Da Grécia, com indiferença: a surpreendente vitória do Syriza e o seu não efeito cá

Ganhou eleições a opor-se à austeridade, fez um referendo sobre ela para o ignorar e ganhou de novo eleições. Difícil classificar o Syriza, quanto mais utilizá-lo cá.

Em vez de ser sobre o efeito da vitória do Syriza na campanha portuguesa, a pergunta certa talvez fosse "o que é o Syriza?". Porque depende de a quem se pergunta, e em que momento. A coligação governamental, por exemplo, que passou uma parte da pré-campanha a acusar o PS de alinhar com o "radicalismo" do Syriza, diz agora, perante a clareza surpreendente do partido de Alexis Tsipras e na voz do eurodeputado do CDS Nuno Melo, que "o Alexis Tsipras que ganhou não é o Tsipras que quis a rutura contra tudo e todos na Europa. É um Syriza que expurgou Varoufakis [o ex-ministro das Finanças grego, afastado a seguir ao referendo de 5 de julho] e os seus elementos mais revolucionários. É um Tsipras do memorando e do terceiro resgate".

Aliás, logo nas primeiras intervenções, ainda em pré-campanha, tanto Passos Coelho como Paulo Portas foram dando sinais de que tinham afinado o discurso sobre a Grécia, fosse qual fosse o resultado eleitoral. No sábado, véspera do dia das eleições, por exemplo, num jantar-comício em Santarém, a situação na Grécia foi utilizada para valorizar as opções do governo PSD-CDS em matéria de austeridade. A máquina de campanha azul-laranja preparou-se para salientar as diferenças entre os dois países, e é isso que pretendem continuar a fazer. "Não alterou em nada o discurso previsto. O que temos dito e continuaremos a dizer é que independentemente do que acontecesse nas eleições, a Grécia estará com o terceiro resgate e com mais três anos de austeridade. Nós já deixámos isso para trás. Porque escolhemos outro caminho que nos libertou da troika", disse ao DN fonte dirigente da coligação.

E ontem, nas ações de campanha em Beja, Nuno Melo garantia que a PàF não puxaria mais pelo exemplo grego caso a Nova Democracia tivesse ganhado. "Esta vitória do Syriza só torna mais ostensivo o contraste entre Portugal, que tendo partido a par a Grécia é hoje um caso de sucesso, e a Grécia, que mantém o Syriza, que depois de seis meses a dizer que negociava o programa de ajustamento, ter tido de negociar o pior dos resgates com uma troika, com quem disse em campanha que jamais negociaria". Para o vice-presidente centrista, "esta eleição até tem o aspeto pedagógico de, acontecendo em cima do ato eleitoral português, recordar o que o Syriza, que tal como o PS e alguma esquerda que queriam mais tempo e mais dinheiro, acabou por conseguir".

Já António Costa despachou o assunto Grécia numa declaração aos jornalistas já perto da meia--noite de domingo, depois de um jantar-comício em Seia - e, no que depender exclusivamente dele, não tenciona voltar ao assunto. Limitou-se a fazer votos para que a Grécia "encontre um caminho de estabilidade e de crescimento" e que isso represente "um alívio do sofrimento" dos gregos em relação às "políticas de austeridade" a que estão sujeitos. Procurou, ao mesmo tempo, argumentar que o que se passou não deve influenciar a campanha em Portugal: "O que se discute em Portugal não tem nada que ver com o que se discute na Grécia." Um pouco no mesmo sentido vai a CDU, que assevera, numa declaração escrita enviada ao DN, que "os resultados da Grécia não têm influência na estratégia eleitoral da CDU", prosseguindo já a falar na situação portuguesa.

