Coligação e PS: o meu executivo é mais legítimo do que o teu
Costa ficou em silêncio e deixou César dizer que hoje é dia do governo cair. Passos dramatiza com mercados e fala em "ruína" do país
O programa de governo que será hoje chumbado no Parlamento foi ontem pretexto para os dois blocos do hemiciclo montarem a sua estratégia: o PS a vincar a legitimidade de ser governo dentro de alguns dias e o primeiro-ministro, Passos Coelho, a dramatizar os efeitos de um governo de esquerda: vem aí a "ruína de Portugal". Passos atacou as divergências entre a esquerda, mas não enfrentou António Costa. O duelo está marcado para hoje, já que o secretário-geral do PS resguardou-se e deixou o primeiro-ministro a debater com os outros líderes, que a direita chamou ontem de "troika de esquerda" (Catarina Martins e Jerónimo de Sousa). O contraditório do lado do PS ficou a cargo de um dos vice-presidentes (Pedro Nuno Santos) e do líder da bancada, Carlos César.
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O facto de não enfrentar Costa não atrapalhou Passos, que agitou o papão dos mercados. "Com certeza estaremos a pagar um certo preço pela incerteza destes tempos", atirou o primeiro-ministro, num dia em que a Bolsa de Lisboa fechou "a afundar" 4,05% e a banca caiu cerca de 9%, com todos os títulos no vermelho. Pouco depois, o economista Ricardo Paes Mamede, coautor num blogue com os socialistas Pedro Nuno Santos e João Galamba (entre outros), mostrava gráficos da agência Bloomberg nas redes sociais que demonstram que Portugal estava com desempenhos nos juros da dívida similares a países como a Itália e Espanha.
A estratégia de Passos na apresentação do programa foi precisamente dizer o que não fará na oposição e pintar um cenário negro para o país em caso de um executivo PS. O primeiro-ministro diz que vai assumir "a responsabilidade de não colaborar" e de se "opor a uma política negativa de ruína de Portugal, em que os portugueses são vistos como meros instrumentos de jogadas políticas de poder".
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Num ataque cerrado ao acordo de esquerda, que acusou de não cumprir a "fidelidade ao sentido de voto dos portugueses" e disse que o chumbo anunciado da esquerda antes de conhecer o programa é "uma escolha prévia, tão radical como possível, no quadro do funcionamento democrático".
Passos disse ter do seu lado a "escolha popular" e sugeriu que a esquerda tinha os acordos escondidos até derrubar o atual governo. "Apenas ontem conseguiram encontrar supostamente uma alternativa a este programa e a este governo, cujos termos políticos, segundo parece, só estão disponíveis após a conclusão deste debate", atirou.
Do lado do PS, o líder da bancada assumiria que está na hora de trocar de lugar. Carlos César foi duro nas palavras e enalteceu não só a legitimidade do PS para ser governo como disse: "Só a direita que se dá mal com a democracia não aceita a maioria e só a direita que convive mal com a democracia não aceita opiniões contrárias."
Estava dado o mote para a primeira pateada da legislatura: choveram apupos da direita. Os apartes foram acesos e insistentes ao longo das quase seis horas de debate.
Carlos César garantia também um governo mais estável e "bom". "Em democracia, só os bons governos são duradouros. Sabemos que há garantias de uma solução alternativa de governo duradoura na perspetiva da legislatura." O líder da bancada disse que o PS tem "a certeza de que Portugal não só deve como pode mudar de governo".
Mas se Costa não falou, fê-lo a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, uma das que mais provocaram a ira da direita. "Uma das líderes da troika de esquerda, ou talvez a líder", provocou o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães.
Um "debate estranho", diz o BE
A porta-voz bloquista falou em "debate estranho" porque "estamos a debater um programa que antes de o ser já não o era". Catarina Martins atacou aspetos específicos do programa de governo, como o facto de falar em "valorizar as pessoas", o que diz ser apenas uma espécie de "ramo de flores" que Passos deu aos portugueses depois de lhes "chamar piegas". Na resposta a Catarina Martins, Passos começou por dizer que continua "muito curioso por saber" os termos do acordo político que será assinado pela esquerda. Com uma dúvida: "Quem é que catequizou quem?", para no fundo saber "quem é que saltou o muro".
O secretário-geral do PCP ajudou na estratégia de legitimar um governo PS: "As eleições tinham por objetivo eleger 230 deputados e não um primeiro-ministro." Para Jerónimo de Sousa, os "resultados eleitorais expressaram a derrota do governo e da sua política".
Ontem, a direita acusou PS, BE, PCP e PEV de serem "novos amigos". Há anos que a esquerda não estava tão unida. A direita alertou para o perigo desta aliança e para uma traição do PS à sua genética.
A ex-ministra da Justiça, Teixeira da Cruz, aproveitou a proximidade dos 40 anos do 25 de novembro de 1975 para defender que, nessa data, o PS esteve entre os que tiveram "a coragem para impedir que fossem para o poder as minorias que pretendiam confiscar a nossa liberdade".