Dezoito anos depois, Parlamento abre em janeiro a oitava revisão constitucional
Processo de revisão da Constituição começa logo no início do ano, com uma previsão inicial de três meses. António Costa volta a responder aos deputados, mas os moldes do debate com o primeiro-ministro estão ainda por definir.
Dezoito anos depois do último processo de revisão da Constituição concluído com um acordo, a Assembleia da República inicia em janeiro os trabalhos da oitava revisão constitucional. A conferência de líderes parlamentares agendou ontem para 4 de janeiro a tomada de posse da Comissão Eventual que vai discutir as alterações à Lei Fundamental, um processo que vai prolongar-se por três meses, que poderão vir a ser prorrogados.
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A comissão será presidida pelo social-democrata Joaquim Pinto Moreira, ficando a socialista Marta Temido como primeira vice-presidente. Para a coordenação dos deputados do PS foram escolhidos dois constitucionalistas: Pedro Delgado Alves e Isabel Moreira. Já o PSD terá como coordenadores dois advogados, André Coelho Lima e Mónica Quintela. Na comissão eventual terão também assento os líderes parlamentares dos dois partidos, Eurico Brilhante Dias e Joaquim Miranda Sarmento, ambos como suplentes.
Em cima da mesa estão propostas dos oito partidos com assento parlamentar, que avançaram com projetos depois de o Chega ter aberto o processo de revisão constitucional no início de outubro. Dependente de um acordo entre socialistas e sociais-democratas, dado que as alterações à Constituição exigem uma maioria de dois terços dos deputados, esta oitava revisão constitucional terá como pontos centrais duas alterações em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias. A primeira relativa à possibilidade de confinamento obrigatório de pessoas com uma "doença contagiosa grave", a segunda sobre o acesso dos serviços de informação aos metadados das telecomunicações.
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No primeiro caso o PS propõe-se incluir na Constituição a possibilidade de "separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção grave, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública", "com garantia de recurso urgente à autoridade judicial". Já o PSD estabelece que passa a ser possível o "confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave doença infetocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial". Formulações que têm levantado dúvidas a constitucionalistas, por preverem a restrição de liberdades sem aval prévio de uma autoridade judicial.
Já quanto à lei dos metadados, PS e PSD convergem na intenção de autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados de contexto resultantes de telecomunicações - dados de tráfego e localização de equipamento, por exemplo - tentando assim ultrapassar o recente veto do Tribunal Constitucional.
Uma terceira questão de liberdades e garantias (transversal aos projetos do PS, PSD, Chega, IL e Livre) é o direito ao esquecimento digital - ou seja, a possibilidade de alguém solicitar que os dados e referências relativos a si próprio sejam apagados. Entre as matérias transversais aos projetos dos vários partidos, que poderão vir a ser alvo de acordo, contam-se a proteção do ambiente, que poderá ganhar proteção constitucional, ou os direitos dos animais. Fora deste quadro ficam todas as alterações ao sistema eleitoral, que o PS já recusou, num contexto em que o projeto de revisão constitucional do PSD é o que mais aborda estas questões, propondo, entre outras mudanças, um mandato único de sete anos do Presidente da República ou a redução do número de deputados à Assembleia da República.
Costa volta à AR em janeiro, em moldes ainda por definir
A conferência de líderes desta quarta-feira agendou também para o início do ano o debate parlamentar de política geral com o primeiro-ministro, que terá lugar a 11 de janeiro - mais de três meses depois do último debate neste modelo, que se realizou no final de setembro. Mas se a discussão já ficou agendada, os contornos em que decorrerá estão ainda por definir, dado que está em curso uma revisão do Regimento da Assembleia da República que vai alterar o modelo dos debates com o primeiro-ministro, e que deverá entrar em vigor a 1 de janeiro.
Com a votação final agendada para a próxima semana, os partidos continuam distantes de um acordo, com a generalidade da oposição a exigir a reposição dos debates quinzenais que vigoraram até 2020 (e terminaram então por acordo entre o PS e o PSD de Rui Rio) e os socialistas a proporem debates mensais. E com um novo figurino, que acaba com o atual modelo de pergunta/resposta, substituído por um formato em que a resposta do Governo é dada "no final do tempo de intervenção de cada partido". Uma proposta que tem suscitado muitas críticas da oposição e que afasta um cenário de entendimento, deixando a aprovação à maioria do PS.
susete.francisco@dn.pt