Estado Novo censurou 900 livros
Vilhena, Marx, Amado, mas também Sá Carneiro, Soares, Alegre e Cunhal. Os censores da ditadura não gostavam de política que não louvasse Salazar e o sexo afligia-os. Investigador compilou obras proibidas.
O que têm em comum O Amante de Lady Chatterley e O Anti-Cristo? Que laços unem Quando os Lobos Uivam ou Fanny Hill? O que aproximou Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Mário Soares? Para todas estas questões, a mesma resposta: a censura do Estado Novo. São 900 títulos identificados como tendo sido proibidos pela ditadura entre 1933 e 1974, numa lista compilada pelo investigador José Brandão, hoje revelada pelo Expresso.
O autor mais proibido misturava em doses bem medidas um humor brejeiro, a sátira política e o erotismo do seu desenho que indispunham os censores, o que os levou a apreender 29 obras de José Vilhena, humorista que depois do 25 de Abril publicaria o título Gaiola Aberta. Os outros dois autores mais proibidos são Roy Harvey (15 obras), pseudónimo literário de José Ferreira Marques, e Tomás de Fonseca (14), cujo militantismo republicano e anticlerical lhe valeu a perseguição do lápis azul. O quarto autor mais visado é Urbano Tavares Rodrigues, jornalista e escritor, militante do PCP, que viu sete livros serem proibidos.
Alguns dos nomes que fizeram a democracia depois do 25 de Abril estão no índex do Estado Novo, como Almeida Santos, Sottomayor Cardia, Manuel Alegre, Salgado Zenha, Pacheco Pereira, mas também os citados Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Mário Soares.
Entre os estrangeiros publicados e proibidos pela ditadura Karl Marx foi o mais perseguido com 15 títulos. A acompanhá-lo outros dois nomes óbvios, Lenine e Engels, apesar da lista incluir obras tão variadas como as referidas de D.H. Lawrence, Nietzsche e John Cleland ou mesmo Jorge Amado (Capitães da Areia, por exemplo, tinha uma "desbragada imoralidade", era "antissocial e revolucionário, essencialmente pré e pró-comunista" como cita o Expresso).
A relação de obras censuradas é, como explica José Brandão, "composta exclusivamente por títulos de edição portuguesa não incluindo obras brasileiras ou de qualquer outra proveniência", a partir de 1933, depois de publicado o Decreto nº 22469 de 11 de abril de 1993 que instituiu "a censura prévia também aos livros".
Curiosamente, o primeiro livro objeto da fúria censora da ditadura do Estado Novo foi A obra intangível do Dr. Oliveira Salazar, de Cunha Leal, que chefiou um governo na I República e chegou a apoiar o golpe de 28 de maio de 1926. Estava-se em 1930, razão pelo que este livro não é incluído na lista de Brandão. Cunha Leal acabaria deportado.