Ventura estende a mão a Albuquerque para formar governo na Madeira

Chega está disponível para negociar acordo, diferente do que existe nos Açores, que garanta a continuidade do PSD no governo regional. Albuquerque, que já defendeu que o partido de Ventura é "como qualquer outro," prefere, agora, ficar em silêncio e diz não precisar do CDS "para viver". Oposição pondera apoiar PS para travar a "extrema-direita".

Admite, caso seja necessário para manter a maioria, um acordo parlamentar pós-eleitoral com o Chega ou afasta essa possibilidade? Nem sim, nem não, nem talvez. Esta é a resposta de Miguel Albuquerque, que prefere, neste momento, nada responder. Mas se agora, a meses das eleições regionais, escolhe o silêncio - não recusando perentoriamente uma aliança -, em 2020 era claro: "Tudo o que seja coligações no sentido de derrotar a esquerda em Portugal é bem vindo"; em 2021, pedia que o Chega fosse "respeitado"; e mais recentemente, no ano passado, admitia que [no PSD] "devemos abrir sempre pontes de diálogo. Essa estigmatização do Chega comigo não funciona (...) é um partido legal, como qualquer outro partido. Não temos de ter nenhum complexo".

Miguel Albuquerque, que diz "não precisar do CDS [parceiro de coligação no governo regional] para viver" - mais adiante explicará porquê -, tem do Chega a garantia dada por André Ventura, ao DN, de que "seremos sempre parte da solução e nunca parte do problema. Se esse cenário [o PSD não conseguir maioria] se vier a verificar, o Chega avaliará se há condições políticas para formar governo com o PSD".

Dos atuais e antigos dirigentes do PSD, contactados pelo DN, ninguém quis assumir publicamente a "divergência" ou a "compreensão" pelo facto de Miguel Albuquerque, que é também presidente da mesa do Congresso e membro da Comissão Política Nacional, recusar acordos com o Chega.

O que é sublinhado é o facto de Paulo Rangel, vice-presidente do partido, durante as eleições diretas de 2021, ter sido "absolutamente claro ao dizer que acordos com o Chega são uma linha vermelha inultrapassável" e de também, é outro exemplo dado, o antigo ministro adjunto de Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro, em 2020, ter assumido uma divergência com Montenegro ao dizer que "a ambiguidade é um equívoco estratégico, porque vai levar a que se reforce cada vez mais o Chega".

Outra frase lembrada é a de Jorge Moreira da Silva durante a disputa interna de maio de 2022: "Enquanto o PSD não for claro [recusando o Chega], estamos a encolher a nossas chances eleitorais".

André Ventura, que se vê "como oposição e uma alternativa ao atual governo PSD-CDS" na Madeira, admite "negociações" com Albuquerque e "formar governo" garantindo que "não voltaremos a aceitar um acordo nos mesmos moldes do que existe nos Açores".

Miguel Castro, líder regional do partido de Ventura, assegura que "nunca será pelo Chega, que a Madeira ficará ingovernável. Muito pelo contrário, queremos ser parte da solução é nunca um problema". Ou seja: "Iremos sentar-nos à mesa e obviamente conversar", mas "viabilizando uma solução de governo na Madeira, o Chega não abdicará de participar e de estudar e aprovar, ou reprovar os atos governativos".

E o caderno de encargos é claro: "Combate à corrupção", "redução de impostos e da carga fiscal sobre o trabalho, IRS e IVA", "maior fiscalização à subsídio dependência", "resolução da linha marítima com o continente, de passageiros e de cargas", "reajustar o subsídio de mobilidade [transporte aéreo] para os madeirenses e porto-santenses".

José Manuel Rodrigues, presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, antigo vice-presidente do grupo parlamentar do CDS na Assembleia da República, acredita que não será necessário "recorrer a qualquer outra disponibilidade política [para além da do CDS]" para garantir uma "maioria absoluta", que a coligação PSD/CDS "não vai precisar de outro partido para governar".

Miguel Albuquerque, que defende a atual coligação porque "subtrair, diminui", entende que não é sinal de "fraqueza" o PSD não ir sozinho a votos: "Se você dá um sinal de que vai mudar agora é sinal de que alguma coisa estava a correr mal".

É por isso, justifica, "sinal de inteligência política e de perspetiva política porque em política você não pode dar sinais de fraqueza".

Não é sinal fraqueza do PSD de agora precisar do CDS para sobreviver, para ser governo? A resposta é breve: "Eu não preciso do CDS para viver". Mas o PSD nunca precisou de se coligar com ninguém e agora precisa. Isso não é um PSD mais fraco? "Ao fim de 40 e tal anos a governar a região dizer que é fraqueza... é um pedaço (..) e é evidente que as contas tem que ser feitas num quadro de maior bipolarização, porque a esquerda está menos fragmentada na Madeira".

