Anos a dar aulas e ainda ficam a centenas de quilómetros de casa
São professores do quadro, concorrem no concurso de mobilidade interna, e a alteração das regras sem aviso prévio fez que ficassem colocados em escolas a centenas de quilómetros de casa, dizem os docentes. Os horários completos só foram atribuídos numa primeira fase, o que levou a que colegas menos graduados ficassem mais bem colocados. Dizem que é ilegal, uma injustiça, professores que andam "com a casa às costas", alguns há mais de 20 anos
São 15.40 de sexta-feira, 1 de setembro, o dia de apresentação dos professores. Andreia e João, um casal de docentes do quadro e com muitos anos de serviço, ela de Física e Química e ele de Artes Visuais e Geometria, chegam à Escola Secundária Leal da Câmara, em Rio de Mouro. Foram 523 quilómetros numa viagem iniciada às 08.30 em casa, em Cortegaça, Ovar, que passou por Vila Nova de Paiva, onde João foi colocado, e tem nova paragem nos arredores de Lisboa, onde ficou Andreia. Gosta do ambiente da nova escola, mas está a centenas de quilómetros da sua residência. Além de todos os transtornos, os 1100 euros mensais dela e os 1200 dele não chegam para sustentar três casas. O que fazer? Exigir "justiça" junto do Ministério da Educação, dizem. Trezentos quilómetros para o regresso, um depósito de gasóleo não chega, mais portagens, jantam pelo caminho, que ao almoço comeram "umas coisas". Entram em casa às 23.30.
"Se visse que os colegas menos graduados não ficaram mais perto de casa do que eu, conformava-me, mas muitos dos que estão atrás de mim ficarão melhor", diz Andreia Avelar, há 18 anos no ensino. Não se queixa dos primeiros anos a lecionar, ficou relativamente perto da residência. As coisas complicaram-se a partir de 2012, mas suportou as deslocações para o Restelo e para Agualva-Cacém, com esperança de que se aproximasse do lar. E assim aconteceu: no ano passado ficou em Vila Nova de Gaia, a 12 minutos da habitação que entretanto o casal comprou. "Pensámos que tínhamos estabilizado". Também pensaram que chegara o momento de ter um filho.
Na última quarta-feira foram lançados os restantes horários na chamada Reserva de Recrutamento 01, "horários que estavam nas minhas preferências/escolhas (mais perto da minha residência) foram dados a colegas com menor graduação do que a minha", protesta João Tenreiro. A casa em Cortegaça foi renovada - João Tenreiro é arquiteto - para acolher toda a família. Ele é pai de uma adolescente, da qual tem a guarda partilhada. "Uma das razões por que optei pelo ensino foi também para poder estar mais tempo com a minha filha, participar na sua educação."
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Os sindicatos pediram uma reunião aos responsáveis pelo Ministério da Educação (ME), o que não lhes foi concedido. A resposta tem sido, também ao DN, que os professores podem fazer permutas (ver texto ao lado). Na base do problema está o facto de apenas terem sido atribuídos em zona pedagógica os horários com as 22 horas letivas, o que reduziu o número de colocados e atirou para longe da residência muitos professores. Nos anos anteriores, eram distribuídos também os horários a partir de oito horas letivas que eram complementados até às 22 com outras atividades. E reduziram as zonas pedagógicas, o que faz que, como acontece com João, existam quilómetros de distância entre os estabelecimentos de ensino dessa área . João Tenreiro reside junto ao mar e foi colocado no interior, no extremo oposto. Já fez um de recurso hierárquico.
Tem 24 anos de profissão, efetivou-se há 14. "Anos de ensino, de formação, tudo o que investi ponho agora em causa." Mostra os concursos de colocações, nem sempre anuais, em que ficou nas escolas que escolheu como primeiras opções. Neste ano ficou na última opção. Alega ainda que não tiveram conhecimento prévio e que tudo fazia crer que se mantivessem os critérios dos anos anteriores. Protestam os professores que o artigo 27.º do decreto-lei 28/2017 refere horários completos e incompletos e que a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) não cumpriu a lei. Esta especifica nos "procedimento de colocação" que devem corresponder às "necessidades temporárias, estruturadas em horários completos ou incompletos", recolhidas "mediante proposta do órgão de direção do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada".
Andreia Avelar concorreu neste ano ao quadro e além das escolas na área da sua residência escolheu outras zonas pedagógicas com mais falta de professores. "Só concorri para esta zona [Rio de Mouro] porque havia a possibilidade de ficar na minha área de habitação, caso contrário não o teria feito. O normal era arranjar um horário lá."
É também o caso de Carla Lixa, que contou com a "boa vontade" da diretora do estabelecimento de ensino onde foi colocada já que tinha uma consulta na sexta-feira. Apresentou-se na segunda--feira na Escola Secundária de Vergílio Ferreira, em Carnide, antes das 10.00, o que significou sair de Vila Nova de Gaia às 06.30, aproveitando a boleia de um primo, com quem regressou depois das 16.00, tendo de fazer tempo num centro comercial. É professora há 18 anos e entrou neste ano no quadro.
Expôs a sua situação alegando a ilegalidade do processo de colocação e de não haver aviso prévio. E que iria gastar mais do que os 1200 euros mensais de vencimento. Paga uma prestação de 400 euros pela casa que comprou no ano passado em Vila Nova de Gaia, acrescenta no mínimo 300 euros ao quarto que teria de alugar em Lisboa, mais 200 euros para viagens, além de uma eventual prestação de alimentos que teria de pagar ao ex-marido, com quem divide as responsabilidades parentais das duas filhas.
"É totalmente inviável fazer que as minhas filhas alternem semanalmente de escola. Também nesta situação, ainda que o outro progenitor fique com a guarda total por deslocação da mãe, estará em causa o pedido de pensão de alimentos, o que, tendo em conta um salário líquido de 1200 euros e todas as despesas inerentes a casa própria, alugada, deslocações e alimentação, se torna impossível de fornecer", alega no requerimento enviado ao ME.
Carla Lixa expôs os motivos à diretora da escola de Carnide, ouviu a sua compreensão mas não está nas mãos dela resolver o problema. Assim, apresentou um atestado médico e pondera pedir uma licença sem vencimento se as colocações não forem alteradas.
Eduardo Loureiro tem 15 anos de profissão e está no quadro há 11, tem pouca esperança em mudanças. Mora em Esposende, Braga, e na sexta-feira veio para Vila Nova de Santo André, a 30 km da escola onde foi colocado, a Secundária de Santiago do Cacém. Isto porque o Alentejo é a sua zona pedagógica, onde se vinculou e deu aulas durante três anos, ainda vivia só. Lecionou em Santo André e deixou amigos, o que lhe valeu agora para ter onde dormir nestes primeiros dias. Está a ser difícil encontrar um quarto. "No quadro alentejano não havia horário para mim e fui destacado para Monção, onde fiquei durante quatro anos. Casei, fui pai de uma menina que vai fazer 5 anos em novembro, depois estive mais dois em Viana do Castelo, há dois tive mais uma menina e nos últimos dois anos lecionei em Ponte de Lima." Com duas filhas e a mulher sem possibilidade de se deslocarem de Esposende, o futuro é pagar duas casas e percorrer muitos quilómetros. Eduardo Loureiro foi um dos professores que apresentaram uma providência cautelar, com o objetivo de suspender este processo de colocação.