Antigo administrador diz que acusação é infundada
O antigo administrador financeiro do BCP, António Rodrigues, disse hoje em tribunal que, nas 20 mil páginas que formam a acusação da CMVM contra antigos gestores do banco, não há justificação para o desvio de 590 milhões de euros nas contas.
"Procurei nas 20 mil páginas do processo e não consigo apresentar argumentos que justifiquem os 590 milhões de euros que a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] sustenta que não estão representados nas contas", afirmou António Rodrigues.
"São-me imputadas seis infrações, entre 2003 e 2006, e, de acordo com a acusação da CMVM, sabia que as contas tinham sido aprovadas com conhecimento que não estavam corretas. Mas será que a CMVM não se esqueceu do efeito fiscal? O Banco de Portugal esqueceu-se", sublinhou.
O gestor queixou-se à juíza que preside o julgamento que, de todas as vezes que se deslocou às instalações do supervisor do mercado para consultar o processo, acompanhado do seu mandatário, Rogério Alves, teve sempre que ser acompanhado por um polícia.
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"A CMVM dispensou-se de me ouvir. Será que ficou tudo maluco? Como é que se acusa uma pessoa sem sequer a ouvir? Ainda por cima, já tinha tido inúmeras reuniões com o doutor Carlos Tavares [presidente do supervisor], ele conhecia-me e não me chamou. Passou-se", questionou o arguido.
Entre as acusações que recaem sobre os antigos gestores do BCP, consta a alegada manipulação de mercado, mas António Rodrigues é contundente a criticar essa acusação.
"O que foi feito relativamente à manipulação de mercado é uma vergonha. A cotação naquele período caiu 53 por cento. Grandes manipuladores", exclamou.
António Rodrigues insistiu por diversas vezes, durante o seu depoimento, que "a CMVM não usou as regras em vigor" na altura dos factos que constam da acusação, dizendo que foram usadas as regras posteriores a 2005 para contas anteriores a esse período.
Acusou também a CMVM de ter ignorado as provisões em excesso, que diz que a administração que está sob a mira da justiça deixou no banco.
"A CMVM ignora uma provisão de 200 milhões de euros, que até o Banco de Portugal considerou", frisou, antes de afirmar que "a atitude da CMVM tem sido reveladora e a do seu presidente também".
O gestor disse que a pressão do supervisor sobre o BCP foi enorme e que estranha que a acusação tenha demorado um ano a ser feita.
"Sinto-me profundamente injustiçado. O processo estava pré-definido. Isto é algo que me afeta há anos, e aos meus colegas, já que vejo o meu nome na praça pública e estou impedido de trabalhar. E ainda tenho que pagar as coimas, próximas de um milhão de euros por cada processo [CMVM e Banco de Portugal], vamos ver como", salientou.
"Não sei quem é que fez a tomada de poder no BCP, mas eu estive sempre ao serviço dos clientes", assegurou.
António Rodrigues lançou ainda uma série de números relativos à atividade do BCP por altura da sua administração e atuais, tentando mostrar que o banco perdeu muito valor desde que a antiga equipa de gestão foi afastada do banco.
"A tese da acusação não tem qualquer suporte na prova", considerou.
Neste processo, que corre no 2.º Juízo da 2.ª Secção Tribunal de Pequena Instância Criminal (Campus da Justiça, Parque das Nações, em Lisboa), a entidade de supervisão acusa nove membros da anterior gestão do banco de terem prestado informação falsa ao mercado entre 2002 e 2007.
Em consequência dessa acusação, a CMVM aplicou coimas aos nove ex-administradores e decretou a inibição da atividade bancária a oito deles pelo máximo de cinco anos, mas os visados recorreram da decisão.
Alvo destas acusações estão Jorge Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues, Alípio Dias, António Castro Henriques e Paulo Teixeira Pinto, assim como Luís Gomes e Miguel Magalhães Duarte, ainda em funções no banco.