José Manuel Rodrigues que até admite que o PSD possa entender, como diz Albuquerque, não precisar do CDS lembra que é preciso ter "a consciência de que nas últimas eleições não houve maioria absoluta do PSD e portanto que o PSD precisou do CDS para governar".

"Uma vez disse que tinha sido um casamento por conveniência e eventualmente agora seria um casamento por amor". Ainda que o outro parceiro diga que não precisa de si para viver? "Olhe, mas não seria o primeiro marido ou mulher a dizer isso." O CDS não corre o risco de ser absorvido, desaparecer como partido? "É um risco em todas as coligações. Mas a governabilidade em primeiro lugar. O risco existe. E obviamente que os casamentos também se desfazem."

As reações

Sérgio Gonçalves, líder do PS-Madeira, considera que o cenário de acordo político entre Albuquerque e Ventura "é demasiado perigoso, representaria a cegueira do PSD pelo poder, que visa apenas servir as clientelas, sem olhar aos meios. Há muito que ficou claro que o PSD virou as costas aos madeirenses, mas em política não pode valer tudo. Não podemos permitir que se coloque em causa a democracia, naquilo que seria um retrocesso histórico".

"Para nós há uma incompatibilidade total entre os nossos valores e aquilo que representa um partido como o Chega. Nós defendemos valores democráticos e apresentamos um projeto sério para a Madeira. Somos a única alternativa para uma mudança com futuro", acrescenta.

O líder parlamentar do JPP (Juntos pelo Povo), Élvio Sousa, atualmente a terceira força política a par do CDS, que vê na coligação entre PSD/CDS "a destruição completa daquilo que restava da coerência do CDS, em detrimento do bem-estar e do interesse económico e social das populações", deixa aos madeirenses uma pergunta que considera legítima: "Será que estão preparados para ver o Chega na presidência da Assembleia Legislativa Regional?".

Joaquim Sousa, líder do PAN regional, considera a "junção do Chega ao "regime" [do PSD/CDS] como algo natural". Ou seja: "Como mais do mesmo, como uma continuidade da coligação de interesses e lugares a que Miguel Albuquerque nos habituou".

Ainda sem a formalização de outro "casamento por conveniência", só o do com o CDS parecer ser suficiente, a possibilidade de entendimentos pós-eleitorais entre os partidos à esquerda com o PS começa a ganhar contornos de forma a afastar o PSD da governação, pela primeira vez, em 47 anos.

Élvio Sousa admite essa possibilidade, um "possível acordo que se deseja ser transparente, e à vista de todos", remetendo para o PS esta questão: "Terão os partidos tradicionais a força e a transparência necessárias para acompanhar as nossas propostas, nomeadamente para travar um regime de monopólios que condiciona o custo de vida dos cidadãos insulares?".

O caderno de encargos, em síntese, pretende soluções para, por exemplo,"o caso da operação portuária e da borla que vigora há 30 anos; a necessidade de baixar o IVA (o mais alto das regiões autónomas); para a "falta de regulação do gás butano"; a "operacionalização de uma linha FERRY para maior concorrência ao transporte de mercadorias e passageiros"; a "comercialização da banana, em regime livre e a centralização da produção de eletricidade".

Joaquim Sousa, do PAN, diz que o partido está "disponível para ponderar essa solução como hipótese desde que exista uma mudança de estratégia, uma alternativa de governação séria, focada na transparência (que hoje não existe e os interesses dos negócios confundem-se com o interesse público), no crescimento económico (que chegue a todos e não apenas aos grupos económicos ligados ao regime, que provocou que os jovens hoje estejam condenados a partir por falta de oportunidades) e no desenvolvimento socioambiental (que deixe de assentar em pouca formação, baixos salários, carunchos e na betonização do território)".

O BE remete "para mais tarde" respostas sobre a possibilidade de entendimentos enquanto o PCP entende "não ser oportuno", neste momento, fazer declarações públicas.

Sérgio Gonçalves, líder do PS, por seu lado, diz ter como "prioridade assegurar uma solução governativa estável, transparente e democrática, protagonizado pelo PS" porque o governo "que temos está esgotado e a esgotar a Madeira (...) virou as costas aos Madeirenses e está mais preocupado em inventar obras, segundo os próprios, ou em gastar 33 milhões de euros por ano em nomeações políticas".

O problema, acentua, é que "isto acontece porque não existe escrutínio". "Há 46 anos que temos o mesmo partido no poder. Somos a única região do país onde não há limite de mandatos para presidente. Tudo isto é turvo e belisca a democracia.", conclui.

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