Marcelo sem margem para adiar eleições, atacado por apoio ao governo

No debate a sete, na RTP, com o Presidente da República recandidato à distância, os adversários tentam colá-lo ao governo. Foi um confronto em que as clivagens ideológicas foram muito claras, sobretudo quando se discutiu o Serviço Nacional de Saúde.

O debate aconteceu mesmo na RTP entre os sete candidatos à presidência, com seis deles no Páteo da Galé, no Terreiro do Paço, e Marcelo Rebelo de Sousa à distância por videoconferência, precaução de quem testou positivo à covid-19 uma vez e duas negativo. E foi a partir do écran que o Presidente da República recandidato dissipou dúvidas: "Chego à conclusão que não há condições para a Assembleia da República avançar para uma revisão que permitisse o adiamento." Atirou a responsabilidade para os partidos.

O adiamento era o da data das eleições presidenciais, já no dia 24, e que foi o tema de arranque do debate na televisão pública. E foi também o prenúncio para o que aconteceu a seguir. Ana Gomes, a candidata socialista que não tem o apoio do PS, aproveitou cada deixa para atacar Marcelo Rebelo de Sousa. Acusou-o logo a abrir de desvalorizar as eleições presidenciais, depois de ter defendido que o Parlamento e o Presidente da República ponderasse o adiamento. "Isto não é uma coroação", atirou, ao mesmo tempo que lembrava o confinamento que aí vem fruto do agravamento da pandemia e que afetará a campanha e as eleições". Ainda assim, Ana Gomes não colocou a causa da legitimidade do ato eleitoral.

Já antes André Ventura tinha lamentado que não se tivesse previsto com tempo a possibilidade da revisão constitucional, que agora já entende não ser possível, para que as eleições fossem adiadas. "Politicamente não há pior contexto para haver eleições".

Tiago Mayan Gonçalves, candidato apoiado pelo partido Iniciativa Liberal seguiu a linha de Ventura, e também admitiu que "chegámos a um ponto de não retorno, daqui a cinco dias vamos ter pessoas a votar" e as eleições vão mesmo acontecer.

João Ferreira demarcou-se dos outros candidatos. "É uma evidência que vamos ter eleições" e criticou quem "contribui para alarmismos". "Era importante, da parte das autoridades e do Governo, garantir que tudo está a ser feito, desde agora, para que as pessoas possam ir votar. Não devem contribuir para uma sensação de alarmismo", disse o candidato apoiado pelo PCP.

Embora o tema fosse adiamento ou não das eleições, Marisa Matias adotou a estratégia de fazer campanha pelas suas ideias a cada momento. Tal como João Ferreira, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda considerou que o importante é "respeitando as normas sanitárias fazer a melhor campanha para esclarecer as pessoas" e seguiu para a defesa de que as medidas do novo estado de emergência venham "a garantir o rendimento das famílias e das empresas".

Vitorino Silva, conhecido por "Tino de Rans" foi o mais radical neste ponto. Voltou a bater-se pelo adiamento e insistiu na ideia de que se o Presidente for eleito por menos de 50 % dos eleitores se deve "rasgar" a eleição tal como acontece num referendo. "Tinha vergonha de tomar posse se não fosse eleito por mais de 50%".

Mais claro que Marcelo Rebelo de Sousa ia ser um alvo dos adversários ficou quando o moderador, o jornalista Carlos Daniel, introduziu o tema do Serviço Nacional da Saúde versus privados. Momento também em que ficaram mais evidentes as divisões ideológicas dos candidatos à direita e à esquerda.

O comunista João Ferreira, como não podia deixar de ser, saltou em defesa do SNS. "Quando rebentou a covid-19, quando nos vimos numa situação de aflição percebemos que foi e é com o SNS que podemos contar". Rejeitou a hipótese de recorrer aos privados para suprir as necessidades do SNS mesmo em crise pandémica.

Ao invés, Tiago Mayan, liberal, voltou a dizer que "é uma evidência que todos já reconhecem neste momento" que há mortos por covid e não covid por não se ter recorrido aos privados. Acusou ainda a esquerda de "preconceito ideológico" de quem despreza o setor social e privado da saúde e tudo o que tem de boa gestão. O candidato da Iniciativa Liberal defendeu que se deve "financiar diretamente o utente", que escolherá entre o público e o privado.

Ana Gomes aproveitou o tema, uma vez mais, para zurzir em Marcelo. Criticou o fantasma "neoliberal dos seguros" de saúde e atirou no recandidato a Belém por ter "feito pressão" a favor dos privados. Deu o exemplo disso, quando Marcelo chamou a Belém os prestadores de cuidados de saúde privados num momento em que a ministra estava a negociar com eles. Ana Gomes defendeu ainda que o governo deve avançar para a requisição civil para que os privados sejam chamados, "custo justo", a participar no combate à pandemia.

Marisa Matias também admitiu o recurso à requisição civil aos privados, desde que "não se faça negócio".

Marcelo não se defendeu diretamente das acusações. Passou à frente e deu a sua perspetiva do que falta fazer na Saúde, sobretudo mais investimento no SNS, no seu pessoal e estatuto. Manteve, no entanto, que quando o setor público não responder se deverá recorrer ao privado e ao setor social. "Mas o centro é o o SNS", assegurou.

Recebeu ainda a crítica de André Ventura que o acusou de não ter vetado a Lei de Bases da Saúde que acentua o "preconceito ideológico" da esquerda contra os privados.

Já na segunda parte do debate Marcelo deu uma chapada de luva branca aos opositores. Lembrou que era a primeira vez que um Presidente recandidato se disponha a debater com todos. Uma chapada de democracia.

Isto depois de ter ouvido críticas acesas sobre a sua alegada colagem ao governo. Marisa Matias apontou aos "bloqueios", que fizeram o seu partido votar contra o Orçamento do Estado para 2021, e à ajuda de Marcelo ao governo. Tiago Mayan resumiu o que os outros candidatos disseram por palavras muito diversas: "Entre Marcelo e Costa já não se sabe onde acaba um e começa outro."

E André Ventura lembrou à direita: "Aquele senhor que está no écran tem o apoio do PS".

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