E o partido dito irmão do Syriza, o BE, que diz? Em Paris, no aeroporto, de regresso a Portugal depois de um dia de campanha junto dos emigrantes, a líder ri-se quando lhe perguntam se é "a nova Catarina Martins" que fala. Mas é: à pergunta sobre a forma como interpreta a expressiva vitória de ontem do Syriza, tantas vezes assumido como "partido irmão", a voz mantém o registo coloquial, afável, que era o seu na informalidade e que os portugueses lhe descobriram nos debates com os outros líderes partidários, não passando, como era antes seu timbre também nas respostas a jornalistas, para um tom mais contundente e impessoal. Mas se o tom é simpático, o conteúdo é reservado, sem sinais de festa pelo bom resultado de um partido que já foi muito lá de casa. "Estas eleições provam que o povo grego não quer voltar atrás." Mas a política seguida continua a ser a da austeridade; desse ponto de vista não é uma continuidade com o que fizeram os governos anteriores? "É verdade que o plano que foi imposto ao governo grego não é uma rutura com a política de austeridade, e é conhecida a oposição do BE a esse plano assinado pelo governo grego. A rutura de que precisamos na Europa não existiu ainda. Mas se ganhasse a Nova Democracia seria voltar ainda mais para trás." Quanto ao facto de os dissidentes do Syriza, que defendem a herança do não no referendo de 5 de julho, ou seja, o não à austeridade com o qual o BE se identifica, terem tido 3% e não conseguido eleger sequer um deputado, Catarina desconsidera a derrota: "É um fenómeno muito novo que surgiu em cima das eleições e não se afirmou. Mas a história não acaba aqui." E porque a história não acabou, Catarina Martins, se reafirma que, ao contrário do que dizem os que o acusam de ser só um partido de protesto, o Bloco quer ser governo, não vê motivos para integrar a experiência do Syriza no discurso do BE: "Não cederemos em objetivos essenciais. Se se for governo para fazer o mesmo que o CDS fez não vale a pena."

Fenómeno não transferível

As respostas vão ao encontro do que esperava o politólogo e investigador do instituto de Ciências Sociais Pedro Magalhães: "Aquilo que se está a passar na Grécia não tem muita influência na campanha portuguesa neste momento. Estamos numa fase muito histriónica da campanha, muito de sound bites. Se o Syriza tivesse perdido seria um bom argumento para a PàF. Mas assim é mais difícil o aproveitamento." Os dois ângulos possíveis de abordagem serão, opina, "vejam como os gregos confrontados com a austeridade mesmo assim confiam no Syriza, como sucedeu no Reino Unido com o Cameron", ou "vejam como um partido que conseguiu resistir o mais possível à Alemanha vence as eleições"." Mas o fenómeno Syriza, que vê sobretudo como o fenómeno Tsipras - "Há uma dimensão muito interessante, que é de faltar às promessas e mesmo assim ser visto como dizendo a verdade" - não é transferível. Quanto ao efeito no BE, não crê que seja palpável. Sobretudo por considerar que o partido está a cavalgar uma onda de simpatia dos media, sustentada na popularidade de Mariana Mortágua e também da redescoberta Catarina Martins.

Também o fundador do BE e agora comentador Francisco Louçã defende que "a vitória do Syriza não tem nenhum efeito a campanha eleitoral portuguesa, que tem os seus temas muitos próprios que nada têm que ver com a realidade grega. Não creio que os eleitores portugueses votem em função daquilo que são as famílias políticas noutros países, seja na Grécia ou na Alemanha". Já quanto a alterações nos discursos de campanha provocadas pelo escrutínio grego, Louçã admite apenas que "muito marginalmente se possa dizer que o fechamento da Europa, afirmando soluções de austeridade como as da Grécia, que são impossíveis de executar, e a estupidez que são essas políticas, acentua a necessidade de se discutir em Portugal, nas próximas presidenciais e até já nas legislativas, a necessidade de se pensar em políticas consistentes que sejam alternativa à austeridade perigosa.

Também o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus Francisco Seixas da Costa não vê "nenhum efeito da vitória do Syriza na campanha eleitoral portuguesa", destacando que a situação é "relativamente estável". Além disso, Seixas da Costa explica que "a Grécia tem um cenário muito diferente de Portugal, desde logo porque está a aplicar um programa de austeridade". Sobre se a vitória do Syriza coloca uma pressão no Bloco de se assumir como partido de governo (por oposição a partido de protesto), Seixas da Costa ironiza: "É preciso perguntar ao Bloco se está disponível para aprovar medidas de austeridade como o Syriza e se está disposto a unir-se com um partido de quase extrema-direita. Se estiverem disponíveis para isso, talvez estejam para ser governo."

O antigo embaixador acredita que não há qualquer hipótese de o Bloco ser governo em Portugal, uma vez que "nunca passará de uma emanação minoritária, que nunca sairá do espaço onde está, que é um espaço que só pode discutir com o PCP". Para Seixas da Costa questões como "a saída da NATO e do euro" fazem com que o BE nunca possa ser governo com o PS. E não há nada que mude isso: nem as vitórias do Syriza na Grécia.

O antigo governante socialista considera que António Costa esteve bem ao não entrar no jogo de Catarina Martins no debate quando a porta-voz do Bloco o desafiou para debater uma solução governativa a 5 de outubro, pois acredita que "a única hipótese de Bloco de Esquerda e PS se entenderem a 5 de outubro é quanto à eliminação do feriado, não é quanto a uma solução governativa".

*com João Pedro Henriques e Valentina Marcelino

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG