns aspetos mais debatidos da proposta do governo para as provas de aferição, nomeadamente o facto de estas passarem a realizar-se em anos intermédios, em vez de no final dos ciclos, como sucedia no passado.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
E Justino não teve dúvidas em defender ao DN que "o foco principal de desentendimento foram os seis novos membros que o governo indicou" para o conselho, que tomaram posse precisamente na quinta feira, substituindo outros seis apontados pelo anterior governo.
A indicação pelo executivo de nomes próximos das suas posições, refira-se, é uma prática instituída. O anterior ministro, Nuno Crato, incluiu mesmo na lista uma adjunta do seu gabinete - Isabel Hormigo - , que de resto manteve essas funções mesmo depois de entrar no CNE. Ou seja: continuou a trabalhar perto do ministro ao mesmo tempo que integrava um órgão independente que o aconselhava. Foi um dos nomes agora substituídos.
Maria Emília Brederote dos Santos, uma das conselheiras indicadas pelo atual governo (que regressa ao Conselho após três anos de afastamento), não escondeu ao DN que está essencialmente de acordo com o atual ministro em matéria de avaliação. "A minha posição não é nova: penso que o argumento de que os exames vão aumentar a qualidade das aprendizagens é igual a dizer que um termómetro vai curar a doença. E parece-me positiva a ideia de se introduzir as aferições a meio dos ciclos, podendo apenas ser discutido o momento em que isso é feito", assumiu.
No entanto, negou ter sido uma das instigadoras da contestação à proposta que ficou na gaveta. "Houve muitas outras pessoas que se exprimiram no mesmo sentido. Dá a impressão que o documento não tinha sido suficientemente debatido", acrescentou. "Não entrei no Conselho com intenções guerreiras. Pelo contrário: vou num sentido construtivo. Estamos lá todos para isso".
Francisco Santos, professor que está no CNE desde 2013, indicado pelo PCP, admitiu ao DN que os nomes indicados pelo governo "alteraram a correlação de forças" no Conselho, mas desmentiu também que tenham sido os novos conselheiros a fomentar o impasse desta sexta feira. "Discordo. Quem iniciou a discussão até fui eu e outros conselheiros", contou.
E confirmou a ideia de que o documento terá sido pouco discutido. "Tal como o parecer de janeiro, foi escrito pelo presidente e por dois conselheiros cooptados, quando este tema deveria ter sido discutido numa das comissões especializadas do CNE", defendeu. "Não estou a apontar o dedo ao professor David Justino. Compreendo que os prazos dados não permitiam esta discussão alargada. Mas a verdade é que já o parecer de janeiro, contra o qual votei, foi apresentado como sendo meramente técnico, quando tinha a intenção de criticar a decisão da Assembleia da República de ter terminado os exames do 4.º ano".
"É verdade que o Conselho existe para aconselhar o Governo e a Assembleia da República mas também é verdade que não faz políticas nem leis", acrescentou, lembrando que o parecer contra as provas "acabou por ser usado como arma de arremesso político por PSD e CDS.
Já Bravo Nico, o socialista que tem surgido ao lado no presidente do CNE nestes pareceres incómodos para o Governo, não quis prestar declarações sobre esta matéria.
Escolas divididas?
Num ambiente de acentuada clivagem ideológica , o CNE não é o único campo da Educação onde por estes dias se contam os aliados.
Na terça-feira, o DN divulgou em primeira mão um parecer do Conselho das Escolas - órgão consultivo do Ministério da Educação - onde entre outras críticas se expressava "preocupação" pelo fim das provas do 4.º e 6.º anos.
Já esta sexta feira, Tiago Brandão Rodrigues, que tem estado em périplo pelos agrupamentos do país, a explicar as suas medidas, defendeu que tem recebido "reações muito positivas" das escolas, que "vão no sentido" do novo modelo que apresentou.
O certo é que o parecer do Conselho das Escolas - mesmo representando a posição maioritária de 27 diretores, eleitos pelos seus pares - também não chega para se concluir que exista um consenso na oposição ao fim das provas entre os responsáveis escolares.
É um parecer que não reflete, por exemplo, as posições dos presidentes das duas grandes associações de diretores do país.
"No essencial estamos todos de acordo: o ideal era que houvesse estabilidade e não houvesse grandes alterações ao longo do ano letivo", admitiu ao DN Manuel António Pereira, da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE). "Mas, por exemplo, no caso dos exames do quarto ano, o prejuízo é bem menor não havendo prova no final do ano do que se houvesse", disse, explicando: "A verdade é que no 1.º ciclo, por mais que tentássemos remar ao contrário, toda a gente trabalhava as disciplinas que eram objeto de exame".
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) esclareceu ao DN que a associação "não tem posição assumida" sobre as provas, até por defender que este tema deveria ser "objeto de um amplo debate nacional para se perceber se o caminho a seguir é o que privilegia a esquerda, que são as provas de aferição, ou o que preconiza a direita, que são os exames. O que não queremos é que as coisas andem ao sabor das marés", explicou.
No entanto, admitiu também que, na sua qualidade de membro do Conselho das Escolas, foi um dos que votaram "contra" o parecer , escusando-se a explicar os motivos que ditaram essa posição.