Ajustes directos no Estado já chegam a 1,2% do PIB
Mais de dois mil milhões de euros de dinheiros públicos aplicados directamente e sem concurso
Em cerca de um ano foram gastos mais de dois mil milhões de euros em ajustes directos na Administração Pública (AP). Este valor é fornecido através da publicação de contratos públicos em sites governamentais e significa mais de 1,2% do PIB português (situado nos 163 mil milhões de euros) que não é sujeito a concurso público.
O montante corresponde a um total de 84 968 contratos divulgados entre Agosto de 2008 e Setembro de 2009 no site governamental www.base.gov.pt, sendo disponibilizados de uma forma mais funcional pela Associação Nacional de Software Livre(ANSOL) que criou o site Transparência na AP (http://transparencia-pt.org).
O valor pode, assim, ser bastante superior a dois mil milhões de euros, uma vez que nem todos os ajustes directos foram publicados. Confrontados pelo DN com alguns dos valores destes contratos por ajuste directo, os partidos da oposição exigem mais "transparência" ao Governo e um maior controlo dos contratos públicos por parte do Tribunal de Contas.
Já o Ministério das Finanças e da Administração Pública (MFAP), contactado pelo DN, garante que os ajustes directos servem para poupar dinheiros públicos e melhorar a eficiência.
Quanto aos números, o presidente da ANSOL, Rui Miguel Seabra, confirmou ao DN a fidelidade dos mesmos, isto porque, "apesar de alguns erros que possam existir por parte do site oficial, o valor não andará muito longe dos dois mil milhões de euros". O Ministério das Finanças não quis precisar o número, mas ressalvou que "os ajustes directos são feitos de acordo com as regras legais aplicáveis, sendo acompanhadas pelo MFAP no quadro da execução orçamental".
O ministério lembra ainda que "os ajustes directos, como em qualquer procedimento aquisitivo, visam objectivos de poupança e de eficiência na realização de despesa". No que diz respeito à fiscalização dos ajustes directos, o MFAP diz que essa é uma "competência da IGF[Inspecção Geral de Finanças] e do Tribunal de Contas".
É certo que estes dois mil milhões de euros não são relativos apenas a ajustes directos do Governo, pois também são referentes a gastos de secretarias gerais e autarquias. Porém, a oposição critica o facto do ajuste directo ter sido "norma" no último ano e exige uma maior fiscalização.
O deputado do PSD, Jorge Costa, antigo secretário de Estado das Obras Públicas, alerta que "o Tribunal de Contas (TC) e as inspecções dos ministérios têm de estar atentos e ter mais cuidado quando estão em causa valores mais elevados".
Perante os quase 14 milhões de euros pagos por ajuste directo pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central E.P.E. a uma farmacêutica, Jorge Costa defende que "tem de haver uma razão muito forte" para que isto aconteça.
Também o Bloco de Esquerda, através da deputada Helena Pinto, se revela contra "uma cultura de recorrer ao ajuste directo, porque em muitos casos são sempre para as mesmas empresas a conseguir os contratos".
A mesma opinião é defendida pelo deputado comunista Honório Novo que lembra que o PCP sempre alertou para "as perversidades dos ajustes directos feitos pelo Governo".
Para o deputado da Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças só devem ser adjudicados contratos sem concurso público em "situações muito isoladas e muito justificativas", pois estes "só beneficiam as grandes empresas a nível nacional, deixando as mais pequenas sem nada".
Os deputados indicam ainda ajustes directos que não constam do "bolo" total considerado pelo DN. Jorge Costa lembra "o inquérito aberto no PSD Parlamento para investigar a Fundação para as Comunicações Móveis". Uma fundação que tem a seu cargo a gestão de tudo o que tem a ver com os programas e-escolinhas, que tem como objecto central o computador Magalhães, montado em Portugal pela empresa J. P. Sá Couto e exportado também já para uma série de países
Já Honório Novo alerta para o restrito número de empresas que fazem as obras de requalificação do parque escolar pelo País fora. E, por outro lado, Helena Pinto defende que "o terminal de contentores de Alcântara é um dos casos flagrantes em que o ajuste directo não se verificava".
Nenhum destes casos é possível verificar no site governamental, embora existam vários contratos que envolvem o grupo Mota-Engil, como é o caso de um ajuste directo feito em 2008 pela Direcção-geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural no valor de 329 998 euros. Em causa estava uma "empreitada de conclusão dos trabalhos de restabelecimento de serviços afectados pelo canal condutor geral e aproveitamento hidroagrícola da Cova da Beira". Aquele grupo de construção civil é presidido por Jorge Coelho, destacado militante socialista e ex-ministro.