11 janeiro 2018 às 00h24

Campo de Ourique é um microcosmos de vários mundos

Neste bairro da capital, há lojas em que o francês é a língua franca. Escolhido por muitos para viver e para abrir negócios, a sua pacatez e a proximidade com o Liceu Francês explica a sua atratividade. E que se alarga a outras comunidades estrangeiras

Miguel Marujo

Na fromagerie, Mallie procura os queijos que aprecia, acompanhada de um dos seus quatro filhos. O diálogo com a jovem empregada é em francês e as despedidas fazem-se com a promessa de regresso rápido, quando chegar nova remessa de queijos franceses. A viver há três anos em Lisboa, Mallie e família deixaram tudo para trás e vieram para cá. Uma "opção de vida" de que não se arrepende, garante. "Foi a escolha certa."

A Campo de Ourique, Mallie vai às compras. Vive perto, na Calçada da Estrela, mas gosta do "bairro plano" e tranquilo onde há lojas de todo o tipo, como a Fromagerie Maitre Renard, onde o DN a encontra, ou La Pétillante, casa de vinhos e espumantes que anuncia um pequeno período de férias na porta fechada. "A loja será fechada a partir de 1 de janeiro a 17 de janeiro inclusive."

O proprietário da casa de queijos, Ulysse, também aponta a pacatez do bairro como um atrativo. Vive há três na cidade (na Lapa) e abriu a fromagerie na Ferreira Borges há quatro meses. Os seus clientes são sobretudo portugueses (uns 70%, contabiliza), o que explica o português mesclado de francês e palavras com sabor a espanhol da empregada que chegou há dois meses, para trabalhar ali, ela que já o fazia em França. Mas é melhor falar o patron, diz.

Ulysse está fora da loja, mas uma rápida chamada e, do outro lado da linha, o proprietário diz que não sabe se o bairro de Campo de Ourique é o favorito dos franceses, mas não tem dúvidas de que "há muitos" que o escolhem. "É um bairro calmo, não há turistas por todo o lado, nem tuk-tuks." E aponta a vizinhança do Liceu Francês Charles Lepierre (junto às Amoreiras) como outro fator para explicar a concentração desta comunidade no bairro. Dos quatro filhos de Mallie, três estudam na escola francesa. Só o mais pequenino, com 1 ano, já nascido em Lisboa, é que ainda não.

O presidente da junta de freguesia de Campo de Ourique, Pedro Cegonho, explica ao DN que não é de hoje a preferência de franceses pelo bairro. Sem dados estatísticos à mão, aponta de forma empírica: "Há muitos franceses, espanhóis também e alemães. A maior parte deles são de países da União Europeia e muitos estão em situação de reforma."

Pedro Cegonho dá três exemplos: o do casal proprietário da casa de vinhos que se reformou e veio para Lisboa e entretanto abriu aquele negócio. E no prédio onde vive, moram também um holandês e um americano. Ao lado da fromagerie de Ulysse, há um café de duas italianas, o Caffé Bar Garibaldi, coladinho a uma frutaria de portugueses. É um microcosmos de vários mundos.

Na montra da Livraria Ler, os livros mostram-se em português e lá dentro não há estantes de obras em francês. Mas Rui Anselmo e Helena Borges, livreiros da casa, notam o crescimento de cidadãos franceses "de há uns dois anos para cá". Que procuram livros de autores clássicos portugueses. "Não são turistas", diz Rui. "Mas não é de agora", completa Helena, apontando de novo o liceu próximo. "Sempre foi um bairro com muitos franceses."

Ana Rita, outra livreira noutra livraria, a Baobá, de livros infantis, concorda que sempre houve, "a meio caminho entre o liceu francês e a embaixada" em Santos-o-Velho.

No quiosque do Jardim Teófilo Braga, conhecido pelo jardim da Parada, ao lado de um grupo de homens a jogar à sueca e que parece nunca sair dali, Sara Borges também notou mais num crescimento nestes dois últimos anos. A empregada da Hamburgueria da Parada aponta que "compram casas e abrem negócios". "Temos muitos clientes, mais a partir das 17.00", depois de empregos e da escola dos miúdos. "E gostam muito de vinho e café", completa a jovem.

No mercado do bairro, Maria de Fátima, onde está há 44 anos, diz que eles ("franceses e brasileiros" e outros estrangeiros) vão ali "mais para comer do que para comprar". Também compram, mas não tanto como gostaria - e sorri.

"São pessoas que estão perfeitamente integradas na vida social do bairro", sintetiza Pedro Cegonho.