"Passos aproxima-se perigosamente de Sócrates"
A 24 horas da mais crítica reunião da concertação social, o secretário-geral da UGT critica a "fuga ao diálogo social e ao consenso político" por Passos Coelho e diz que o primeiro-ministro se "aproxima perigosamente" da política de José Sócrates.
Para João Proença, Pedro Passos Coelho criou com a tentativa de alterar a Taxa Social Única uma situação nacional de protestos que podem repetir os verificados na Grécia. Considera necessária uma remodelação do Governo, mas pede urgência aos partidos da coligação para se entenderem sobre as medidas de austeridade. Confirma que a dinâmica para a greve geral já está em movimento e que não é necessário cumprir o memorando da troika na íntegra.
João Proença acredita que o ministro Vítor Gaspar vai tirar o pé do acelerador nos cortes porque é preciso que isso aconteça ou, diz, "acontecerá uma fratura social em Portugal e o trabalho que foi feito durante mais de um ano será destruído em poucos meses". Pede para que as alternativas que amanhã serão apresentadas na concertação incluam medidas não simbólicas para a riqueza enquanto aos trabalhadores e pensionistas são aplicadas medidas altamente penalizadoras.
Não se arrepende de ter assinado o acordo da concertação social e considera que "neste momento, o que as pessoas esperam é que a UGT contribua para a resolução desta crise, porque hoje o acordo é levado em conta e a capacidade de manobra e de diálogo social em Portugal é valorizado porque se pensa que é por essa via que se encontrará uma solução". Mas não deixa de apontar o dedo ao Governo: "É evidente que tem dado tiros no acordo, porque é um acordo para o crescimento, emprego e competitividade e devia ter promovido tais políticas, situação que não acontece."
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Para o secretário-geral da UGT, refere, "um regime democrático não é só legitimado com o voto a cada quatro anos... Temos a democracia consolidada mas, de facto, nos últimos tempos, sentimos uma democracia musculada e isso é negativo." Daí ver que entre Passos e Sócrates há cada vez mais semelhanças: "Eu diria que por vezes, numa fuga ao diálogo social, se estão a aproximar perigosamente um do outro. José Sócrates era um homem para o desenvolvimento económico-social e avançou com medidas que se revelaram negativas. Teve pela frente uma grande crise económica, na qual a União Europeia implementou medidas e ele implementou outras que combateram parcialmente a crise de 2008. Mas, na prática, avançou por um clima de sobre investimentos e perdeu a noção de que era fundamental dialogar no quadro da Assembleia da República e no quadro do diálogo social. Este Governo está a ir um pouco pelo mesmo caminho. E aquela que foi uma das questões centrais em termos do combate à crise, que era o diálogo político e o diálogo social, está em causa. Como se vê, há um problema relativamente ao consenso político em torno da discussão do memorando e, em termos de consenso social, também."
Quanto ao memorando com a troika afirma: Já foi bastante alterado pelo atual Governo. No que respeita às medidas do documento, é central para a UGT abordá-las com a devida flexibilidade e não podemos considerar o memorando qualquer coisa que temos que cumprir na íntegra. Infelizmente - e dissemo-lo na reunião com o primeiro-ministro -, no Governo há pessoas mais troikistas que a troika; que defendem medidas muito para além das que estão no memorando e apoiam as que estão no memorando para levar à prática políticas ainda mais restritivas, que exigem mais sacrifícios do que aquelas que resultam do próprio documento."
Quanto ao entendimento político à esquerda para contrariar a situação, Proença é claro: "Estamos muito longe disso e tudo o que se fala de entendimentos à esquerda é ficção. É evidente que o PS assinou o memorando e nunca o pode denunciar. Pode sim, e deve, é exigir a gestão flexível do mesmo." Quanto à crise política, admite que a troika está preocupada com a perda do consenso social: "A troika está preocupada porque valorizava muito o diálogo político e social em Portugal. O primeiro-ministro, da maneira como conduziu este processo, pôs em causa esse diálogo político e social. O Governo sai fragilizado desta crise. E é bom lembrar que estas medidas não foram apoiadas por todos os ministros do PSD. Não está em causa só a divisão entre os dois partidos do Governo, está em causa uma medida que mesmo na área do Governo levantou fortes objeções. Tentar reduzir isto a uma crise PSD e CDS é uma maneira minimalista de ver a questão. Houve uma quebra do laço de solidariedade entre o Governo e população, que rejeitou globalmente a medida." Daí que, considera, "se o Governo não recuar nesta medida, nem encontrar uma que reponha a questão como estava no início, então há riscos graves de entrarmos num clima de grande conflito social e político que conduza à situação da Grécia".
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